No meio do barulho: o silêncio!

Entrar na solidão por amor é chegar àquele encontro que nos faz desencontrar de nós próprios para nos conhecermos, porque quanto mais longe de nós estamos, mais nos vemos. 

Fugindo à overdose de covid-19 e ao tema das eleições, vou hoje falar-vos de uma notícia absolutamente surpreendente. Depois de ter sido erigido um mosteiro trapista na diocese de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro instituiu, também, na sua diocese a vida eremítica. Três novas eremitas fizeram os seus votos e recolheram-se para, em solidão, se encontrarem e, entrando dentro de si, conhecerem-se, encontrando-O. 

Uma vida em solidão e em silêncio! Fará, hoje, sentido? Talvez não! Talvez sim! Mas quantas coisas fazem sentido na pós-modernidade? Fará sentido entrar em solidão? Entrar no silêncio? 

O mundo gira, roda, às voltas! As cidades têm milhões a viver lado a lado, numa solidão sem sentido. Infelizmente, hoje, obrigados a viver uma solidão tão profunda como nunca existiu na história da humanidade. Uma solidão só! Vivem cinquenta num prédio, mas não se falam. Vivemos, sim, em verdadeiros eremitérios, à volta de um sacrário chamado televisão. 

A diferença da nossa solidão para a solidão destas mulheres? Elas entrarem na solidão por amor, nós por fatalidade! São Bento a certa altura diz: «Entrei dentro de mim». O que é isto de, na solidão, entrar dentro de si? Dentro de mim existe um mundo maior do que o existente fora de mim. Há galáxias múltiplas, estrelas e nuvens. Dentro de mim, me encontro e encontro Aquele que ali habita – Deus!

Entrar na solidão por amor é chegar àquele encontro que nos faz desencontrar de nós próprios para nos conhecermos, porque quanto mais longe de nós estamos, mais nos vemos. A solidão, habitada pelo amor, dilata-nos a alma, expande-nos, faz-nos sair, entrando! 

Depois, com a solidão, o silêncio! Ouvir o ensurdecedor silêncio que nunca ouvimos, porque não O conhecemos. O silêncio abre-se à cor de cada lugar. O silêncio é azul das sete vagas do mar e não é idêntico ao silêncio verde de um pinhal. O silêncio é castanho ao passar nas espigas plantadas no chão, mas é diferente do silêncio amarelo de quem entra numa praia. Porque o silêncio tem sons diferentes.

Irrompem, de dia para dia, oásis de silêncio e solidão, que hão de mostrar o paradoxo sem sentido que é viver num mundo que não vive. Por isso, entrar na solidão não é estar só, mas um encontrar-se com a maravilhosa companhia de nós mesmos. 

É isto a oração: um entrar de si, no interior mais íntimo de si mesmo, e lá entrar num diálogo amoroso com Aquele que nos habita. É um viver de encontros e desencontros, de nós com Deus. É um amar, sem nos amar, porque nos ama Aquele que é Amor – Deus! 

Fará sentido? Talvez sim! Talvez não!

O sentido, hoje, de nada conta. O violento absurdo deste mundo é capaz de me tirar todo o sentido da minha alma, mas não é capaz de me tirar a memória de um encontro. Porque o encontro feito em solidão, num silêncio amoroso, não se esconde senão na alma. Uma vez encontrados, não mais nos esqueceremos. 

Abre-se uma porta nova para nós… para o nosso país! Abre-se um silêncio e uma solidão que atrairá a si uma multidão paradoxal de apaixonados. Mulheres que, em solidão, se retiram para entrar e assim nutrirem aquela Vida que não tem fim.