Quem tem medo do liberalismo?

O ‘papão’ da direita liberal, agitado por Costa na última semana da campanha, foi determinante para a conquista da maioria absoluta

Respondendo diretamente à pergunta em título: o povo português. Que deu corda aos sapatos e vá de ir votar em massa antes que se fizesse tarde.

Qual medo da covid-19, qual quê?

Medo, sim, é de perder a pensão, o subsídio de desemprego ou outra prestação assistencial qualquer, o Serviço Nacional de Saúde gratuito, a escola e os livros escolares e computadores à borla, a segurança do lugar e do vencimentozinho na Função Pública, o Estado-providência e redistribuidor da riqueza que é incapaz de gerar. O resto que se dane.

Foi por isso que António Costa foi o grande vencedor das eleições legislativas de 2022 e conquistou a segunda maioria absoluta da história do PS no domingo passado.

Nessa noite eleitoral, João Cotrim Figueiredo, outro dos vencedores com o seu Iniciativa Liberal a passar a quarta força política nacional, logo atrás do também em grande crescendo Chega, proclamou de viva voz que «Portugal é hoje mais liberal».

O que Cotrim Figueiredo e muita gente parece não ter querido perceber é que foi precisamente a ameaça de um Estado e de uma economia mais liberais que levaram o povo a votar e a concentrar o voto no PS de António Costa e a dar-lhe a maioria absoluta.

Ora vejamos:

No domingo anterior foi dia de voto antecipado e houve uma empresa de sondagens que realizou um estudo à boca das urnas. Tal estudo, até hoje, não foi divulgado.

O que é certo é que essa sondagem com toda a certeza não antecipava uma maioria absoluta do PS. 

Como é possível dizê-lo com tanta certeza? É que a empresa que o realizou foi precisamente a mesma que, na antevéspera das eleições dizia em meios de comunicação nacionais que PS e PSD estavam tecnicamente empatados.

Ora, como noticiou nesse mesmo dia o Nascer do SOL, o PS tinha em seu poder indicadores que o colocavam com «alguns pontos de vantagem» sobre o PSD.

E de quem eram esses indicadores ou estudos? Precisamente da mesma empresa de sondagens que realizou a consulta à boca das urnas e as sondagens para aquele grupo de comunicação social.

Aliás, a mesma empresa de sondagens que, já depois de fechadas as urnas no domingo das eleições, nem nessa altura foi capaz de avançar com uma clara possibilidade de o PS ganhar com maioria absoluta. Tal como todas as outras, reconheça-se.

É por isso que, sem margem para dúvidas, pode dizer-se que o estudo à boca das urnas realizado no domingo do voto antecipado não apontava com toda a certeza para uma maioria absoluta do PS.

E é curioso verificar que foi a partir desse fim de semana de voto antecipado que – coincidindo com um outro estudo (a tracking poll da empresa que trabalhou com outro canal de televisão) que até colocava o PSD à frente por um ponto – António Costa mudou de estratégia (ou de «semântica», na classificação do seu consultor Luís Paixão Martins).

Deixou de pedir a maioria absoluta e passou apenas e só a falar das propostas mais liberais de Rui Rio, ora colando o líder do PSD ao Iniciativa Liberal ora ao Chega.

Agitar o ‘papão’ da direita, mesclar o programa do PSD e declarações passadas do seu líder para dizer que este era contra o salário mínimo, que defendia o fim do SNS tendencialmente gratuito e a sua privatização, a mesma coisa para a Educação, ameaçava as pensões e os rendimentos da classe média, já que era contra a baixa do IRS para privilegiar o IRC para as empresas… e por aí fora passaram a ser as palavras de ordem repetidas à exaustão por Costa e seguidores.

O resto ficou a cargo de Rui Rio, João Cotrim Figueiredo e André Ventura. 

Rio, que começou por afirmar o PSD de centro-esquerda no início da campanha, acabou colado à direita, com a abertura a um acordo com os liberais e o CDS e com David Justino a juntar-lhe o Chega.

E assim, chegado o domingo da ida às urnas, nem os confinados esperaram pela hora que lhes estava destinada para levantar o rabo do sofá ou da cama e irem à assembleia de voto exercer o seu direito.

Se as sondagens tivessem dado o PS como claro vencedor, ou seja, afastassem o ‘perigo’ da direita no poder, se calhar Costa poderia ter tido a mesma sorte que  Fernando Medina em Lisboa. 

Com o ‘empatão’, foi ver o centrão correr a votar no PS, de forma ordeira e até muito bem organizada.

Uma coisa é votar no Chega ou no Iniciativa Liberal como partidos de protesto. Outra é votar neles como partidos de poder.

Os extremos não são para governar, são para protestar. Veja-se o que aconteceu ao PCP e ao BE a partir do momento em que se aburguesaram na ‘geringonça’.

Os portugueses gostam de cães que ladram mas não mordem. 

Protestar, sim, sempre; mas nada de ruturas nem grandes ondas.

A caravana tem de continuar a passar.

Porque é este o circo em que vivemos. Pelo menos, enquanto for possível. E a Europa bancar. Agora, venha de lá a bazuca!