Pedro Mota Soares. “O CDS é um partido que faz falta a Portugal”

Para o antigo ministro da Solidariedade, um Governo maioritário deve dar maior importância à concertação social para levar a cabo as reformas de que o país precisa. Pedro Mota Soares acredita que o espaço do CDS ainda não foi preenchido e acredita no regresso à AR.

Pedro Mota Soares. “O CDS é um partido que faz falta a Portugal”

Estava à espera que o PS ganhasse com maioria absoluta? E o que se pode esperar?

O Governo nos últimos anos desconsiderou a Concertação Social e tomou um conjunto de medidas à margem dos encontros porque tinha um quadro político bastante virado à esquerda. Um Governo de maioria absoluta tem maior dificuldade em negociar no Parlamento e nem sequer precisa de o fazer porque tem maioria e, como tal, deve encontrar uma grande parte da sua legitimidade na Concertação Social, no diálogo social.

As últimas decisões na anterior legislatura foram impostas…

O problema é que os parceiros que o Governo tinha não consideravam a Concertação Social. Acho absolutamente o contrário, o diálogo social é absolutamente fundamental. Uma das melhores coisas do modelo social europeu é esta capacidade de termos empregadores, sindicatos e Governo em diálogo. Cito muitas vezes a frase de Amaro da Costa que dizia uma coisa com graça: ‘Um reformista serve-se do diálogo para fazer mudanças e evitar ruturas’. E a Concertação Social é exatamente isso. É a capacidade de fazermos mudanças através do diálogo, evitando ruturas que são sempre muito mais difíceis. É verdade que nos últimos seis anos, o palco de Concertação Social foi muito desconsiderado, mas num Governo de maioria absoluta, se o Governo tiver essa visão e essa inteligência, vai tentar valorizá-la, porque terá menor capacidade de diálogo no próprio Parlamento. O Parlamento e a Concertação Social são entidades completamente distintas, uma não substitui a outra. Mas tenho a certeza que uma medida política negociada em Concertação Social fica sempre melhor no final.

No caso do salário mínimo foi imposto, mas os partidos de esquerda estavam de acordo em relação a esse aumento…
É muito importante olharmos para a política de rendimentos em Portugal. Percebo que hoje o chamado elevador social está partido. O elevador social é o facto de alguém pelo fator trabalho poder deixar mais aos seus filhos do que recebeu dos seus pais, ascendendo legitimamente na vida através do seu esforço, do seu mérito e da sua capacidade de trabalho. Isso implica uma política de rendimentos que não seja a que é praticada em Portugal, em que as progressões são muito lentas, em que os salários são muito baixos. E não estou só a falar do salário mínimo. E, por isso, a Concertação Social certamente terá um papel importante nesta matéria. Dito isto, é importante que quando programamos aumentos de salários olhemos para fatores como a produtividade, a inflação, a capacidade que as empresas têm de criar riqueza e de poder distribuir melhor essa riqueza. Isso não se pode fazer com régua e esquadro no início de um mandato, dizendo que daqui a quatro anos vamos ter y. Isso não é diálogo social, isso é uma imposição de uma medida à Concertação Social. Fiz muitos acordos na Concertação Social e sei por experiência própria que uma medida depois de ser negociada, quando sai, é sempre melhor do que aquela que foi apresentada inicialmente. Muitas das reformas que foram feitas em Portugal, nos últimos anos, beneficiaram muito do facto de terem passado por lá. Foi muito importante que a reforma da legislação laboral tenha sido negociada em Concertação Social e convém lembrar que, quando a reforma foi posta em prática, muitas pessoas à esquerda achavam que era para despedir e o que deu foi o sinal contrário. Desde 2013 até agora, ou pelo menos, até à pandemia, o que aconteceu em Portugal foi uma redução do desemprego e a reforma da legislação laboral foi para contratar e não para despedir. Isso foi bom para todas as partes e espero que nos próximos quatro anos haja essa valorização do diálogo.

