O improvável não é o impossível

A maioria ‘estabelece’ as condições mínimas para a mudança de paradigma, que é indespensável para alinhar o desenvolvimento económico do país com os parceiros europeus.

Contra todas as análises, negando todas as sondagens e frustrando muitas expectativas, o PS conseguiu, nas eleições do passado dia 30, uma improvável mas não impossível maioria absoluta.

Recorde-se o que foi escrito na minha crónica anterior:

«Este dilema só será ultrapassado numa de duas hipóteses: ou uma maioria absoluta atribuída ao partido socialista (uma vez que está excluído, e bem, um cenário de bloco central) ou uma vitória do principal partido da oposição, clara mas não necessariamente absoluta».

O dilema era, evidentemente, a crise política em que o país estava mergulhado e a ‘escolha’ destas duas hipóteses, com exclusão de todas as outras, foi claramente explicada. Dá-se aqui por reproduzida.

Entendeu o eleitorado português optar pela primeira hipótese, encerrando, desta forma, uma instabilidade que durava há seis anos, e custou ao país uma paralisia no processo de recuperação económica e social, que as novas condições existentes no espaço europeu, tornavam possível e, em certo sentido, fácil.

O Governo foi refém, durante esse período, de partidos extremistas de esquerda que se auto excluem do projeto político europeu e não partilham das escolhas estruturantes do PS em matéria de alianças internacionais e de opções geoestratégicas.

Durante a ‘geringonça’ era impossível governar com uma visão reformista e moderna e o que restava, era aguentar o poder até ‘cair dos céus’ uma solução milagrosa. A ‘solução’  demorou seis anos mas apareceu e, com ela, desaparecem agora todas as desculpas.

O Governo tem maioria, ou seja estabilidade, tem financiamento europeu abundante para reformas estruturantes, escrutinadas (just in time) pela União Europeia, um Presidente da República, amigo e enfraquecido e uma terrível pandemia, que nem sempre foi bem tratada (como a propaganda oficial anunciava e a inexistente oposição abençoava), em vias de controlo.

Talvez por isso seja agora possível ao primeiro-ministro indigitado reconhecer o que sempre negou, definindo como objetivo essencial para a próxima legislatura «tirar Portugal da cauda da Europa».

Excelente opção, pois o atual/futuro primeiro-ministro sabe que o apregoado crescimento, acima da média europeia, é apenas uma realidade estatística que esconde uma progressiva degradação quando as comparações se fazem, como e com quem devem ser feitas.

É necessário, por isso, um substancial esforço que será o preço a pagar por seis anos de inércia, de erros, de propaganda fácil e, em especial, de falta de racionalidade.

A ‘maioria’ estabelece as condições mínimas para a mudança de paradigma, que é indispensável para alinhar o desenvolvimento económico do país com os parceiros europeus.

Mas, nem as maiorias absolutas conseguem ser os remédios para todos as arbitrariedades, e as decisões sensatas no plano político serão também determinantes, senão para a durabilidade da solução, pelo menos, para a sua qualidade e credibilidade.

A tentativa de afastar o partido Chega, e sobretudo os eleitores do Chega, de uma partilha institucional legítima, nunca praticada de forma global no passado, é um rematado disparate.

É difícil compreender que quem conviveu durante tanto tempo com partidos que partilham os princípios dos regimes mais cruéis da história da humanidade, se inquietem com a presença de uma dúzia de deputados extremistas da direita que se limitam a replicar os mesmos tiques e intolerâncias dos seus colegas da extrema esquerda.

O Governo e a maioria do Parlamento ao estabelecerem um cerco a um partido com representação parlamentar e razoável implantação nacional, contribuem, ao contrário do que pensam e, eventualmente, querem, para a degradação da democracia portuguesa e para a descredibilização da maioria absoluta.

O folclore da decisão esconde, no curto prazo, o erro, mas a gravidade da decisão não deixará de ter consequências no futuro.

Conhecemos, da teoria monetária, o conceito de ‘armadilha da liquidez’; não será muito inteligente criar na política a ‘armadilha do absolutismo’.

Como se disse, o país carece de profundas reformas (dívida, défice estrutural, despesa pública, investimento, fiscalidade, etc..) e o êxito dessas reformas, dependente da aprovação parlamentar, passa também muito pela harmonia nas ruas.

Ora, infelizmente, já ouvimos, com origem nos dois extremos partidários expressões, desejos e ameaças que não são propriamente animadores.

As últimas eleições demonstraram que o eleitorado, com a sua composição atual, tem medo de mudanças e tende a bloquear as reformas mais necessárias.

É fácil compreender este bloqueio quando analisamos a estrutura do eleitorado e a sua dependência direta e indireta da esfera pública como, com oportunidade, o fez, esta semana, o Professor Vítor Bento.

Segundo os dados divulgados, com a cooperação da Pordata, os cidadãos portugueses, maiores de 18 anos , que são ‘dependentes’ dos sistemas públicos ou das opções do Governo, representavam em 1980 cerca de 34% do universo considerado e são hoje uns impressionantes 61% de um universo semelhante.

Esta realidade para lá de explicar bem o atraso económico e social do país, acentuado nos últimos anos, é um desafio exigente para concretizar verdadeiras reformas.

Em democracia, felizmente, a maioria absoluta ou o absolutismo que dela pode derivar, nem sempre é condição de sucesso e pode mesmo constituir uma armadilha de consequências nefastas.

Apesar de tudo e na situação atual do país, antes esta maioria que a continuação de uma crise política sem fim à vista e em degradação continuada.

Depois de tocar no fundo, agora só resta subir.