O Jardim do palacete de São Bento, Residência Oficial do primeiro-ministro

Um lugar de representação inerente às funções do Estado português.

Por Elsa Severino, arquiteta paisagista

O palacete de São Bento, erguido na Rua da Imprensa à Estrela em 1877, tinha como proprietário Joaquim Machado de Cayres. Um terreno agrícola com dois hectares de área, anteriormente parte integrante da cerca do Convento de São Bento da Saúde, completava esta propriedade.

Ainda antes da extinção das ordens religiosas em 1833, e por portaria de D. Pedro IV, o Convento passou a Palácio das Cortes. Enquanto sede de instituições teve várias designações tais como Assembleia Constituinte, Congresso da República e Assembleia Nacional; em 1975-1976, novamente Assembleia Constituinte e finalmente Assembleia da República, título que se mantém até à atualidade.

Quanto aos terrenos do palacete de São Bento foram sendo transformados de terrenos agrícolas a jardins de recreio e contemplação. Em 1870 Machado de Cayres delimita a propriedade com um muro e gradeamento junto à Calçada da Estrela. Com a sua morte em 1886, e depois de vários anos em que o edifício esteve arrendado a Joaquim Sottomayor, será vendida, em 1935, uma parcela de terreno, às freiras do Sagrado Coração de Jesus, que aí fundarão um colégio feminino.

Em 11 de outubro de 1937 o Estado adquire a propriedade – ‘Casa e Quinta de São Bento’, fixando aqui a Residência Oficial do Presidente do Conselho, tendo pesado a proximidade ao Parlamento. Foram feitas obras no edifício, sob a tutela da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, tendo como arquiteto responsável António Lino. A inauguração oficial teve lugar em abril de 1939, sendo que «o Presidente do Conselho passou a habitar a casa em maio de 1938, embora sem estarem concluídos os trabalhos na área do parque» (in O Palacete de São Bento).

A evolução do jardim: ‘A Natureza não faz o jardim’ (Alain) 1939 a 1971

Por razões de segurança investem-se recursos e esforços para delimitar a propriedade; prolonga-se o muro da Calçada da Estrela e reconstrói-se o muro da Rua da Imprensa à Estrela. O traçado do parque do período romântico manteve-se inalterado; os caminhos eram em calçada, mas também em macadame ou betão e assim se mantiveram.

A principal alteração surge junto ao alçado nascente, (cujo terraço foi alargado a toda a fachada, completado com uma escadaria para o jardim) com a introdução de um tanque retangular, uma exclusiva pérgula, e uma alameda de jacarandás no limite norte; a sul, um talude densamente plantado fará a transição para a antiga cisterna e para a mata. Quatro golfinhos em mármore de Estremoz, da autoria de Leopoldo de Almeida, pontuam os cantos do tanque. Outra escultura intitulada ‘Meditação’ também da sua autoria, encima o tanque semicircular a eixo da escadaria de ligação ao Parlamento.

As plantações ficaram a cargo do conceituado horticultor portuense Jacinto de Matos, sendo também da sua autoria a cascata rústica (1947) junto ao muro da Rua da Imprensa e o riacho que desagua junto à antiga cisterna. Esta água tem origem na mina do Jardim da Estrela, provavelmente desde 1598, data da construção do Convento de São Bento da Saúde.

A construção da escadaria monumental que estabelece a ligação ao Parlamento e a remodelação do jardim daí resultante, é da autoria do arquiteto Cristino da Silva. Esta ligação mantém-se, sendo de realçar que os jardins clássicos que enquadram este muro com nichos e estátuas, necessitam de uma manutenção mais especializada.
1971 – O edifício sofreu grandes alterações, sendo as obras acompanhadas pelo arquiteto José Segurado. As linhas estruturais mantêm-se até à atualidade; nos jardins e mata não se fizeram alterações significativas.

António de Oliveira Salazar residiu no palacete até à data da sua morte em 27 de julho de 1970. Em setembro de 1968 seria substituído como Presidente do Conselho por Marcello Caetano, que nunca habitou a Residência Oficial.

