O Golpista do Tinder. Os crimes “quase perfeitos” de Simon Leviev

Ele fez-se passar pelo “príncipe dos diamantes”, seduzindo mulheres online e burlando-as em milhões de dólares. Agora, o novo documentário da Netflix – O Golpista do Tinder – que estreou ontem, dá a conhecer a história de três das centenas de vítimas que se afundaram em dívidas graças ao “multimilionário” que conheceram no Tinder.

Imaginemos o seguinte cenário: encontramo-nos com o telemóvel na mão naquela que é uma das aplicações de encontros mais conhecidas em todo o mundo – o Tinder. Os objetivos podem ser vários, ou procuramos uma relação séria, ou queremos alguém com quem conversar, ou simplesmente desejamos uma noite de sexo sem compromisso. São centenas de rostos que convidam ao deslizar de dedo (para a direita o “casal” dá match, o que significa que estão os dois interessados; para a esquerda o inverso). Mas e se, entre eles, se encontrasse um enorme vigarista disfarçado de multimilionário? E se, graças a ele, perdêssemos todas as poupanças e nos afogássemos em dívidas?

“Acho que qualquer pessoa gostava de conhecer alguém num bar, ou numa mercearia. Mas hoje, a melhor maneira de fazê-lo, é numa aplicação de encontros”. É assim que começa o novo documentário da Netflix, Tinder Swindler, em português O Golpista do Tinder, que conta como Shimon Yehuda Hayut, mais conhecido por Simon Leviev, enganou centenas de mulheres, roubando-lhes dinheiro, depois de ganhar a sua confiança enquanto namorado ou amigo.

O “sonho” de Cecilie Viajemos até Londres, 2018. Cecilie Fjellhøy, com 29 anos na altura, ainda sonhava com o príncipe encantado da Disney, esperando encontrá-lo precisamente na aplicação de encontros. Foi então que se deparou com um israelita bem-parecido, com fotografias de viagens maravilhosas, festas de luxo, carros caros e jantares de muitos zeros. Apresentava-se como Simon Leviev e dizia ser o herdeiro multimilionário da fortuna de diamantes do magnata israelita Lev Leviev e CEO da LLD Diamonds. Num segundo, os dois deram match e não foi preciso esperar até que Simon enviasse mensagem. O casal conheceu-se presencialmente no dia seguinte num hotel de luxo em Londres e Cecilie foi surpreendida por um “precoce” convite para voar até à Bulgária juntamente com o “príncipe dos diamantes”. “Achei que seria estúpida se dissesse não”, afirma a jovem que admite que Simon “possuía um magnetismo qualquer”. Mal sabia a rapariga norueguesa, atualmente com 32 anos, o “preço” desse “sim”. Seguiram-se então as mensagens durante todo o dia, a partilha de fotografias e vídeos no whatsapp, a troca de áudios… O jovem multimilionário nunca ficava muito tempo parado no mesmo sítio, já que dedicava grande parte da sua vida “aos negócios”. Contudo, Cecilie acompanhava-o muitas vezes, recebia grandes ramos de flores e chegou mesmo a ser convidada para morar com ele. “Escolhe a casa. O preço pode ir até aos 15 mil dólares”, disse-lhe Simon. A relação parecia ir de vento em popa, até que um mês depois de estarem juntos, o “jogo” começou. O suposto “herdeiro do trono de Leviev”, alertou a companheira de que corria risco de vida e que estava a ser alvo de uma grande perseguição, chegando mesmo a enviar fotografias do seu segurança, Peter, ensanguentado e ferido. Segundo ele, todos os seus cartões haviam sido bloqueados e a única solução seria Cecilie ajudar como podia. Primeiro, pediu-lhe o cartão de crédito durante duas semanas, depois incentivou-a a pedir empréstimos à American Express. Ao todo, a jovem norueguesa “afogou-se” em nove credores, chegando a acumular 250 mil dólares em empréstimos. Quando começou a ficar assustada com a pressão dos credores, Simon acalmou-a com um cheque de 500 mil dólares (que não era válido). Cecilie pediu então ajuda e, assim que mostrou a fotografia do “multimilionário” à American Express, percebeu que a pessoa com quem tinha estado a namorar não era quem ela pensava. Aliás, não “existia”.

