Quartas eleições em pandemia vividas como um dia “normal”

O movimento foi mais forte durante a manhã, mas eleitores foram chegando ao longo do dia e quando chegou a ‘hora dos confinados’ a afluência já superava em muitos locais 2019. Essa era a ‘surpresa’ nas mesas de voto”.

À porta da Escola Básica Gago Coutinho, na Amadora, Nuno Marques encaminha os últimos eleitores do dia. Passa das 18h30, é a hora recomendada para votarem os confinados, a exceção aberta pelo Governo nas quartas eleições realizadas em Portugal desde que começou a pandemia. Não há filas, por isso também não há distância para manter. E o dia, apesar de mais uma vez ter sido feito de máscaras e álcool-gel, com alguns elementos das mesas de voto com fatos de proteção completos e outros a prescindir da vestimenta a rigor, foi “normal”, diz Nuno, que trabalha em eleições desde 1995. “Vamos ter medo de quê? Nem podemos saber se as pessoas estão confinadas ou não e acho que se calhar muitos dos que estavam isolados vieram votar de manhã, que foi quando tivemos mais gente”, diz.

Se foi de manhã que, por todo o país, se sentiu maior movimento nas mesas de voto, nesta escola da Amadora o que se notou depois foi um movimento contínuo ao longo do dia, sem picos de filas como tende a acontecer habitualmente. 

Numa das secções de voto onde os elementos optaram por não usar o fato completo, apenas as máscaras cirúrgicas, a surpresa foi mesmo a participação, que “superou as expectativas” e o que se tinha registado em 2019. Explicações: a segurança no processo, a mobilização dos eleitores e ter estado um dia com um tempo aprazível, sem chuva. A uma hora do fecho das urnas, já se registava na Amadora uma afluência acima de 60%. A nível nacional, as projeções à hora de fecho das urnas no continente apontaram logo para uma abstenção abaixo do recorde atingido nas Legislativas de 2019 (51,4%), as menos participadas em democracia, e o apuramento de resultados viria a confirmá-lo.

100 toneladas de material sanitário Ao todo foram distribuídas pelas mais de 13 mil secções de voto em todo o país, onde estiveram ao longo do dia a trabalhar cerca de 70 mil pessoas, cerca de 100 toneladas de material sanitário, indicou o Ministério da Administração Interna. Uma imagem que já não se estranha e ficará para a história dos atos eleitorais nestes anos pandémicos.

As primeiras eleições em pandemia em Portugal foram as eleições regionais dos Açores, a 25 de outubro de 2020. Seguiram-se as Presidenciais, a 24 de janeiro de 2021, e as Autárquicas, a 26 de setembro de 2021. 

Neste arranque de 2022, na União Europeia Portugal é o segundo país a ter eleições depois da Finlândia, onde na semana passada confinados também puderam exercer o direito de voto, preferencialmente ao ar livre. Cá essa possibilidade não foi admitida mas do Algarve chegou durante a tarde o relato de uma eleitora que, recusando usar máscara, obrigatória para votar no interior, pôde votar no exterior, entregando o boletim de voto pela janela. 

“Demorei cerca de três minutos a votar” Relatos do processo eleitoral pelo país fora convergiram numa avaliação de boa organização, com locais bem sinalizados e distância a ser cumprida, fosse em escolas ou em pavilhões municipais. “Demorei cerca de três minutos a votar. Não estava fila. O processo foi super-rápido aqui no centro de formação profissional do Carregado” [freguesia do concelho de Alenquer], relatou ao i Gonçalo Morais, jovem de 22 anos que faz questão de participar em todos os atos eleitorais. 

E se os mais velhos podiam ter ficado mais receosos, quem trabalha nas mesas de voto relatou ter visto todas as gerações. “Tive medo de ir votar porque já tenho quase 77 anos, mas tudo correu bem”, disse ao i Ana (nome fictício), residente no concelho de Oeiras há mais de seis décadas. “Tento sair o mínimo possível de casa, mas não poderia ficar em silêncio. Conquistámos o direito e o dever ao voto no 25 de Abril e vou exercê-lo enquanto for capaz”, frisou a idosa, que cumpriu todas as regras de segurança em vigor para se proteger, também com a preocupação de contribuir para a proteção dos restantes eleitores.

Em Santiago do Cacém, o mesmo relato de uma eleitora: “Fui votar perto da hora de almoço, estava tudo calmo, sem tempo de espera para votar nem filas”, descreveu ao i Marta Raimundo, de 25 anos. “Ir votar não demora tempo nenhum nem custa nada e é essencial para a nossa democracia. Mais que um direito, é um dever”, remata esta jovem. 

E se a hora final da votação era dedicada a confinados, entre aqueles com que nos cruzamos na Amadora há quem tenha escolhido este momento por não ter conseguido votar mais cedo ou estivesse por exemplo a regressar de viagem. Sem filas, o tempo que se permanece na secção de voto é diminuto. Nas ruas, havia o trânsito de domingo, que parece sempre menor desde que se instalou a pandemia, sobretudo nestas semanas de números recorde de pessoas confinadas, o que se sente em todos os setores.

Segundo os boletins da Direção-Geral de Saúde, ontem havia mais de 1,2 milhões de portugueses isolados, entre infetados ainda no período de sete dias em que são considerados casos ativos e mais de 600 mil familiares considerados contactos em vigilância. 

Se mais de 10% da população portuguesa vai continuar “em casa” nos próximos dias, as legislativas passaram imunes ao absentismo. *Com Maria Moreira Rato