“Cabe ao Estado e às autarquias arranjarem soluções de habitação”

O presidente da APEMIP reconhece que há cidades, como Lisboa e Porto, que se tornaram pouco acessíveis para muitos famílias, tanto para compra, como para arrendamento. 

“Cabe ao Estado e às autarquias arranjarem soluções de habitação”

Paulo Caiado reconhece que há cada vez mais portugueses a saírem dos grandes centros urbanos e que a pandemia veio trazer novas necessidades e lembra que, às vezes, bastar andar 15 quilómetros de Lisboa para encontrar imóveis a preços acessíveis. Mas para quem prefere ficar no centro urbano não tem dúvidas: ‘É preciso ter coragem política’ para avançar com medidas de habitação, lembrando que tanto as câmaras, como o Estado ‘são proprietários de espaços, de terrenos e de edifícios’ e, por isso, ‘têm a possibilidade de encontrar modelos de negócios com construtores e promotores’. Mas deixa um alerta: ‘É necessário que tenha alguma dimensão, se não estaríamos a privilegiar só uns quantos’.

O presidente da APEMIP afasta possíveis descidas de preços e admite que está preocupado com a provável subida das taxas de juro, lembrando que há ‘famílias que fizeram aquisições excessivamente alavancadas em crédito hipotecário com taxas de esforço muito desequilibradas face aos seus rendimentos’. E para essas pode ser uma dor de cabeça.

Ainda assim, o responsável garante que é com o recurso ao crédito que a grande generalidade das famílias obtém maior liquidez, reconhecendo, no entanto, que a ‘principal alavanca do mercado são pessoas que vendem casas para comprar outras’. E vai mais longe: ‘A ideia de que os juros estão muito baixos e as pessoas tiram dinheiro do banco para comprar casas não é realista. Quem é que tem 300 ou 400 mil euros no banco e vai comprar uma casa?’, questiona. 

Não se mostra preocupado com o fim das moratórias e acredita que, ao contrário do que aconteceu na troika, os bancos não vão ‘inundar’ o mercado com casas que não foram pagas, já que as instituições financeiras não têm interesse nisso e aprenderam a lição com o passado.

Em relação ao mercado de luxo admite que não foi afetado pela pandemia, mas chama a atenção para o facto de ser um nicho de mercado. ‘A esmagadora maioria dos cidadãos portugueses não compra imóveis de meio milhão de euros’.

Assumiu a presidência da APEMIP já em tempos de pandemia. Como encontrou o mercado imobiliário? Resiliência é uma palavra muito usada para o setor…
Confesso que estou um pouco enjoado da palavra resiliência e até acho que é muito mal utilizada. As pessoas e as empresas não são resilientes, os elásticos e as molas sim. O mercado mostrou ser muito resistente. Quando entrámos em pandemia houve grandes expectativas de que a procura iria descer e esse decréscimo poderia ter impacto nos preços e que os bancos provavelmente não iriam estar tão disponíveis para financiar. O que viemos a constatar é que o mercado demonstrou uma grande atividade e o número de transações imobiliárias que ocorrerem em 2021 foi fantástico. Foram transacionados cerca de 191 mil imóveis no segmento residencial, um crescimento significativo face a 2020, em que rondou os 176 ou 178 mil. Isso fez com que os imóveis não só não tivessem visto o seu valor reduzido como, num ou outro local, assistimos a uma contínua valorização.

É boa altura para comprar casa ou é expectável que os preços desçam? 
Quando alguém compra um imóvel está a comprar um bocadinho do planeta. A maioria das pessoas não raciocina nesses termos mas essa é a realidade. Até mesmo quando se trata de um apartamento, porque está edificado num bocadinho de terra. O que constatamos? Quando um ser humano se torna dono de um bocadinho do planeta, isso tem um valor absolutamente fantástico. Pode parecer que estou a filosofar, mas não estou. Assisto há 30 anos a casos de pessoas a dizer que os preços estão a subir. Mas se pararmos e respirarmos fundo, pensamos ‘os preços desceram quando nos últimos 60 anos?’.