25 de Abril de 1974 – Com a revolução democrática sentiu-se alguma instabilidade política. Os governos sucediam-se e, neste período, na residência e jardins não se fizeram quaisquer intervenções, a não ser o estritamente necessário para o jardim não sucumbir.

1985 a 1995 – Aníbal Cavaco Silva é eleito primeiro-ministro e vai habitar São Bento durante 10 anos, introduzindo profundas alterações no edifício e no parque.

Em 1988 constrói-se uma piscina, no local dos antigos lavadouro, pombal e capoeiras, equipamentos desenhados por António Lino em 1938. Os projetos estão depositados na Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, e revelam-nos uma outra forma de vida no exterior. 

O jardim com piscina passou a ter outra valência, possibilitando atividades no exterior até aí inexistentes. Após cinquenta anos, a composição do jardim alterou-se no respeitante ao seu uso; de um jardim de representação, à maneira clássica, com aspetos do período romântico, especialmente na mata, passou a considerar também um local para usufruto exclusivo dos moradores na Residência – isto é, o primeiro-ministro, família e alguns convidados. 

1995 a 2002 – Guterres é eleito, liderando o XIII e o XIV Governos Constitucionais. A aproximação da segunda Presidência Europeia justificou uma profunda requalificação na conceção dos jardins, nas infraestruturas de rega e iluminação exterior, nos pavimentos e na vegetação, que acusava um certo envelhecimento. O projeto esteve a cargo dos paisagistas Francisco M. Caldeira Cabral e Elsa Severino.

A praça, junto à entrada principal do edifício foi tratada como uma unidade referencial, com um pavimento em calçadas de vidraço branco, preto e granito rosa, já a entrada automóvel apresenta um pavimento radial, em granito rosa, com uma zona plantada ao centro. 

A alameda dos jacarandás também foi requalificada com um pavimento em calçada, onde anteriormente existia asfalto em que a quadrícula de pedras enfatiza o ritmo das árvores. Refira-se como curiosidade que nos anos sessenta, Gonçalo Ribeiro Telles propôs olaias para esta alameda; Salazar riscou a designação e escreveu Jacarandás, que obviamente foram plantados e ainda se mantêm em bom estado de conservação. 

O jardim nas traseiras do edifício, com o tanque retangular ao centro, adquire uma outra dignidade, através da simplificação da vegetação, e com um novo traçado de caminhos pedonais, acentuando o eixo da casa até à pérgula e um outro ortogonal a este, ligando a alameda ao tanque.

A piscina transformou-se em tanque de quinta, envolvida por treliça em ferro suporte de trepadeiras, garantindo a necessária privacidade a norte e poente, mas abrindo a sul para a obtenção de um ambiente soalheiro. A cascata e o riacho serão replantados com a vegetação da linha de água e adquirem um novo esplendor.

A zona dedicada ao estacionamento será requalificada ao nível dos pavimentos e com a criação de uma pérgula que proteja as viaturas do sol e da chuva. Uma estação de tratamento das águas da lavagem dos carros retrata a preocupação ambiental da Residência; uma estação meteorológica será também aqui localizada, monitorizando os efeitos atmosféricos.

Ao nível da vegetação foram muitas as novas plantações de árvores arbustos e herbáceas. Os prados floridos e relvados cobriram os vários jardins de representação. A mata foi continuamente monitorizada dado o estado fitossanitário de algumas espécies. Este cuidado deverá ser uma constante, pois a mata foi plantada há quase um século.

Duas novas esculturas foram entretanto adquiridas – uma alusiva a D. Afonso Henriques, da autoria de João Cutileiro, ocupa o jardim fronteiro à entrada da Residência; uma outra, em ferro e aço, da autoria de José Pedro Croft, ‘abraça’ a majestosa Ficus macrophylla, junto à cisterna. Sabemos que todas as artes contribuem para a síntese dos jardins, e estas duas esculturas vieram enriquecer todo o conjunto, marcando a época atual.

Esta requalificação e uma manutenção cuidada e continuada dos espaços e equipamentos, com especial destaque para a vegetação, são o garante para que este jardim possa ser hoje e sempre, «o complemento natural das funções protocolares e de representação inerentes à Residência Oficial do primeiro-ministro».