Uma oportunidade sem álibis

O ‘palácio cor de rosa’ tornou-se o epicentro simbólico da paz institucional. Para não ser uma ‘paz podre’ ou, simplesmente, decorativa, Marcelo terá de mudar de atitude

Com esta segunda maioria absoluta, António Costa tem a oportunidade histórica de governar sem amarras, nem exercícios de equilibrismo à sua esquerda, libertando-se de matrizes ideológicas estranhas à génese e à tradição do PS, fundado por Mário Soares. 

Se o fizer, calando receios legítimos de quem teme pela ‘mexicanização’ do regime, Costa não só poderá inverter o ciclo de declínio do país, quando comparado com os seus parceiros europeus, como poderá, ainda, evitar que se repitam os vícios e o clientelismo que vicejaram com Sócrates, que conhece bem.

Os ziguezagues do PS em campanha, só são explicáveis por essa má memória de um período, politicamente desastroso, que forçou depois os portugueses a sacrifícios austeros, sob a tutoria da troika. 

Oxalá o primeiro-ministro indigitado saiba agora rodear-se de gente competente, em vez de conceder bónus a amigos ou a ‘socráticos’ com outras obediências.

As condições envolventes não poderiam ser mais propícias a reformas de fundo, eternamente adiadas, mesmo com a pandemia longe do fim. 

Costa goza, ainda, de um ambiente favorável em Bruxelas, o que é meio caminho andado para agilizar a ‘bazuca’, colocando à disposição de Portugal um conjunto de fundos irrepetível.

Entretanto, a oposição, tanto à esquerda como à direita, vai precisar de muito tempo para se recompor e o mais provável é esgotar a legislatura sem o conseguir. 

Outra vantagem de Costa é ter em Belém um ‘Presidente amigo’, que o tem acompanhado e ao Governo com uma cumplicidade ímpar, sem paralelo entre os seus antecessores. Mário Soares, por exemplo, inventou as ‘presidências abertas’ que fizeram a ‘vida negra’ à maioria de Cavaco Silva. 

Por enquanto, aparecem uns títulos ‘plantados’ no Expresso, garantindo que Belém «prepara vigilância ativa», e logo a seguir recebem-se os campeões europeus de Futsal, para lembrar a ‘bazuca’ não se sabe a que propósito. 

O ‘palácio cor de rosa’ tornou-se o epicentro simbólico da paz institucional. Para não ser uma ‘paz podre’ ou, simplesmente, decorativa, Marcelo terá de mudar de atitude.

Com a vida facilitada, o primeiro ministro só por absurdo não se revelará um governante diferente do ‘ilusionista’, do ‘otimista irritante’ ou do ‘habilidoso’, que comummente se lhe colam à pele.

Reconheça-se, contudo, que a missão não está isenta de espinhos, desde logo no interior do PS, onde cresceu uma ala radical de esquerda, que, embora desmoralizada, não se dará por vencida. E onde pululam, também, os devotos de Sócrates, entre os quais há quem aspire a ser a segunda figura do Estado, um teste à bancada socialista. 

Entretanto, à direita, o CDS, luta pela sobrevivência, após o rombo sofrido com a falta de representação parlamentar, não se antevendo quem possa evitar o naufrágio iminente, que Paulo Portas assinala «com tristeza».

Já no PSD persiste a casa desarrumada à espera do novo líder. Rui Rio quer prolongar a sua ‘inutilidade’ até ao verão, a pretexto de ‘passar a pasta’ sem sobressaltos, o que é um convite a meses de inação e de reboliço permanente. 

Adicionalmente, Rio teima em opor-se ao recomeço dos debates quinzenais, com a presença do primeiro-ministro. Uma asneira redonda ou um derradeiro favor que quer prestar a António Costa, cujo escrutínio assíduo mais se impõe com maioria absoluta.

À esquerda, o Bloco, o PCP, e o PAN estão em ‘maus lençóis’, enquanto o Livre parece feliz por continuar a ser uma espécie de firma unipessoal de Rui Tavares, que se revelou expedito a contratar oito assessores para o seu gabinete no município… apesar de nem sequer ter pelouro atribuído. Um luxo… 

Por seu lado, a bloquista Catarina Martins resolveu não seguir o exemplo do ideólogo Francisco Louçã, que, em 2011, abandonou a liderança, perante o revés do partido. 

Apesar do trambolhão, Catarina simula estar de ‘pedra e cal’, mas sabe que tem os dias contados, tal como Inês Sousa Real, acossada no PAN pelo «oportunismo» de André Silva, que vai deixar marcas. 

No PCP, o ambiente não será menos espesso. Com o partido reduzido a metade dos deputados – e os ‘verdes’ do PEV fora de cena –, Jerónimo de Sousa precisa de sucessor, até pelas suas condições de saúde. 

A escolha tornou-se, no entanto, mais problemática, com os principais ‘herdeiros’ fora do parlamento. Pior: o ex-líder parlamentar comunista, João Oliveira, um dos possíveis candidatos ao testemunho, já confessou não ter «características» nem jeito para o lugar. 

As legislativas acantonaram a extrema esquerda, onde a bulha dos ‘ajustes de contas’ está instalada. O PCP centenário e o Bloco dos intelectuais urbanos, caminham para a irrelevância. São as principais vítimas da ‘geringonça’ montada por António Costa, quando ‘subiu ao muro’, em 2015, e a quem saiu agora a ‘taluda’… Se falhar não tem álibis.