Desceram durante o período da troika.. 
Desceram duas vezes: em abril de 74 e na altura da troika. Mas, quer num caso, quer no outro, 18 meses depois estavam a recuperar. Este é o histórico que temos.

No caso de grandes cidades, como Lisboa, haveria a expectativa dessa redução com a quebra do turismo e dos investidores estrangeiros…
Os investidores estrangeiros ou aqueles que vinham ao abrigo de programas – como por exemplo, o Golden Visa – procuram imóveis em segmentos de preço que estão muito acima do segmento que a maioria dos portugueses procura. Também ouvi dizer que o Golden Visa estava a criar muita pressão nos portugueses. Acho isto um disparate, porque criam pressão no segmento de preço onde estes imóveis estão: os de valor igual ou superior a meio milhão de euros. A esmagadora maioria dos cidadãos portugueses não compra imóveis de meio milhão de euros. A criar pressão – que admito que exista – é sobre os estratos mais abastados da sociedade portuguesa, não para a generalidade dos cidadãos portugueses. Por outro lado, Lisboa não é Portugal.

Então os preços não podem descer?
Os preços podem descer se houver um problema muito grande. Mas mesmo muito grande. A pandemia não basta. Constatámos que não chega. Tirando isso e olhando tranquilamente para o nosso mercado, o que é previsível? Há um fator que sistematicamente não é falado e que é o maior responsável pelo número de transações imobiliárias que ocorrem no nosso país que é a venda de outras casas. Ou seja, o mercado imobiliário não é um mercado onde as pessoas vão às compras. ‘Agora vou ali à Ericeira comprar uma casa’. Algumas pessoas podem fazer isso mas são muito poucas. Depois temos um segmento dos jovens em início de vida, que se casam, que se juntam e recorrem a um banco – mesmo assim precisam de ter uma parte significativa de capitais próprios, 15% ou 20% – e iniciam um processo de aquisição. Mas isto é residual. A maioria das pessoas que está a comprar uma casa está a fazê-lo porque vendeu outra. Quando dizemos que, no ano passado, foram vendidos 191 mil imóveis, destes, 87% foram usados. Significa que alguém vendeu. E quando uma pessoa vende uma casa, a seguir compra outra. Aquela ideia de que os juros estão muito baixos e as pessoas tiram dinheiro do banco para comprar casas não é realista. Quem é que tem 300 ou 400 mil euros no banco e vai comprar uma casa? São conversas de café que não têm nada a ver com a realidade. A principal alavanca do mercado são pessoas que vendem casas para comprar outras. E é através da venda da casa que a grande generalidade das famílias obtém maior liquidez. Claro que há aspetos colaterais que têm impacto. Por exemplo, neste momento temos taxas de juro historicamente baixas e, de alguma forma, favorecem o recurso ao banco que, por sua vez, também está com vontade de financiar. Destes 191 mil imóveis vendidos, estima-se que a esse número estejam agregados 30 mil milhões de euros. O Banco de Portugal já se veio pronunciar e explicar que, no ano passado, a banca financiou em crédito hipotecário, um valor global de cerca de 15 mil milhões de euros. Metade. Então e a outra metade? As pessoas tinham dinheiro em casa? Não. Venderam casas. E porque é que assistimos a este crescimento? Tem um cariz sociológico. A morte, o casamento, o nascimento, o divórcio, a separação, o sucesso profissional, o insucesso, o envelhecimento… tudo são eventos sociais que frequentemente têm agregado uma troca de casa. Não é por causa das taxas de juro que um casal deixa de se divorciar ou deixa de se casar. 