O “ciclo vicioso” Enquanto a jovem norueguesa pedia empréstimos, Simon pagava os seus luxos com esse dinheiro. Nessa altura, tanto Pernilla Sjoholm, da Suécia, como Ayleen Charlotte, de Amesterdão já tinham entrado na vida de Simon. Ou seja, a estratégia era feita em cadeia e o israelita vivia do dinheiro que extorquia a cada uma delas, que se julgava “especial” para ele.

Durante a primeira metade do documentário de quase duas horas realizado por Felicity Morris, Fjellhøy e Sjoholm contam as suas histórias na primeira pessoa. A segunda acabou por tornar-se apenas uma grande amiga do israelita, tendo viajado bastante com ele. A dada altura, a história repetiu-se… O perigo, os inimigos, as contas canceladas e a necessidade de pedir dinheiro. Pernilla começou por lhe emprestar 30 mil dólares, mas os pedidos continuavam a chegar. Depois disso, mais uma vez, como a todas as outras, Simon deu-lhe um cheque – 100 mil dólares –, mas, claro, não tinha cobertura.

Nessa altura, já Cecilie procurava mais informações sobre a pessoa com quem estava a lidar, até que encontrou um artigo finlandês sobre um “multimilionário israelita que engana mulheres” – Shimon Yehuda Hayut. Com o objetivo de perceber se Simon e Shimon seriam a mesma pessoa, a jovem norueguesa contactou o VG, o maior jornal da Noruega e a partir daí, com a ajuda de uma equipa de jornalistas, começou uma investigação – onde as mulheres acabaram por conseguir chegar umas às outras e lutar para que o rosto do “vigarista” pelo menos ficasse conhecido em todo o mundo, de forma a que este não enganasse mais ninguém. Foi através de Cecilie, Pernilla e ainda Ayleen Charlotte que o paradeiro de Simon foi descoberto. Depois da publicação polémica do jornal norueguês que detalhou todos os pormenores da investigação em 2019, o israelita acabou por ficar sem armas para lutar. Passou de “príncipe dos diamantes” a “rei dos sem-teto”, tal como afirmou numa conversa por whatsapp com Charlotte, que, nessa altura, era a sua última esperança. Ao todo, Simon roubou mais de 10 milhões de dólares. Desde os 17 anos que enganava pessoas e era procurado pela polícia israelita.

Um crime “sem culpado”? Pouco tempo depois da investigação da imprensa, Simon foi preso pela Interpol, na Grécia, e condenado a 15 meses de prisão pelos crimes cometidos em Israel. Saiu cinco meses depois por “bom comportamento” e, neste momento, parece não ter quaisquer problemas monetários. Criou um site onde vende conselhos comerciais a partir de 311 dólares, tem uma companheira e continua a negar todas as histórias contadas pelas “vítimas” que, com o passar do tempo, se têm revelado. Cecilie, Pernilla e Ayleen Charlotte ainda estão a pagar as suas dívidas, e Simon nunca foi acusado por aquilo que lhes fez. Já voltou ao Tinder e, ao que parece, é um homem “feliz”.

“Isto não é apenas mais um caso de catfishing – atividade enganosa onde uma pessoa cria uma identidade falsa numa rede social. “É catfishing a um nível totalmente diferente”, disse Felicity Morris ao The Guardian. “Não há as bandeiras vermelhas que normalmente existem nestas histórias”, acrescentou. Segundo o realizador, somos todos um pouco culpados por partilharmos aquilo que somos e temos nas redes sociais. Contudo, quando conhecemos Simon, tudo “se acumula”. Para Fjellhøy, Pernilla Sjoholm e Ayleen Charlotte, além de outras que não se manifestaram, explica, é quase como se entrassem num filme. “Ele tem um guarda-costas e realmente voa num jato particular”, frisou. Além disso, aponta Morris, Leviev “não estava a ser uma espécie de personagem de James Bond para estas mulheres”. “Ele mandava flores, lembrava-se do aniversário delas e era muito gentil, mas elas não recebiam grande coisa. Não lhes comprava malas caras ou pagava férias incríveis. Era apenas um namorado muito consistente e amoroso”. Por isso, aquilo a que chama “bandeiras vermelhas normais”, neste tipo de situações – não responder às mensagens de texto ou ter falta de interesse – não se aplicavam a Simon. “Era o homem perfeito para essas mulheres e isso não era material. Foi de uma forma emocional”. Morris lembra ainda o facto de todos nós crescermos com uma “dieta de filmes de comédia romântica”, com a ideia de encontrar o “amor da nossa vida”. “Eu definitivamente acho que ele joga com isso”, acredita.