O PS acenou agora com o aumento do salário mínimo até 900 euros no final da legislatura…
Espero que, acima de tudo, o Governo na Concertação Social consiga explicar como vai fazer isso, que medidas é que existem para estimular a economia, para estimular a criação da riqueza e até medidas para haver uma diminuição da carga fiscal. Falamos de uma política de rendimentos, mas no final do dia quando as pessoas têm um aumento salarial acabam por entregar mais ao Estado do que levam para casa, há um total contrassenso. Todos já tivemos essa experiência de alguém a quem é dado um prémio, alguém que quer fazer horas extra, mas subindo de escalão perde um conjunto de benefícios. Não podemos tirar desta discussão o sistema fiscal, porque o que se passa atualmente está profundamente errado e não pode estar desligado de uma política, nem um acordo que tenha em conta os rendimentos, mas também a produtividade e o crescimento da economia.

A produtividade continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles…
Por isso espero que um acordo de Concertação Social não se baseie apenas em matéria de rendimentos, mas também tenha em conta a produtividade. Temos de conseguir olhar para a qualificação dos nossos recursos humanos, porque estamos num tempo muito interessante, mas também muito desafiante que é o tempo de transição digital. Há muitas competências que hoje existem e que no futuro não vão ser necessárias, mas há muitas outras competências que vão ser absolutamente essenciais. Como é que vamos qualificar os recursos humanos portugueses para podermos fazer essa transição? Um dos constrangimentos que existem hoje na economia é a falta de pessoas em alguns setores. Como é que vamos conseguir ter uma política de qualificação que nos permita dar esse salto? A economia portuguesa tem uma oportunidade única nestes anos: se somarmos os três quadros comunitários – o quadro comunitário atualmente em execução, o futuro quadro comunitário e a bazuca – estamos a falar de qualquer coisa como 60 mil milhões de euros. Como é que vamos utilizar esta verba para conseguirmos dar resposta a questões que são essenciais? Como é que vamos conseguir que a economia cresça estruturalmente 3% ou acima de 3% ao longo dos próximos anos? Não estou a falar de um crescimento pontual de um ano. E já agora que volte a ganhar lugares face não ao pelotão da frente da Europa – não é a Alemanha ou a Itália –  mas face aqueles países com os quais competimos diretamente. Estou a pensar dos países do Leste, que, muitos deles, já nos ultrapassaram e outros estão a ultrapassar. E o que podemos garantir para que, por exemplo, a nossa balança comercial seja equilibrada nos próximos 10 anos e que as exportações representem mais de 50% nos próximos 10 anos? E o que estamos a fazer para garantir que o desemprego se vá mantendo estruturalmente baixo? Tudo isso implica um crescimento da nossa economia. O que vamos fazer para termos uma política fiscal que seja amiga do investimento, do trabalho e tenha sensibilidade para baixar esta carga fiscal?

