A multiplicação das rosas

No domingo apareceram mais 297 mil votantes do que em 2019 e os votos brancos e nulos, que tinham ultrapassado os 218 mil, ficaram-se pelos 106 mil. E isso também baralhou as contas.

A noite eleitoral do passado domingo ainda não foi digerida e são muitos os que ainda não perceberam o que apareceu na fatura. Parece óbvio que houve uma grande mudança de sentido de voto e, se fossemos imaginar um restaurante com clientes fixos que pediam sempre o mesmo prato, naquela noite os empregados teriam metido baixa psiquiátrica.
Vamos então aos números, falando nas contas em nome, leia-se partido, individual, com a exceção do PSD. O PS teve mais 380 mil votos, o PSD mais cerca de 78 mil – se juntarmos a coligação esse número sobe para cerca de 150 mil –, o Chega 319 mil e o Iniciativa Liberal perto de 203 mil votos. 

Ora, atendendo a que houve mais cerca de 297 mil votantes em 2022 e que 106 mil eleitores que tinham votado branco e nulo em 2019 optaram por escolher um partido, percebemos que estes ‘novos’ votos totalizam cerca de 403 mil. Agora, para se perceber um pouco melhor a caldeirada de mudança de ‘prato’, diga-se que o BE perdeu mais de 252 mil votos, o PCP perto de 93 mil, o CDS quase 130 mil e o PAN cerca de 85 mil. Tudo somado, para a tal mudança de ‘prato’, entre novos eleitores, menos brancos e nulos e votos que BE, PCP/PEV, CDS e PAN perderam, chega-se a um número perto do milhão. Mais coisa, menos coisa, foi o que os restantes partidos com assento parlamentar conquistaram.

E aqui há outro dado que parece óbvio: o PS ganhou votos à esquerda e encantou novos eleitores, tendo conseguido, em princípio, desviar os votos nulos e brancos para o quadrado do boletim do PS. Já o PSD foi conquistar cruzes aos socialistas, perdendo para o Chega e o Iniciativa Liberal. É só fazer as contas, olhando para os mapas.
Quanto ao Chega, o terceiro partido mais votado, parece ter andado a pescar em quase todas as águas, apesar de ser notório que o fez principalmente no CDS e no PSD, embora também o tenha conseguido à custa do PCP/PEV, nomeadamente no Alentejo. Só em Beja passou de 1480 votos para 6932; em Portalegre a subida foi de 1407 para 12432; e em Évora de 1645 para 5577.

O descalabro do PCP/PEV foi tão notório – embora os partidos que mais votantes perderam tenham sido o BE (252 242) e o CDS  (129 876) – que o já histórico João Oliveira não foi eleito em Évora, deixando o PCP sem representante num dos distritos onde se come melhor. À conta da fuga de eleitores, o PEV abandona o Parlamento, apesar de nunca ter ido a votos em nome individual, o que permitiu ao PCP, durante longos anos, ter mais tempo de antena na AR. Continuando naqueles que mais perderam, o CDS, pela primeira vez na sua história, foi corrido da casa dita do povo, tendo ficado a cerca de 2400 votos de eleger o seu líder em Lisboa.

Mas ,como votos não significam necessariamente deputados, seguindo a máxima de Hondt, o BE ficou sem 14 deputados dos 19 que tinha. E, afinal de contas, só teve menos 28 mil votos do que o Iniciativa Liberal, que conseguiu eleger oito deputados contra os cinco dos bloquistas.

Por fim, o Livre: à semelhança do PAN, também viu o seu líder chegar à AR. Rui Tavares teve mais 13 mil votos do que em 2019, e desta vez poderá cantar a plenos pulmões a Internacional no Parlamento.

Para ver os dados com maior pormenor clique nas imagens.

Uma exceção chamada Madeira 

A votação da Madeira não acompanhou a tendência nacional e o PS e o PSD, coligado com o CDS, perderam votos em relação às últimas legislativas. Os socialistas tinham conseguido convencer 43 373 eleitores e desta vez ficaram-se pelos 40 004 – uma capicua, portanto. Já o PSD tinha concorrido sozinho em 2019, tendo obtido 48 231 votos, enquanto o CDS convencera 7 852 madeirenses. Somados os votos, chegamos aos 56 083. Agora, em 2022 e coligados, só chegaram aos 50 634. Apesar desta diminuição, foi na Madeira que o PSD conseguiu gritar vitória.Mas para onde foram então os votos que estes partidos perderam? Curiosamente, também foi na Madeira que o número de votantes diminuiu: passou de 129 821 para 127 111. Terá sido por medo da covid-19?

Voltando aos votos, a coligação Juntos pelo Povo (JPP) conseguiu 8 721 votos, sendo seguida de muito perto pelo Chega, que passou de 911 votos para 7 727. Também o Iniciativa Liberal teve uma subida em flecha e aos 922 votos de 2019 somou mais 3 319.

Mostrando que a Madeira é mesmo diferente, foi aqui que o PCP teve uma das descidas menos acentuadas: de 2 702 votos manteve 2 581. Perdeu apenas 121 votantes.

Adeus ao ‘Cavaquistão’, olá Leiria

O furacão rosa arrasou o país e apenas a Madeira passou ao lado da ‘fúria’ do Partido Socialista. Já Viseu, em tempos conotada como ‘Cavaquistão’, que amava o antigo primeiro-ministro Cavaco Silva como um adepto adora o seu clube, passou-se novamente para o PS. Só em 2005, aquando da maioria absoluta de José Sócrates, o PSD tinha perdido em Viseu – e por  menos de 500 votos, mas foi uma derrota. Agora, os comandos de António Costa conseguiram levar 76 642 pessoas a votar no partido, quando em 2019 ‘só’ tinham ido 64 833.
Apesar da derrota, o PSD também aumentou a sua votação em relação a 2019. De 64 373 chegou aos 67 888.

Mas há uma terra que nunca tinha tido a cor rosa no seu mapa legislativo: Leiria, um dos últimos bastiões do PSD. 
E aqui António Costa, sim, o mérito além dos candidatos locais tem de ser dado ao primeiro-ministro, conseguiu somar mais de 14 mil votos às últimas legislativas. De 69 482 passou para 84 253.

O cenário foi muito idêntico nos outros distritos, havendo a realçar que o PSD tinha ganho Coimbra nas autárquicas e agora foi ultrapassado pelo PS. Dos 79 590 votos em 2019, os socialistas passaram para 97 310. Era difícil haver uma noite mais cor de rosa do que a de domingo.