A vacina da maioria absoluta…

A Sócrates não faltam amigos envolvidos nesta corrida para S. Bento, embora repita, candidamente, que não tenciona tão cedo reativar a sua vida política…

Seja qual for o resultado das legislativas, jamais António Costa poderá ter desejado a surpreendente ‘participação’ de José Sócrates na campanha, sem ser convidado, a reboque de outro dos seus ‘golpes de teatro’, ao requerer que o juiz Carlos Alexandre se sente … no banco dos réus.

A habilidade é ainda mais atrevida pelo ineditismo, na exploração de uma ‘guerra’ absurda entre juízes, com o Conselho Superior da Magistratura de permeio, usando os sorteios dos processos como arma de arremesso.

A Sócrates não faltam amigos envolvidos nesta corrida para S. Bento, embora repita, candidamente, que não tenciona reativar a sua vida política, como se alguma vez a tivesse posto de parte.

A realidade é que sobram os ‘socráticos’ no Governo ainda em funções (como no anterior…), cuja fidelidade não precisa de ser atestada, além de outros esforçadamente inseridos no aparelho do Estado e, até, com cadeira em Estrasburgo.

A ‘sementeira’ do ex-primeiro-ministro socialista foi farta, durante o tempo que governou com maioria absoluta. 

O desfecho obrigou o país, como se sabe, a estender a mão à ajuda externa, para evitar, in extremis, a bancarrota, suportando estoicamente o ‘policiamento’ da troika.

Reconheça-se, porém, que Sócrates não esteve sozinho e que contou com a cumplicidade de muita gente, desde o setor financeiro aos media e, até, à Justiça, onde gozou do apoio de figuras gradas do Ministério Público ou do Supremo Tribunal.

São inesquecíveis as imagens da sessão de lançamento do seu primeiro livro, em 2013, no Museu da Eletricidade, onde sentou, na primeira fila, como convidados, o ex-PGR, Pinto Monteiro e o ex-presidente do Supremo, Noronha do Nascimento. 

A presença de ambos pasmou a Imprensa da época, como o Jornal de Negócios, que titulou na primeira página, que Magistrados que destruíram escutas a Sócrates foram à apresentação do livro. 

Seguiu-se o incansável labor de ‘amigos de peito’, apostados em esgotar a edição, sem olhar a custos. Um embuste. 

Embora as amnésias seletivas sejam um dado adquirido em largos setores da sociedade portuguesa, isso não basta para sossegar António Costa, que se esforçou por não falar em nova maioria absoluta, com várias subtilezas, até acabar por empunhá-la como bandeira eleitoral. 

Mas foi ‘sol de pouca dura’. Perante o empate técnico com o PSD nas sondagens, houve uma reviravolta nas hostes socialistas, com Costa a mudar de discurso, e a dar o ‘dito por não do dito’. Agora já está disponível para falar com todos no dia seguinte. 

Entalado entre a memória da maioria de Sócrates e a reedição da ‘geringonça’, Costa não se define, fiel à pior das ambiguidades. 

Mesmo que os eleitores queiram relativizar, por caridade ou masoquismo, as consequências funestas dessa maioria socialista, a verdade é que funcionou como ‘vacina’.

Mas as coisas são o que são, e Sócrates nunca desprezou uma boa oportunidade para subir ao palco mediático.

Fora do PS desde 2018, quando entregou o cartão de militante, zangado com a direção do partido, Sócrates corre em pista própria e, livro após livro, ‘vai levando a água ao seu moinho’. 

No último, prefaciado por Dilma Rousseff, esta saltita entre citações de Kafka e Zola, invocando supostos paralelismos da Operação Marquês com o processo Lava Jato.

Percebe-se porquê. Lula da Silva, o ex-Presidente nomeado e demitido de ministro por Dilma no auge do escândalo, está quase ilibado e perdoado, enquanto a Justiça portuguesa, depois de aliviar bastante o rol das acusações que recaiam sobre Sócrates, ainda não desistiu de julgá-lo. São ‘almas gémeas’ a caminho da redenção …

Em matéria de livros, faltava, porém, o testemunho de Teixeira dos Santos, um ‘socrático’ que se lembrou que era ministro das Finanças, à beira do precipício, e que publicou agora a sua versão do desastre que sujeitou o País a outro doloroso resgate. 

Desde então, Portugal ainda não recuperou da ‘cepa torta’, com um crescimento anémico, apesar dos muitos milhões recebidos da Europa e da mirífica ‘bazuca’ que, estranhamente, deixou de figurar no discurso de Costa, ao contrário da campanha das autárquicas.

Não admira, por isso, que Teixeira dos Santos admita, que, nas atuais condições, e a manterem-se as taxas de crescimento da produtividade, Portugal precise de mais de 290 anos (!!!…) para igualar a média de produtividade da zona euro…

Esta ‘estimulante’ previsão só peca, no entanto, por defeito, porquanto foi anterior à proposta socialista, apadrinhada por Costa, de adotar a semana de quatro dias, enquanto a líder da CGTP já defende que o regime das 35 horas da Função Pública seja extensivo a todos os trabalhadores. Estamos conversados.

A notícia do colapso do país, sob a maioria de Sócrates, nunca chegou, afinal, à sede do PS no Largo do Rato…