Devíamos aplicar melhor as verbas comunitárias?
Vamos ter muitas verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas uma percentagem demasiadamente grande vai para o próprio Estado. Se calhar fazia mais sentido, para darmos resposta a estas perguntas, para que pudéssemos ter mais apoios para a economia, mais apoios ao investimento e mais estímulos à produtividade. Mas a opção já está feita, questionei na altura, mas coloco uma segunda questão: investindo tanto na transição digital do próprio Estado, o que é que vamos fazer estruturalmente para baixar a despesa pública? Sabemos que mais despesa pública significa mais dívida pública e que mais dívida pública significa, no futuro, impostos e diminuição da nossa capacidade de crescimento. Como é que vamos conseguir usar estas verbas do PRR que estão previstas para que o próprio Estado se adapte e dê um salto do ponto de vista da transição digital para estruturalmente baixar a despesa pública? Não sou adepto de políticas cegas, não sou adepto de dizer que tem de se cortar x por cento da função pública, mas nos próximos anos vão tendencialmente reformar-se e se calhar até devíamos ter um programa de saídas voluntárias e tentar criar aqui uma regra que, por cada três funcionários públicos que saem só podem entrar um. Como é obvio, essas regras também não podem ser cegas. Por exemplo, na área da segurança precisamos de ter mais agentes, admito que na área da saúde continuamos a precisar de profissionais, agora o que não é possível é dizer que vamos gastar 600 milhões na transição digital. Essa transição é positiva para as empresas e para o próprio cidadão, mas não faz sentido dizer que, no final do dia, vamos  manter a mesma estrutura de recursos humanos, não aproveitando esta oportunidade. Esta reforma não pode ser feita contra as pessoas, não pode ser feita com base no vamos despedir na função pública. Esta reforma tem de ser feita usando as oportunidades que temos. Não faz sentido olhar para trás e perceber que, ao longo dos últimos seis anos, a função pública continuar sistematicamente a subir porque isso significa no final do dia mais impostos. 

O PS também põe em segundo plano a reforma do IRC. Quando esteve no Governo essa redução foi negociada com José Seguro, mas ficou sem efeito. Foi uma oportunidade perdida?
Foi uma oportunidade perdida até do ponto de vista da estabilidade. Também aqui, e tenho de fazer esse elogio, houve um papel muito relevante dos parceiros sociais, que perceberam a importância desta reforma e sensibilizaram todos os partidos políticos. Essa reforma foi votada no Parlamento por 80% dos deputados e era muito importante até para captar investimento externo para Portugal, dizendo que ao longo dos próximos anos sistematicamente o IRC iria baixar, mas, quando mudou o quadro político, o PS, que tinha aprovado esta reforma, acabou por a anular.

E essa redução do IRC continua a não ser vista como uma prioridade?
Percebo que reduzir o IRS hoje é muito importante para as pessoas que pagam este imposto e sentem que essa carga é muito elevada. Mas também percebo que a dimensão do IRC é fundamental para ajudarmos ainda mais a lançar e a estimular a economia. Preferia que o PRR permitisse baixar estruturalmente o IRC, para que muitas empresas que tiveram dificuldades no passado ou que estão a surgir no mercado o pudessem fazer com condições diferentes e mais atrativas. A escolha do Governo não foi essa, mas se queremos crescer mais do que 3% ao ano sistematicamente temos de olhar também para a dimensão do IRC. 

Tem defendido a reforma da Segurança Social. Esta questão ganha maior revelo com a pressão demográfica?
Acho que não. Se olharmos para os dados mais recentes da Comissão Europeia sobre o envelhecimento nacional, os dados são francamente preocupantes. Acho que temos duas dimensões distintas aqui. Desde logo, uma dimensão que tem a ver com a sociedade que estamos a criar para os nossos idosos, que respostas do ponto de vista social, que respostas do ponto de vista da saúde. Hoje já se fala mais disso, mas no início da pandemia, pela primeira vez, muita gente olhou para o que estava a acontecer em estruturas que estão a acolher idosos e ficou preocupada com esta dimensão. A primeira coisa que diria é que no futuro crescentemente temos de ter uma interligação entre as estruturas da Segurança Social com as estruturas da Saúde. É impensável achar que estas duas realidades podem existir de forma diferente. Como vamos conseguir criar condições, por exemplo, para ter o lar o futuro? Que estruturas residenciais vamos querer ter no futuro para acolher as pessoas? A segunda dimensão, acho que a  resposta aos mais idosos não é só uma resposta de institucionalização. Tem de ser uma resposta que permita às pessoas que permaneçam o maior parte do tempo possível nas suas casas, junto dos seus amigos e família, mas isso implica ter uma rede de apoio domiciliário que tem de integrar cuidados de saúde para que as pessoas possam ter essa resposta com mais dignidade, com mais humanidade. O que estamos a fazer para garantir que conseguimos ter um envelhecimento ativo? E, mais uma vez, a dimensão da saúde é muito importante até do ponto de vista da saúde preventiva. Segunda dimensão é uma dimensão da demografia.

