Quase metade do país já está em seca severa ou extrema

Agricultores estão com as mãos atadas e produção agrícola está a ficar danificada. Se o problema não melhorar, “Governo terá de atuar”. ZERO diz que só se fala da seca quando ela vem.  

O ano de 2021 não foi para brincadeiras no que diz respeito aos termómetros. Foi, mesmo, o quinto ano mais quente, superando – ainda que de forma ligeira – os de 2015 e de 2018, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Mas, se falarmos apenas do verão, foi “o mais quente de sempre”, diz o IPMA. 

Entretanto veio o outono e o inverno, mas as temperaturas continuam surpreendentemente altas e os níveis de precipitação não são animadores. A chegada do mês de fevereiro não parece ser uma luz ao fundo do túnel, pelo contrário. É “muito provável” que a seca se agrave. Num boletim divulgado na quinta-feira passada, o IPMA indica também que a seca que começou em novembro passado “mantém-se e agravou-se à data de 25 de janeiro”: 54% do território está em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema. A conclusão é simples: o país tem falta de água e setor agrícola tem pela frente um caminho difícil por percorrer.

Medidas do Governo Em conferência de imprensa conjunta com a ministra da Agricultura após uma reunião da comissão de acompanhamento da seca, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que o Governo deu ordens para suspender a produção hidroelétrica em quatro barragens da EDP, devido aos efeitos da seca meteorológica que está a afetar todo o país.

Alto Lindoso, Touvedo no Alto Minho, Cabril e Castelo de Bode, no Zêzere, são as barragens em questão, que param de produzir eletricidade a partir da água. Fica também suspenso o abastecimento de água para rega a partir da albufeira da Bravura em Lagos. Apesar de reconhecer que está preocupado com o atual cenário de seca, o ministro do Ambiente considera que se chover o normal neste e no próximo mês ainda será possível reverter o problema.

Agricultores aflitos Rui Garrido, da Associação de Agricultores do Sul (ACOS), explica ao i que os agricultores estão cada vez mais inquietos. A alimentação dos animais, por exemplo, fica inevitavelmente afetada pela ausência de precipitação. “Olha-se para as previsões e nada aponta para que chova. É preciso alimentar o gado todos os dias e não há erva. Não há pastos. E a que havia já foi comida. Houve sementeiras e pastagens que foram semeadas e que nasceram muito mal devido à escassez da chuva. Não há humidade no solo. Temos de alimentar o gado à mão”, explica.

A juntar ao problema da falta de chuva, o presidente da ACOS confessa que há uma conjugação de complicações quando se junta à conversa “o aumento extraordinário” do preço dos fatores de produção. E confessa: “Os agricultores estão aflitos e não sabem o que haverão de fazer”.

Mais: Rui Garrido alerta para a falta de reservas hídricas. Neste momento ainda há água para o gado beber, mas “já começa a ser preocupante” para a primavera e verão, tanto para a alimentação do gado como para o regadio. A Barragem de Alqueva “ainda tem muita água”, mas há muitos regantes que não são diretos de lá. “Há outros regadios e outras barragens, sim, mas que estão com níveis de água muito baixo dos 40%”. A chegar perto do desespero, o presidente da ACOS salienta que caso a situação não mude, “o governo terá de atuar”.

Mais armazenamento Francisco Palma, da Associação dos Agricultores do Baixo Alentejo (AABA), afirma que em Beja o problema da seca não é novo. “Já houve vários períodos de seca. Mas cada vez são mais recorrentes”. Se não há chuva, é mau. Mas quando vem, afirma, vem toda de uma vez, e a terra “não tem capacidade de absorção”. Mas para que haja uma boa gestão de água, é necessário começar por “criar mais armazenagem”. Portugal consegue, segundo diz, armazenar apenas 20% da água que vem da chuva. Os outros 80% vão para o mar. “A barragem do Alqueva está a 79%.

A barragem do Alto Lindoso tem cerca de 15 e 20% de água”. A diferença é considerável porque o primeiro exemplo é uma barragem de grande dimensão com cerca de “quatro mil milhões de metros cúbicos” e, quando vêm os (curtos) períodos de muita chuva, é possível armazenar, para depois ser utilizada para a rega dos agricultores. E é para mais armazenamento que tem de se olhar, considera. “Com mais água armazenada, os agricultores têm a garantia de que as atividades – sejam industriais ou agrícolas – podem continuar”.

Aprender a viver com a seca Tendo em conta que a seca “é um desastre natural como os fogos, as pandemias ou um tornado”, a sociedade tem de começar a adaptar-se àquilo que a afeta com alguma regularidade, diz o presidente da AABA. E saber viver com a seca é “fundamental” para que os agricultores possam ter “uma consciência a nível nacional” de que armazenar água e preservar os recursos “é importantíssimo”. Há que prevenir em vez de remediar. “Não se pode combater a seca só quando aparece. Nunca se sabe quando vem, ou quantos dias irá durar. O que é necessário é estar pronto para lhe fazer frente”, diz. 

ZERO já tinha alertado Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista ZERO, diz ao i que ao analisar o mês de dezembro dos últimos 20 anos, confirma-se que “só há 3 ou 4 anos em que a precipitação foi maior do que a média que havia entre 1970 e 2000”. Por outras palavras, a precipitação não só começou a diminuir mais do que o habitual como está “trocada”: chove quando não devia chover – o que “baralha” a produção agrícola e a gestão de recursos hídricos. A ZERO fala de outro problema que considera ainda mais dramático: “Só se fala de seca quando ela vem”. Basta ter um ano de maior precipitação para o problema voltar para a gaveta. O plano nacional para o uso eficiente da água – que procura reduzir o desperdício – “tem que ser renovado e as medidas têm de ir para o terreno, porque as do plano anterior não foram acompanhadas”.

Barragens não resolvem problema É melhorando a eficiência da gestão da água e fazendo um uso do território compatível com a disponibilidade de água que há que o problema poderá ser combatido, defende a ZERO. Há que pensar em ultrapassar as questões do sequeiro, “que não são viáveis”, e não esquecer as “restrições climáticas” que impedem o investimento em produções agrícolas que “que exijam muita água”. No fundo, e de forma sucinta, o primeiro foco tem de ser reduzir o desperdício de água e, depois, olhar para um investimento que possa “encaixar” com os períodos de seca mais extensos e violentos.