FC Porto-Sporting. Quando Pinga infernizou Jóia na tarde fervente do Lima

Vitória por 4-2 dos portistas no primeiro FC Porto-Sporting para o Campeonato Nacional (não confundir com Campeonato de Portugal) em março de 1935.

Domingo, 3 de março de 1935: eis a data do primeiro confronto entre FC Porto e Sporting para o Campeonato Nacional (na altura chamado, como agora, Campeonato da Liga). Por mais que uma onda revisionista tenha tomado conta do futebol português como um vendaval destemperado, haverá sempre alguém que se recuse a confundir Campeonatos de Portugal com Campeonatos Nacionais – vai ser bonito andar a raspar todas as placas inseridas na pobre e tão bonita peça de arte que é a Taça de Portugal, o troféu em si, não as réplicas que são entregues aos clubes, e que mora na sede da FPF.

Portanto vamos a factos e deixemos de lado tergiversações pouco dignas da história do futebol em Portugal. Assistência enorme no Estádio do Lima, um árbitro ido de Santarém de nome Luiz Câmara, duas equipas que lutariam pelo título – o FC Porto seria campeão com dois pontos de avanço sobre o Sporting – e um jogo que foi considerado o melhor e mais emocionante de todos os que compuseram a jornada n.º 7. Jogadores de categoria, de um lado e do outro. Nos portistas, por exemplo, o guarda-redes Soares dos Reis, e avançados terríveis como Pinga, Carlos Mesquita, Carlos Nunes e Lopes Carneiro. Nos lisboetas, o defesa João Jurado, o excelente médio Adolfo Mourão, e um avançado histórico, Manuel Soeiro. Foram mais fortes os do norte, venceram por 4-2, mas sofreram o suficiente para que a vitória tivesse um gostinho muito especial.

Pinga era alcunha. O seu nome era Artur de Sousa e terá sido a primeira grande estrela nacional madeirense do futebol português não desfazendo em nenhum dos heróis do Marítimo que venceram o Campeonato de Portugal em 1926. Nasceu no Funchal, a 30 de julho de 1909, veio para o FC Porto em 1930 e aí ficou até pendurar as chuteiras em 1946. Morreu ainda jovem, com 53 anos, a 12 de julho de 1963. O mês que o viu nascer viu-o partir.

Terrível! A exibição de Pinga nessa tarde de 3 de março foi tremenda. Logo aos 10 minutos, recuperou uma bola conquistada por Carlos Mesquita e ainda de muito longe disparou fortíssimo não dando possibilidades para a defesa de Jóia. Bandeiras azuis e brancas tremeram à doce brisa da tarde.

O FC Porto dominava a situação, ganhava a maioria dos lances individuais e criava mais oportunidades de golo. Foi, por isso, sem surpresa que chegou ao 2-0, com um golo de Lopes Carneiro logo no minuto seguinte. Golpe duro para os leões. Adolfo Mourão tomou as rédeas da equipa, acalmou os camaradas mais entontecidos pela dureza dos ataques contrários, permitiu que a equipa se estabilizasse e desse uma resposta convincente.

Avelino, magoado, tem de sair do campo por uns minutos, e o Sporting aproveitou a superioridade numérica. Soeiro, o grande Soeiro, não quer ficar atrás de Pinga e, aos 31 minutos, reduz a diferença. O jogo ferve. Os leões rugem. Soeiro está imparável. Passa por dois adversários e chuta com uma raiva incontida. A bola bate com estrondo na trave e cai aos pés de Vasco Nunes que sela o empate. Uma alegria verde enche as bancadas do Lima.

A resposta não se faz esperar. Pinga, outra vez, carregando a equipa às costas, entra na área contrária em dribles sucessivos e chuta rasteiro: 3-2. É este o resultado com que se chega ao intervalo.

O segundo tempo foi equilibrado. Ataque e contra-ataque. De um lado e do outro, desperdiçam-se boas hipóteses. Será Pinga, ainda mais uma vez, a dar o golpe final num Sporting que revelava cansaço. Falha a defesa, Jóia sai da sua grande-área, e o funchalense pica-lhe a bola por cima com categoria. Um brado espalhou-se pela tarde. A vitória não fugiria ao futuro campeão.