Moçambique enfrenta cheias

As alterações climáticas tornaram fenómenos extremos cada vez mais frequentes. Prevê-se que haja mais quatro a seis ciclones na região até ao final da época das chuvas, em março.

O centro e norte de Moçambique, bem como Madagáscar e o Malawi, foram atingidos pela tempestade tropical Ana, que agora ruma ao Zimbabué. Em Moçambique, deixou para trás um rasto de devastação, com casas e infraestruturas destruídas pelas cheias, populações isoladas devido à queda de pontes. E queixas de que as alterações climáticas tornam estes eventos climatéricos extremos cada vez mais recorrentes, afetando países com muito pouca capacidade para os enfrentar.

«Somos um país que não contribuí muito para as alterações climáticas», salientou o primeiro-ministro moçambicano, Carlos Agostinho do Rosário, citado pela BBC. «E ainda assim somos um dos países que mais sofre com os seus impactos». 

Numa altura em que o centro e norte de Moçambique ainda enfrenta forte precipitação, que deverá durar todo o fim de semana, mantém-se o risco de deslizamentos de terras e ainda mais cheias, estando as operações de resgate ainda em curso. Estima-se que a intempérie tenha afetado quase um milhão de pessoas, sobretudo nas províncias de Nampula, Zambézia e Tete. Tão cedo estas populações não terão descanso, estando previstos entre quatro a seis ciclones na região até março, quando acaba a época das chuvas. 

Esta quinta-feira, as autoridades moçambicanas já tinham registado pelo menos dez mil casas danificadas, sendo duas mil delas destruídas, afetando ainda hospitais, escolas, redes elétricas e de comunicações, segundo a France Press. Pelo menos 18 pessoas morreram e quase uma centena ficaram feridas – em Moçambique, neste tipo de catástrofes, o número oficial de mortos é sempre dado por baixo, muitas vítimas nunca serão encontradas.

Foi da cidade de Tete, capital da província homónima, que chegaram algumas das imagens mais dramáticas da tempestade tropical Ana. Até os veículos da caravana do Governador de Tete, Domingo Viola, foram arrastados pela força do rio Revuboè, esta quarta-feira, sendo apanhados de surpresa quando inspecionavam os estragos causados pela tempestade. Entre os mortos estava o próprio administrador do distrito de Tete, José Maria Mandere, cujo cadáver seria encontrado de madrugada, na baixa do povoado de Benga, avançou o jornal O País. 

Tão cedo não deixaremos de ver tragédias desta escala em Moçambique. Enquanto o planeta aquece, faltam os recursos – e talvez também a vontade política – para deslocar as populações de zonas baixas, mais férteis devido aos sedimentos trazidos pelos rios, mas com grande risco de cheias, frisou João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural, ao i.

«Quase todos os anos assistimos à mesma coisa. Há cheias, as pessoas saem dali, age-se de forma reativa, planeiam-se novos assentamentos em zonas mais altas. Mas as pessoas não querem viver lá, pela falta de acesso a água e bons terrenos», explicou Feijó.

«Estas cheias são cíclicas, mas não há todos os anos, ainda que a frequência tenha aumentado. E a memória é curta», continuou o investigador. «Se no ano seguinte não há cheias, as pessoas vão timidamente reocupando as zonas baixas, a população aumenta. E depois vêm estas tragédias».