Viva o Porto

Um café é um “cimbalino”, a paragem de táxis é a “postura”, a sarjeta é um “bueiro”, as botinhas de bebé são “carapins”, as crianças são a “canalha”, etc… E o pior palavrão que lá existe é “azeiteiro”. 

Por Alice Vieira e Nélson Mateus

Querida avó, 

Vim passar uns dias ao Porto. Gosto de vir à cidade invicta umas quantas vezes ao longo do ano. É sem dúvida uma cidade onde vivia. Gosto da cidade e das pessoas! 

Assim que chego à estação de São Bento vou até aos Aliados. Olho a Torres dos Clérigos com o seu campanário de 75 metros de altura. Desço à Ribeira e contemplo a Ponte D. Luís, com os seus vãos metálicos, que se estendem sobre o Rio Douro, e que unem o Porto a Vila Nova de Gaia. Depois sento-me para comer uma francesinha.

Só depois de cumprir este itinerário é que me sinto verdadeiramente no Porto.

Gosto muito de ir a Serralves, já não ia lá há alguns anos. Muitas vezes venho ao Porto, em trabalho, e não tenho tempo para usufruir de tudo com calma. Adoro percorrer o Parque de Serralves. Andava há imenso tempo para conhecer o “Tree Top Walk”, o percurso que foi criado, num nível elevado face ao solo, junto à copa das árvores, que permite uma experiência impactante de observação e estudo da Biodiversidade do Parque de Serralves.

Como não podia deixar de ser, fui visitar a Casa de Serralves, que agora acolhe os tão falados Miró. Gosto imenso do edifício (sabes que adoro Art Déco), fico horas a imaginar as famílias que viviam nestes espaços (neste caso a família de Carlos Alberto Cabral, 2º Conde de Vizela). Como seria viver em casas como esta? As festas de aparato que existiam, o dia-a-dia, será que existiam crianças a correr, muito bem vestidas, pelos campos? Como seria a vida da criadagem?…  

Enfim, devo ter herdado isto de ti. Tu escreves histórias, eu imagino-as. 

Já tinha visto a coleção Miró quando esta esteve no Palácio da Ajuda, em Lisboa. 

Gosto de a ver aqui. No entanto, num magnífico edifício como este, gostaria muito mais de ver uma grande coleção de Arte Déco.

Tanto passeio já me abriu o apetite.
O melhor é ir castigar outra francesinha. 
Bjs
 

Querido neto,

Também gosto muito do Porto – mas para lá estar no máximo uma semana. Falta-me a luz de Lisboa, que o Tejo nos dá.

Mas claro que tem outras belezas, e acho que falaste em muitas.

E a língua é outra. Um café é um “cimbalino”, a paragem de táxis é a “postura”, a sarjeta é um “bueiro”, as botinhas de bebé são “carapins”, as crianças são a “canalha”, etc… E o pior palavrão que lá existe é “azeiteiro”. Por isso quando lá fores outra vez, estuda primeiro a língua, para não fazeres a figuras que eu fiz há muito tempo: queria apanhar um táxi e mandei parar um que me gritou «vá para a postura!», e eu gritei de volta «vá você!», pensando que ele me tinha insultado.

Mas, como noutros sítios, tenho histórias divertidas que me aconteceram no Porto, desde a senhora que se me atravessa na frente e pergunta «é você que escreve para a canalhada deste país?» e segue em frente; até ao rapaz inglês, diante de uma montra da Rua de Sto. António, com um ar tão infeliz, mas tão infeliz, que lhe perguntei se ele precisava de alguma coisa.

«Não, obrigada, não preciso de nada…É só que faço anos hoje e vou almoçar sozinho, porque não conheço cá ninguém!».

«Não seja por isso, a partir de agora conhece-me a mim, e vamos lá almoçar!».

Levei-o ao restaurante ‘Abadia’, que é um dos restaurantes de que gosto mais no Porto, ele adorou, insistiu em pagar mas eu não deixei, dizendo-lhe que era a minha prenda de anos – e ficámos amigos até hoje.

E, para rematar, só mais uma história que não se relaciona com o Porto, mas com uma canção do Rui Veloso, que toda gente sabe que é do Porto.

A minha tia Conceição era muito, mas mesmo muito velha e estava a morrer. A família reunida no quarto, falava com ela, “então, mãe, está bem?”, ela só abanava a cabeça e não dizia nada, “então, mãe, quer alguma coisa?”, e ela abanava a cabeça e não dizia nada, até que de repente exclamou “parece que o mundo inteiro se uniu para me tramar” – e morreu.

Fica bem.