E o envelhecimento da população torna o sistema da Segurança Social mais insustentável?
Torna mais insustentável e, acima de tudo, torna as reformas cada vez mais baixas. Quando se fala da Sustentabilidade da Segurança Social não significa só que a Segurança Social deixe de pagar reformas. Temos de perguntar que reformas é que a Segurança Social passará a pagar? Os dados recentes da Comissão Europeia dizem-nos que daqui a relativamente pouco anos teremos uma taxa de substituição – diferença entre o último salário e a primeira pensão – de 40%. Num país, em que temos um salário médio na casa dos mil euros estamos a falar de pessoas que irão receber pensões de 400 euros. É impossível ter uma vida digna com estes valores. Estamos a falar de uma dimensão de pensões muito, mas muito baixas e os números estão à vista de toda a gente. Isto devia levar-nos a ter esta capacidade de apresentar reformas. Sou um defensor do Estado social, acredito verdadeiramente no Estado Social, mas sei que o Estado Social não se pode manter se não fizermos reformas. O pior inimigo que o Estado Social pode ter é alguém que não o queira mudar, pois não é sustentável tal como se apresenta hoje. É preciso que estas matérias que estão relacionadas com a discussão da reforma da Segurança Social, de mecanismos complementares para as pessoas poderem fazer poupanças e de poderem descontar adicionalmente sejam relevantes. Percebo que nos últimos seis anos não houve quadro político para o fazer, mas acho que neste momento as coisas se alteraram. Mas uma reforma da Segurança Social só pode ser feita num clima de crescimento económico. É muito difícil fazer uma reforma da Segurança Social quando há uma dificuldade nas contas públicas. Mas nos próximos anos vamos ter expectavelmente crescimento económico, então a discussão tem de começar a ser feita. 

Quando diz que nos últimos seis anos não foi possível fazer reformas, agora será? E serão uma prioridade do PS?
Espero que sim. Ainda não temos o Governo formado e será mais tarde do que seria expectável. Tenho a noção de que medidas como estas não se podem estar sistematicamente a adiar e nós infelizmente, nos últimos 20 anos, adiamo-las muitas vezes. E, mais uma vez, olhamos para o Estado Social e para a sustentabilidade do Estado Social e percebemos que as coisas continuam piores do que estavam há 20 anos e não temos tanto tempo quanto isso. É por isso que hoje gosto mais do que encontrar respostas colocar as perguntas certas. E acho que esse debate faz sentido ser feito à direita, se calhar hoje construir um projeto alternativo ao socialismo passa por dar respostas a muitas destas questões. E acho que também nesse sentido, os próximos quatro anos e meio serão relevantes. Teremos um Governo de maioria absoluta, mas também é muito importante percebermos à direita e ao centro-direita o que vai acontecer. Que respostas é que as forças à direita e centro-direita querem dar à construção de projeto alternativo ao socialismo.

Disse este verão que não ‘estava a ser construída uma alternativa de futuro’ em Portugal…
Infelizmente, isso viu-se nas eleições. 

