Um truque de magia

À entrada do período eleitoral, havia uma ideia adquirida: Portugal estava estagnado e fora ultrapassado por muitos países que tinham entrado na UE depois de nós. Havia, pois, que mudar de política para pôr o país a crescer.

Excecionalmente vou escrever nesta coluna sobre política. A oito dias das eleições, não se fala noutra coisa – e os meus leitores estarão porventura poucos disponíveis para outros temas. Eu próprio tenho dificuldade em pensar fora da política, tal é o bombardeamento de todos os lados – das televisões, da imprensa, das redes sociais, das conversas com amigos. 

Quando chegámos a este período eleitoral, havia uma ideia adquirida: Portugal estava estagnado e fora ultrapassado por muitos países que tinham entrado na UE depois de nós e em situação muito pior. 

Perante isto, a conclusão era evidente: havia que mudar de política para pôr o país a crescer. Era uma ideia simples, facilmente assimilável pelo eleitorado.

Só que, de repente, como por magia, António Costa tirou da cartola um argumento salvador: isso era verdade olhando para os últimos 20 anos; mas, observando apenas os últimos seis, a conclusão é completamente diferente: Portugal não só cresceu, como cresceu acima da média europeia.

Ou seja: no período correspondente ao consulado de António Costa, Portugal entrou numa rota de aproximação aos países mais ricos. E, assim, o que é preciso é manter o rumo – e não mudar.

Numa penada, Costa virava o argumento a seu favor. Os culpados pela estagnação eram os seus antecessores (entre os quais dois socialistas, António Guterres e José Sócrates) e não ele. 

Contra factos não há argumentos. Matematicamente é indiscutível. 

Mas, observando a realidade ainda mais de perto, concluímos que isso é verdade para o período de 2016 a 2019, pois no terrível ano de 2020 o PIB caiu em flecha por causa da pandemia. 

E esse período de 2016 a 2019 correspondeu a quê? Aos anos pós-troika, em que tinha havido uma recessão. A base de partida era, portanto, baixa – pelo que o crescimento seria sempre mais rápido (como acontece, por exemplo, a seguir a uma guerra, salvo as devidas distâncias). 

O outro ano em que o crescimento foi acima da UE foi 2021 – que sucedeu ao pesadelo de 2020, sendo o ponto de partida outra vez muito baixo (o PIB caíra 8,4%).

Conclui-se, assim, que o nosso crescimento recente não resulta de uma trajetória consolidada, antes corresponde a situações atípicas. 

Tanto assim é, que as previsões internacionais para os próximos anos são muito menos otimistas.

Mas vamos à outra ideia: a de que nos estamos a aproximar dos países mais ricos. 

Ao ouvir António Costa dizer isto, veio-me à cabeça uma história. 

Quando eu estava no Expresso, fazíamos anualmente sessões para apresentação dos resultados. E acontecia invariavelmente uma coisa: enquanto os lucros da publicidade no jornal cresciam, por hipótese, 10%, outros setores da empresa cresciam 200%, 300%, 500%. Ficava nos ouvintes desprevenidos a ideia de que o jornal era o parente pobre da empresa.

Só que, quando se viam as contas, esses 10% de aumento da receita publicitária correspondiam, imaginemos, a 1 milhão de euros, ao passo que os 500% de aumento de um outro setor qualquer correspondiam a 10 mil euros… Eram nichos de mercado cujo crescimento, mesmo muito alto, se traduzia em valores diminutos. 

É exatamente isto que acontece quando comparamos as nossas taxas de crescimento com as de países mais desenvolvidos.

O PIB francês, por exemplo, é mais de dez vezes superior ao nosso. Se nós crescermos 4%, isso corresponderá grosso modo a dez mil milhões de euros; ora, se a França crescer metade (2%), isso valerá 50 mil milhões. Ou seja, o PIB da França crescerá mais 40 mil milhões do que o português. O fosso entre nós e os franceses, em vez de diminuir, aumentará.

Para nos aproximarmos, teríamos de crescer a um ritmo muitíssimo superior.

O truque de magia de António Costa, ao ‘esquecer’ os últimos 20 anos para se centrar nos seis do seu governo, foi um bom golpe publicitário. Mas, como todos os truques de magia, não corresponde infelizmente à realidade. 

Por um lado, os seus crescimentos do PIB seguem-se a períodos recessivos (pós-troika e pós desastre da pandemia), em que é muito mais fácil crescer. 

Por outro lado, embora crescendo acima da média europeia, a nossa distância para o pelotão da frente da UE foi sempre aumentando.

Tal como sucede com a língua portuguesa, as percentagens são por vezes muito traiçoeiras…