Bruxelas está otimista mas ainda há desafios

Bruxelas reviu em alta o crescimento da economia portuguesa e o Governo prometeu não desiludir. Mas ainda há riscos e o país podia crescer mais.

A Comissão Europeia voltou a pronunciar-se sobre as suas perspetivas para o crescimento da Europa e, para Portugal, chegaram boas notícias. Bruxelas foi otimista, reviu as previsões em alta e considera que o país terá crescido 4,9% no ano passado. Para este ano, as perspetivas é que a economia cresça 5,5% e, para 2023 a previsão de crescimento é de 2,6%.

Sinais positivos mas que mostram que estamos finalmente a superar a pandemia? «Apesar do otimismo de Bruxelas, Portugal enfrenta desafios importantes, como o impacto negativo do ressurgimento da pandemia no turismo, a perda do poder de compra das famílias face à inflação crescente e o elevado endividamento num contexto de subida das taxas de juro, já visível no mercado de dívida pública», explica ao Nascer do SOL Steven Santos, gestor do Banco BiG.

O responsável lembra que Portugal foi um dos países mais afetados pela pandemia principalmente «devido à elevada dependência do turismo, pelo que se compreende o otimismo no ressalto esperado». Mas alerta para o facto de os riscos da pandemia estarem a ser «substituídos pelos riscos igualmente preocupantes da inflação e subida das taxas de juro».

Já Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe recorda que os números mais recentes de PIB indicam que a economia portuguesa cresceu 4,9% em 2021, «um número que é o mais alto desde 1990 e está acima da média Europeia». Isto significa, diz, que «neste momento a economia já só é 1.5% mais pequena do que antes da pandemia». Por isso, não tem dúvidas: «É um sinal de que estamos no bom caminho».

A Comissão Europeia indicou também que a taxa de inflação de Portugal vai situar-se nos 2,3% este ano e nos 1,3% no próximo. Os números não são baixos mas estão abaixo da média europeia.

Mas há alertas: «A inflação poderá ser superior à projetada, por efeito da importação da maior inflação existente nos nossos maiores parceiros comerciais – Espanha e Alemanha – e do aumento dos custos energéticos à escala global», diz Steven Santos.

Por seu turno, Ricardo Evangelista defende que «os números apresentados para Portugal, terão pouca uma importância relativamente baixa dentro do contexto da zona euro», diz acrescentando que «a inflação é um problema global e neste momento a expectativa da maioria dos analistas aponta cenários em que o BCE se verá forçado a adotar políticas monetárias mais agressivas para conter a subida dos preços; este cenário poderá vir a penalizar Portugal através do aumento dos juros das obrigações».

‘Recuperação plena nos próximos anos’

Quem se mostrou satisfeito com as previsões de Bruxelas foi o Governo e o ministro das Finanças ao garantir que os «portugueses podem confiar numa recuperação plena nos próximos anos». João Leão disse também que apesar de a pandemia não estar ultrapassada, estes números reforçam «a credibilidade que Portugal alcançou junto das instituições internacionais».

Para o gestor do Banco BiG é claro que «a recuperação plena dependerá muito das decisões tomadas pelo próximo Governo, sobretudo no desagravamento fiscal das empresas e famílias e na criação de um quadro estável e simples que permita a atração e retenção de investimento estrangeiro, e da execução produtiva do PRR». E defende que as condições macroeconómicas atuais não são as mesmas de há uns anos muito devido ao «turismo inibido pela pandemia, o BCE a retirar estímulos e a inflação a pressionar o aumento dos juros, tudo isto no contexto de um endividamento muito acima da média da Zona Euro e da União Europeia».

Perspetivas que também são positivas para Ricardo Evangelista que assume, no entanto, que existem fatores que transcendem a realidade portuguesa «e poderão vir a desempenhar um papel chave no desenrolar dos acontecimentos», como é o caso de uma possível subida dos juros da dívida, devido a mudança de postura do BCE, que, a acontecer, «poderão ter um impacto negativo, tornando mais caro o financiamento através da venda de dívida soberana – muito vai depender do contexto internacional e do que se passar dentro da Zona euro, sobretudo ao nível da definição de politicas pelo BCE».

Mas, a concretizarem-se estas previsões, poderá Portugal sair da cauda da Europa? Steven Santos lembra que a nossa recuperação ainda está abaixo da média europeia, «penalizada pela demora nas grandes potências, mas a comparação mais justa seria com os países pequenos, muitos dos quais estão já acima dos níveis pré-pandémicos (Letónia, Polónia, Hungria)». Para o responsável Portugal está ainda muito dependente do turismo «e a crescer a ritmos inferiores aos de países comparáveis do Leste europeu, pelo que as previsões não serão suficientes para Portugal sair da cauda da UE».

Centeno otimista

Ainda esta semana o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, projetou um défice para 2021 inferior ao que estava previsto pelo Governo. O responsável diz que o défice pode ter ficado abaixo dos 3%. Steven Santos diz que «o caminho é positivo» mas é importante saber «se a gestão orçamental está a ser materializada à custa de cativações, nomeadamente em serviços públicos essenciais como o SNS e as infraestruturas».

Por fim, o diretor executivo da ActivTrades diz não ter dúvidas que «o rigor» das contas públicas portuguesas «tem surpreendido muitos observadores internacionais» e «permite olhar para o futuro com algum otimismo».