Essa ideia de venda e de compra ganhou maior relevo com a pandemia?
Porque as pessoas estiveram muito tempo em casa e nunca se questionaram tanto sobre se aquela é ou não a casa das suas vidas. Há pessoas que, se calhar, estavam fartas de viver em Lisboa e foram para o Alentejo. Vendem em Lisboa um T1 que era da avó e agora têm 200 mil euros e compram em Arraiolos ou em Beja. Ou quem está farto de viver no Cacém e os pais vivem em Lisboa, então pensam que em vez de terem um T3 no Cacém preferem um T1 perto dos pais. E por aí fora. Estes movimentos são muito diversificados. Assistimos um bocadinho a uma tempestade perfeita: as pessoas muito dispostas para trocar de casa, os bancos interessados em financiar, os juros historicamente baixos e isso gerou um significativo número de transações, que prevemos que se mantenha em 2022 e que, de algum modo, possa vir a ser incrementado com investimento estrangeiro que, seguramente, não conheceu ainda os níveis anteriores à pandemia por questões de mobilidade. Assim que esta mobilidade for conquistada, previsivelmente iremos assistir a novos fenómenos de investimento estrangeiro que depois acabam por inflacionar os valores.

Voltando às taxas de juro baixas. O Banco Central Europeu está a sofrer muitas pressões para aumentar os juros. Isso irá penalizar quem estiver a pensar em pedir um crédito à habitação…
Claro que vai. Mas aí vamos encontrar diferentes cenários. Preocupa-me em especial, as famílias que fizeram aquisições excessivamente alavancadas em crédito hipotecário com taxas de esforço muito desequilibradas face aos seus rendimentos. É preocupante que possamos ter famílias com dificuldades para fazer face às suas prestações se as taxas deixarem de estar nestes valores que temos conhecido. E qualquer meio ponto, um ponto, ou um ponto e meio poderá ter consequências muito significativas em muitas pessoas. Não creio que isso tenha impacto global no mercado. 

E quem está a pensar pedir crédito terá a vida mais dificultada agora com as novas regras do Banco de Portugal…
Quem está a pensar pedir crédito – consoante os rendimentos, condição laboral, estabilidade – precisa de ter liquidez. Por exemplo, para um imóvel de 200 mil euros, o banco exige 15% de capitais próprios. Estamos a falar em 30 mil euros. Nem todos os jovens têm 30 mil euros. 

E há regras mais apertadas para o crédito à habitação para pessoas mais novas…
É o chamado prazo de maturação. O prazo de duração dos contratos de crédito hipotecário não deverá superar os 30 anos.

O que vai dificultar o acesso ao crédito…
Vai subir o valor das prestações. Tem de haver cada vez mais uma grande responsabilidade por parte dos bancos, que têm que aprender com as lições do passado, em que não podem estar a tentar vender crédito como estavam antes da crise de 2009 porque as consequências seriam desastrosas. 

Ainda se esperam riscos com o fim das moratórias? Muitos conseguiram regularizar os seus valores mas há uma percentagem que não conseguiu. Vamos assistir ao que aconteceu na altura da troika?
Acho que não por dois motivos: um porque estou convencido que os bancos tudo farão para renegociar com as famílias. A última coisa que interessa a um banco é de repente começar a ter que começar a renegociar doações em pagamento. Por um lado, estou convencido que tudo farão para negociar com as famílias e, nesse caso, serão encontradas soluções. Com prorrogações de prazo, com novas carências. Por outro lado, segundo os dados que temos, estamos a falar de situações que, sendo incrivelmente dramáticas, não representam quantidade suscetível de ter impacto no mercado.

Os últimos dados do INE colocam a média do metro quadrado nacional em mais de 1300 euros, um aumento de mais de 50% em cinco anos…
Um imóvel no Mogadouro hoje vale o mesmo que valia há cinco anos. Um imóvel na Lourinhã hoje pode valer mais 10%. O que temos? Um crescimento de preços em Lisboa, no Porto, na Comporta, em Cascais, em que a subida foi muito maior do que os 50% e depois dá esses números. Na generalidade do nosso país, os imóveis poderão ter valorizado mas um bocadinho acima da inflação que tem sido muito pequena nos últimos tempos. Se calhar, quando esses números são esmiuçados por concelho, vamos encontrar uma média que é capaz de andar ali nos 3, 4, 5, 6% de valorização. Se chega ao Chiado ou ao Príncipe Real, não consegue ter nenhum apartamento reabilitado abaixo de 8.000 euros o metro quadrado.

