Ucrânia. Chuva de rockets e fogo de artilharia no Leste inflama as tensões

Um infantário ucraniano foi atingido, enquanto separatistas dizem que ser alvo de fogo por ordem de Zelensky. O Kremlin ameaça usar “meios militares-técnicos” e traça paralelos com o bombardeamento do Kosovo pela NATO.   

Uma chuva de rockets e fogo de artilharia cruzou a linha da frente na região de Donbass, entre separatistas russos e forças ucranianas, esta quinta-feira, numa escalada que se teme poder desencadear uma guerra, estando Rússia e a NATO já a culpar-se mutuamente.

Estes recentes bombardeamentos podem ser pretexto para uma invasão russa, acusou Joe Biden. Todas as indicações são que “vai acontecer nos próximos dias”, avisou o Presidente dos EUA. Nesse mesmo dia, o Governo russo entregou uma carta na embaixada americana em Moscovo, negando que esteja preparar uma invasão da Ucrânia, mas prometendo que, se as suas exigências – que a NATO se comprometa a nunca aceitar a Ucrânia como Estado membro e retirar as suas tropas da Bulgária e Roménia – continuarem a ser ignoradas, “a Rússia será forçada a responder, incluindo através da implementação de medidas militares-técnicas”.

O que isso significa concretamente, talvez só o próprio Vladimir Putin consiga responder. No entanto, temos algumas pistas, dado que entre o círculo mais próximo do Presidente russo cada vez mais fala da intervenção da NATO na guerra do Kosovo como termo de comparação. Quando albaneses começaram a ser massacrados – dirigentes do Kremlin têm traçado um paralelo entre estes e os russos do leste da Ucrânia, chegando o próprio Putin a falar num “genocídio” – a NATO reagiu varrendo Belgrado com bombas, em 1994, lançando-as acima da altitude alcançada pelas armas antiaéreas sérvias, numa campanha quase sem baixas.

Tratou-se de uma humilhação que o Kremlin – que à época era próximo do ditador sérvio, Slobodan Milosevic – nunca esqueceu. E não é de estranhar que agora surja como comparação, tendo o bombardeamento da Sérvia sido apresentado pela NATO como uma intervenção humanitária. E “o termo ‘guerra de intervenção humanitária’ é tão bizarro que pode ser usado para justificar qualquer tipo de agressão”, explicou Lawrence Douglas, professor no Amherst College, à New Yorker.

O certo é que por agora a situação no leste da Ucrânia já não está nada fácil. Em Stanytsia Luhanska, uma cidade sob controlo ucraniano, os bombardeamento de separatistas russos não são novidade, mas tinham acalmado nos últimos meses, mesmo com a tensão causada pela crescente mobilização de tropas russas na fronteira. Contudo, de um momento para o outro recomeçaram em força, esta quarta-feira, chegando a devastar um infantário.

Uma das salas de aula ficou com um enorme buraco na parede, com o chão cheio de poeira, escombros e brinquedos, mostram imagens divulgadas pelas autoridades ucranianas. Os alunos escaparam por sorte, estavam a lanchar na sala do lado quando o disparo de artilharia atingiu o infantário. Contudo, uma professora, uma funcionária da lavandaria e um segurança ficaram feridos.

“Estou muito assustada”, lamentou a mãe de uma das crianças, que se identificou apenas como Natalia a um repórter da France Press. “O infantário não tem abrigo para bombas. Só tem paredes espessas. Mas eles até conseguiram penetrá-las. Não consigo acalmar-me”.

Tratou-se de um “bombardeamento provocador”, tweetou o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, que no dia anterior visitara Mariupol, a 15km da linha da frente, na costa do Mar de Azov. Esta cidade com menos de meio milhão de habitantes é apontada por analistas como um dos mais prováveis alvos de uma eventual invasão de pequena escala russa, pela sua vulnerabilidade – poderia muito facilmente ser cercada por mar, com o apoio de forças navais russas – e grande valor económico, que tornaria a criação de um Estado separatista no leste da Ucrânia mais viável.

No entanto, lendo a imprensa russa, encontraríamos uma descrição muito diferente destes bombardeamentos. “O agravamento da situação em curso está ligado à visita de Zelensky”, acusou Yan Leshchenko, líder da milícia da autoproclamada República Popular de Lugansk, citado pela TASS, uma agência noticiosa estatal russa. “Depois da sua saída, o bombardeamento nos territórios da república começaram ao longo de toda a linha da frente. Portanto, o Presidente da Ucrânia deu pessoalmente instruções para escalar o conflito”, continuou Leshchenko.

Já para Joe Biden, estes bombardeamentos podem ser a justificação que há muito Washington acusa o Kremlin de procurar. “Temos razões para acreditar que estão envolvidos numa operação de ‘falsa bandeira’ para terem uma desculpa para entrar”, declarou o Presidente. “Tudo o que sabemos é que eles estão preparados para atacar”.

As acusações de parte a parte têm subido de tom nos últimos dias, apesar do anúncio do Kremlin de que parte das tropas da fronteira iriam regressar a casa, após completarem os seus exercícios militares na Crimeia.

Por um lado, o porta-voz do Kremlin, ainda na segunda-feira acusou o Governo ucraniano de acumular tropas na linha da frente em Donbass, em declarações à Sputnik, considerando que havia sinais da “preparação de operações ofensivas”.

Por outro lado, para Washington isto não passa de uma justificação para um ataque russo, tendo a Casa Branca denunciado que não houve qualquer retirada parcial russa, e que mais sete mil tropas se tinham dirigido à fronteira.

Isto quando se veem cada vez mais sinais de preparações para uma invasão. “Nós vemo-los a pôr no ar mais aeronaves de combate e apoio. Nós vemo-los a afinar a sua prontidão no Mar Negro”, acusou o secretário da Defesa americano, Lloyd Austin, falando à Reuters no quartel-general da NATO. “Nós até os vemos a acumular stocks de sangue”, continuou Austin. “Eu próprio fui um soldado não assim há tanto tempo. Sei em primeira mão que não fazes esse género de coisas sem um motivo”.