Thierry Mugler. O estilista que nos transportava até um mundo paralelo

O designer francês, Thierry Mugler, conhecido pelas suas criações icónicas que definiram não apenas a moda, mas também a cultura visual dos anos 80, morreu no passado domingo, aos 73 anos, de “causas naturais”.  

Um humano meio peixe, ou inseto, ou cyborg – um ser feito de partes orgânicas e cibernéticas – Mugler sempre foi conhecido pela sua extravagante metamorfose de formas, materiais e modelos. “Criativo primeiro, costureiro depois”, afirmava que fazia roupas pois procurava “algo que não existia”, tendo tido de criar “o seu próprio mundo”. Para ele, a moda era um “filme” e, por isso, acreditava que, todas as manhãs, ao escolhermos a roupa, nos estaríamos a “direcionar” a nós próprios.

Nos seus desfiles, que desconstruíam padrões e ofereciam um espetáculo carregado de “futurismo”, Mugler queria que os seus modelos fossem “maiores, mais fortes e mais altos do que os comuns mortais”. Todas estas singularidades fizeram dele um dos designers mais conhecidos e irreverentes do mundo da moda. Alguns talvez o conheçam por ter vestido recentemente Beyoncé, Cardi B e Kim Kardashian, outros conhecem-no pelo seu perfume Mugler’s Angel…

De acordo com o anúncio do seu agente, Jean-Baptiste Rougeot, através da sua própria conta de Instagram, Thierry Mugler morreu neste domingo de causas naturais aos 73 anos, justamente enquanto a exposição retrospectiva Thierry Mugler: Couturissime decorre no Museu de Artes Decorativas de Paris (MAD), traçando uma viagem de quase trinta anos de carreira, marcados pelos seus designs icónicos que definiram não apenas a moda, mas também a cultura visual dos anos 80.
 
A marca de Mugler A visão de moda de Mugler ultrapassou os limites da criação de roupas. “A minha verdadeira vocação é o espetáculo”, dizia o criador francês. O também ex-bailarino da Ópera do Reno, na sua cidade natal, Estrasburgo, França, concebia os seus desfiles como performances. As roupas faziam parte de um espetáculo – “um todo teatral” – que ia desde os modelos, ao cenário, à música e às luzes. Inspirado no reino animal, criou figurinos que fantasiavam sobre uma nova “espécie híbrida”.

Um dos grandes exemplos disso foi o vestido ‘La Chimère’ da coleção de alta costura de 1997, Les Insectes – na qual o designer fundiu mulheres com insetos. ‘La Chimère’ é um dos vestidos mais caros da história da moda, que brilha em todas as cores do arco-íris, com inúmeras pérolas coloridas, penas, escamas, pelos de animais e um espartilho dourado, dando a impressão de estarmos diante de uma sereia. Todas as roupas da coleção são equipadas com antenas, asas de borboleta e óculos pretos que lembram precisamente os olhos de insetos.

Nos anos 80 a sua carreira foi marcada pelas silhuetas oversized, com ombreiras enormes e cinturas com espartilhos. Já nos anos 90, colocou na passerele roupas feitas de látex, vidro, borracha e armaduras robóticas. Este conceito de moda tão “visionário” e “próximo do palco” fez de Mugler figurinista em vários projetos, incluindo em Zumanity, o primeiro e único espetáculo do Cirque du Soleil para maiores de 18 anos, e no espetáculo A tragédia de Macbeth, na Comédie Française, teatro estatal da França. Além disso, o artista era também “muito próximo da música”: vestiu David Bowie ao longo de sua carreira musical e até dirigiu o videoclipe Too Funky de George Michael. 

A polivalência do artista francês Os seus desfiles de moda chegavam a durar mais de uma hora e incluíam quase uma centena de criações usadas pelo seu grupo de “musas” – de Jerry Hall a Verushka, de Naomi Campbell a Tippi Hedren, de Amanda Lear a Patty Hearst – que se tornavam, através do seu olhar e da sua agulha, não só anfíbios, insetos, flores ou sereias, mas também heroínas de ficção científica ou espiãs dos anos 40.

No seu trabalho, Mugler queria dar, por isso, “força” à imagem da mulher e, essa aparência firme e sensual acabou por ser o objeto do erotismo e fetichismo do fotógrafo Helmut Newton, com quem este trabalhou na sua primeira campanha publicitária, acabando por incentivá-lo a apostar no gosto que já possuía pela fotografia. Começou então a ser o próprio fotógrafo nas suas campanhas publicitárias que tiveram cenários como um icebergue na Gronelândia, as dunas do Saara, ou o telhado da Ópera de Paris. Mas este não foi apenas designer, diretor, fotógrafo, mas também empresário. 

O perfume Angel, em forma de estrela, foi lançado em 1992 e foi o pioneiro da família olfativa gourmand – tipos de perfume que associam notas da culinária à perfumaria, “aquele tipo de perfume que dá vontade de comer” – desde então, ocupa constantemente o pódio de vendas nas perfumarias, com uma fragrância ousada baseada em notas doces como cacau e açúcar. 

Em 2002, Mugler, transformado numa criatura quase mitológica tanto pela sua aparência alterada por cirurgias quanto pela sua “alergia” à exposição pública, deixou a sua própria empresa – Maison Thierry Mugler – e foi batizado Manfred Thierry Mugler para se dedicar a outros projetos no mundo do entretenimento. Desde 2020, as divisões de moda e perfumaria pertencem à L’Oréal. Na altura, o artista chegou a alegar ter feito as cirurgias também como forma de “apagar o rasto da sua carreira anterior”.

Em 2008, este vestiu Beyoncé na sua turnê I am… com um total de 58 modelos. Desde então, o estilista só havia redesenhado uma vez, para a sua grande admiradora Kim Kardashian, que surpreendeu o mundo com um vestido de efeito molhado na gala do Metropolitan, em 2019. Na última década, foram também as cantoras Cardi B e Lady Gaga, entre outros músicos que mantiveram vivo o seu legado. 

A exposição Thierry Mugler: Couturissime, projetada e produzida pelo Museu de Belas Artes de Montreal, em 2019, viajou para o Museu Kunsthal, em Roterdão, e até ao Museu Kunsthalle, em Munique. Agora, no Museu de Artes Decorativas de Paris estará em exibição até 24 de abril de 2022.