Para quem não consegue aceder ao crédito, a solução é o arrendamento? Também neste segmentos, os preços são elevados…
Voltamos à questão de Portugal não ser Lisboa e Porto. Estamos a assistir a locais, como Lisboa e Porto, que se tornam muito pouco acessíveis para muitas famílias. Mas essa é uma responsabilidade do Governo e das autarquias de apresentarem programas que possam trazer soluções de acesso à habitação para aqueles que é indispensável viver num grande centro urbano. Por outro lado, estamos também a assistir a novos fluxos de procura em novos concelhos. Uma coisa que acho interessante e muito curiosa que ouvimos falar há muitos anos e agora voltou-se a falar é o tema da descentralização. Não acredito que a descentralização ocorra por decreto. Não é porque se desloca um tribunal ou uma loja do cidadão que o país se vai descentralizar. Acredito que a descentralização pode ocorrer quando a vontade das pessoas for essa. Curiosamente estamos a assistir – e agora um pouco acelerado com o teletrabalho – a novos concelhos a serem alvos de novos fluxos de procura onde há soluções habitacionais, cujos preços não são comparáveis com Lisboa ou Porto. Estamos a falar de realidades de valores totalmente díspares, distintas, onde há soluções de investimento habitacional muito interessantes, com preços muito interessantes, onde as pessoas encontram formas de vida muito mais próximas de novas tendências, uma alimentação mais saudável, os filhos têm mais contacto com a natureza. Nem todos os jovens que não conseguem comprar um apartamento em Lisboa querem ir viver para uma periferia urbana, como o Cacém, Damaia ou Gondomar. Cada vez mais assistimos à procura de alternativas onde possam ter uma qualidade de vida adequada sem que tenham de se sujeitar à vida suburbana. 

Depois haverá tendência para aumentar os preços no interior?
Claro que sim. Se estes fluxos se mantiverem terão impacto nos preços. Por exemplo, basta deslocarmo-nos 15 quilómetros para Norte de Lisboa e encontramos na zona de Bucelas, Sobral de Monte Agraço, etc., casas à venda, para obras, a 40 e a 50 mil euros. E com mais 40 ou 50 mil para obras ficam com uma propriedade fantástica. Se depois esses fluxos vão ter impacto nos preços, previsivelmente vão. Mas não é comparável com o que assistimos em Lisboa onde os preços são muito pouco acessíveis. Se é preciso encontrar soluções para aqueles que é imperativo estarem na cidade, acho que sim.

As respostas das câmaras e do Governo ficam aquém?
Completamente. Por enquanto, completamente insuficientes.

O que poder ser feito? A Câmara de Lisboa tentou incentivar os proprietários a colocarem os seus imóveis no programa de rendas acessíveis…
Tem de haver coragem política para o fazer. A partir do momento, em que quer a câmara, quer o Estado são proprietários de espaços, de terrenos e de edifícios têm a possibilidade de encontrar modelos de negócios com construtores e promotores, respeitando uma condição de preço de utilização para um determinado período de tempo. Mas também é necessário que tenha alguma dimensão se não estaríamos a privilegiar só uns quantos. 

Não tem havido essa vontade nos últimos seis anos? Tínhamos um Governo apoiado pelos partidos de esquerda que embandeiravam a política de habitação…
Há uma coisa muito mais relevante do que a vontade política que é a concretização política. Porque vontade muitas vezes dizem-nos que têm. Depois não vemos é a sua concretização. 

Com este Governo maioritário poderá haver alguma mudança?
Este Governo tem, no seu programa, muito claro e muito identificado, uma urgência do ponto de vista habitacional em termos nacionais. E isso tem a ver com o facto de estarem identificados 26 mil agregados familiares em Portugal que vivem em condições abaixo daquilo que é o mínimo de dignidade e condições aceitáveis. Está claramente identificado no programa do Partido Socialista como sendo uma prioridade, a edificação de soluções para estes agregados familiares. Creio que há uma parte de verbas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que será disponibilizada às autarquias para encontrarem estas soluções. 

Há uns anos, principalmente nas grandes cidades, havia cooperativas que apresentavam soluções de habitação a preços mais baixos. A solução poderá passar por aí?
Creio que não. Encontrar soluções que permitam acesso à habitação, em localizações em que o mercado imobiliário tem valores muito elevados, só é possível com intervenção estatal. De outra forma não é possível. Fora da intervenção estatal e com a valorização que a terra tem, a generalidade das organizações procura rentabilizar da melhor forma os seus ativos. E essa melhor forma de rentabilizar é incompatível com esta ideia de uma renda acessível. 

Também no arrendamento assiste-se a um aumento da procura na periferia e com os preços a subirem…
Os preços aí já estão altos. Há pouco usei a expressão periferia urbana que há umas décadas tinha quase um teor depreciativo, não eram propriamente guetos mas também não eram locais fantásticos. Felizmente o que temos assistido nos últimos anos, do ponto de vista da intervenção urbanística, é a grandes reestruturações. Hoje, nas periferias urbanas das grandes cidades encontramos espaços muito agradáveis com zonas verdes, uma edificação mais agradável e equilibrada.

Sem aquele conceito de dormitório?
Sem ser aquela imagem dos caixotes onde as pessoas vão dormir. Tem havido melhorias significativas nesse domínio sem prejuízo que haja muito para melhorar. Hoje vamos a algumas destas zonas periféricas, como a margem sul, em que zonas como Alcochete, Seixal, Montijo têm espaços muito agradáveis, curiosamente sob alvo de investidores estrangeiros. 

Estamos sempre com ideia que é só o centro de Lisboa…
Não é só o Chiado e a Avenida da Liberdade.

Mas o mercado de arrendamento continua a não satisfazer as necessidades dos portugueses…
Gostava muito de tentar influenciar no bom sentido. Há pouco brincaram comigo mas repito: Portugal não é Lisboa nem a Foz do Douro. Nem é a Comporta. Isso não é elucidativo de nada. Em Lisboa, as casas arrendam-se com imensa facilidade porque a procura é muito grande. Surgiram também aqueles modelos de negócio orgânico de as pessoas montarem os seus negócios associados ao arrendamento que depois deu origem ao alojamento local, que trouxe alguma consequência no valor dos imóveis. Um proprietário tem um imóvel disponível e teoricamente podia arrendar por 400 ou 500 euros mas depois tem um amigo que lhe explica para ir ao Ikea comprar uns móveis, põe uns tapetes giros e faz dali um alojamento local, em que pode arrendar aquilo por 40 euros por noite. Se tiver 20 noites ocupadas faz 800 euros e esquece logo os 400 euros. Com certeza que isto gerou algumas consequências mas isto leva-nos para um afunilamento geográfico. Vivo numa aldeia a 69 quilómetros de Lisboa, há casas para arrendar por 300 euros por mês. E depois há uma questão mais do domínio de Justiça, em que todos já ouvimos falar de um senhorio que se queria livrar de um inquilino que se tornou incumpridor. Por outro lado, assistimos a muitas alterações legislativas – diria até excessivas – no mercado de arrendamento. Isso fez com que os proprietários não quisessem ter os seus imóveis no arrendamento. Houve, em tempos, umas ideias que imóveis devolutos pagassem mais IMI. Seria mais criativo, em vez de se criar soluções penalizadoras, que se encontrassem soluções incentivadoras para os senhorios colocarem os imóveis no mercado de arrendamento. 

Muitas vezes, os senhorios dizem estar desfalcados por causa das rendas terem estado congeladas tanto tempo…
Não podemos olhar para os proprietários e pô-los no mesmo saco como se fossem todos iguais porque não são. Estou convencido que a esmagadora maioria são pequeníssimos proprietários. Pessoas que têm um, dois apartamentos e que não têm grande rentabilidade e grandes recursos financeiros para poderem fazer grandes intervenções ou poderem encontrar soluções, de alguma forma, um pouco altruístas para colocarem os seus imóveis no mercado. Pelo contrário, estão altamente focados em tentar usufruir da maior rentabilidade possível. Ainda assim, acredito que o mercado de arrendamento vá crescer enquanto tendência evolucionista da nossa sociedade porque os jovens não querem estar amarrados a uma casa, não querem que a sua habitação seja castradora da sua possibilidade de mobilidade. E simultaneamente, a generalidade das pessoas vai olhar para a compra de um imóvel mais numa perspetiva de investimento. 

Vai acabar a cultura do proprietário?
Acredito que sim, mas vai demorar algum tempo. 

Com esta quebra do alojamento local durante a pandemia, não havia a perspetiva de que mais imóveis passassem para o arrendamento de longa duração?
Isso aconteceu residualmente e, como tal, não teve impacto no mercado. E muitos que têm esses imóveis estão fechados à espera que haja uma retoma do turismo para reiniciarem o seu negócio de alojamento local. O simples facto de estarem fechados também veio fazer com que não façam parte da oferta e, portanto, não vieram trazer grande solução. E como há uma escassez muito grande de imóveis, há proprietários que tendem a ser mais seletivos nos seus inquilinos. O que por vezes vimos são alguns ajustes de valor, sobretudo nos imóveis sujeitos a grande procura, que estão frequentemente associados a alguma seletividade no tipo de inquilino. Mais uma vez, exclui os mais carenciados. 

E o mercado de luxo? Nem deu pela pandemia passar…
Há uma percentagem muito significativa com os imóveis acima de 800 mil euros, os clientes são maioritariamente estrangeiros, não são portugueses. Com certeza que este mercado foi o mercado que, na pandemia, viu os seus processos um pouco prorrogados pela falta de mobilidade. Mas os promotores conseguiram manter-se firmes nos preços. O segmento de luxo é pequeno, estreito e estamos a começar a assistir a muitos promotores a redirecionarem as suas iniciativas de investimento para um tipo de produto mais direcionado para a classe média. Obviamente que precisam de direcionar os seus projetos para localizações onde os terrenos tenham preços mais baixos. Mas também aqui pairam algumas incertezas que estão relacionadas com o custo das matérias-primas que vai ter um impacto significativo no setor imobiliário. Também há aqui um outro fator agregado que não se fala muito e que diz respeito ao facto de que a transição energética vai-nos tocar a todos. E vai tocar-nos onde? No preço das coisas. Não podemos caminhar para um planeta sustentável a pensar que não vai ter custos para nós. Vai ter nas batatas, tomate, tijolos, cimento, tinta. Vai tudo ter que ser mais caro. 

E o facto de, por exemplo, Lisboa ganhar tantos prémios não influenciou a vinda de estrangeiros?
Acho que era previsível. Mas também acho que está associado à tendência, que é um bocadinho portuguesa, de gostar de dizer mal de tudo. Mas a realidade é que o nosso sistema de saúde é fantástico. O nosso sistema de ensino é fantástico. Se podia ser melhor? De certeza que podia. O nosso sistema de segurança é excelente. A nossa rede viária é ótima. E estas coisas boas têm valor. Nós que estamos cá é que não lhes damos valor nenhum. Mas eles dão. Por ter valor vai ter um custo. Lisboa é uma cidade segura? Pois é e isso vai tornar-se caríssimo. Lisboa tem a luz das sete colinas. É linda? É. E isso vai ter um custo, vai ter impacto na vida das pessoas. Mas acho que isso não é dramático porque Sobral de Monte Agraço tem uma vista linda e há tantos outros sítios que têm luzes bonitas. 

Falou no início dos vistos gold. Estes têm vindo a cair…
Nos vistos gold estamos a falar claramente de cidadãos estrangeiros e cidadãos de longe, da China, do Brasil, Angola, etc. A pandemia, ao condicionar a mobilidade, teve impacto significativo neste segmento. Em 2022, com as alterações que tivemos aos vistos gold, em que temos os imóveis nos concelhos de alta densidade a não serem ilegíveis para este efeito imaginem o que vai acontecer. O que estamos já a verificar é que essa alteração legislativa parece que foi feita um bocadinho a ‘brincar’. Quando um promotor edifica e se o imóvel for classificado para fins turísticos então já é elegível para um visto gold. Portanto, os imóveis em Lisboa, no Porto, na faixa litoral e em todo o lado continuam a ser elegíveis, desde que estejam classificados para utilização turística.