Defende uma solução à direita mas vamos estar perante um Parlamento atípico…
Antes de mais não sou contrário à existência de um Governo de maioria absoluta, acho que, muitas vezes, dão estabilidade. Mas também prefiro a existência de Governos de maioria absoluta de mais do que um partido, porque cria uma própria dinâmica interna dentro do Governo. Há maior equilíbrio e, nesse sentido, também há mais escrutínio interno dentro do Governo. No entanto, sendo pragmático, percebo que um Governo de maioria absoluta não tem necessidade de negociar com outros partidos políticos um conjunto de medidas. Não estou a dizer que não o deva fazer. Voltando atrás, a descida do IRC é um bom exemplo de um Governo que tinha uma maioria absoluta e podia ter aprovado sozinho essa reforma, mas entendeu fazê-lo com o PS exatamente para dar estabilidade para o futuro. Espero deste Governo que haja essa capacidade e sensibilidade para o diálogo, mas também tenho a noção de que cabe agora ao centro-direita essa obrigação perante o seu eleitorado e perante os portugueses de apresentar uma alternativa. O que é um modelo de governação alternativo ao PS? Os partidos terão de fazer essa reflexão. Acho que o CDS terá de fazer essa reflexão e pode ter um papel muito relevante nessa reflexão. E como normalmente um Governo de maioria absoluta inicia e termina o seu mandato, há tempo à direita e centro-direita para criarem essa alternativa. Espero que o CDS tenha a capacidade de poder apresentar essa reflexão.

Mas com menor peso, por não ter representação parlamentar…
É uma enorme dificuldade para o CDS. Sempre foi conhecido por ser um partido que tinha dos melhores grupos parlamentares, que tinha dos quadros mais relevantes no Parlamento e para um partido de quadros não estar representado no Parlamento é certamente difícil. Vai ter de ter capacidade de comunicar através de outras plataformas, mas acredito que há um espaço político que continua a fazer sentido. É o espaço político de um partido de centro-direita, certamente muito preocupado com a criação de riqueza, com o crescimento do país, mas, ao mesmo tempo, preocupado também sobre como é que podemos distribuir essa mesma riqueza, como é que conseguiremos garantir que ninguém fica para trás e que tem uma dimensão social de proteção aos que são mais fracos, mais pobres e aos mais excluídos. Um partido que é um partido nacional que se preocupa com as questões da soberania, do passado de Portugal, mas acima de tudo com o seu futuro e que quer ter respostas para um mundo que é global, que está a girar a uma velocidade muito grande e no qual Portugal não pode ficar para trás. É um partido que se preocupa com muitos portugueses que trabalham, que pagam os seus impostos e que, muitas vezes, sentem que são demasiadamente elevados, mas depois sentem que há muitos contrastes: trabalham, pagam impostos, mas há quem poderia estar a trabalhar e se calhar está a receber prestações sociais. 

Sente que esse discurso de centro-direita não foi compreendido pelos eleitores?
O resultado do CDS foi um mau resultado e isso teve a ver com um conjunto de falhas e de erros. Olhando para o futuro – para a frente e para fora e não para trás e para dentro – continuo a achar que este espaço político faz sentido em Portugal. Acho que há muitos eleitores que se continuam a rever nesse espaço político e se estes eleitores não votaram no CDS o que é que o partido tem de fazer? Saber como é que vai voltar a falar para estes eleitores e encontrar respostas efetivas para os seus problemas. Sempre achei que o papel de um partido político é apresentar soluções para os problemas das pessoas, é encontrar respostas para muitas das questões que as pessoas têm e que no final do dia significará melhor qualidade de vida para todos. O CDS se calhar não teve essa capacidade de apresentar essas soluções, de apresentar essas respostas e os eleitores, nesse sentido, não confiaram no partido. O grande desafio do CDS é voltar a ser merecedor da confiança do voto dessas mesmas pessoas. Os votos não são dos partidos, são sempre de cada uma das pessoas e se o CDS quer voltar a recuperar votos tem de voltar a falar com essas pessoas e dar-lhes confiança.

A saída de vários nomes de peso do partido ainda antes das eleições já ditavam este desfecho? Ou foi uma desagradável surpresa?
Para mim, foi uma desagradável surpresa, mas a verdade é que foram cometidos erros que têm um preço. Não dar a palavra aos militantes do CDS, negando-lhes um congresso que até serviria como uma enorme palco para que pudesse falar ao país, apresentar as suas soluções, as suas ideias, foi um erro muito grande que teve um preço. E ainda por cima teve um preço acrescido porque muitas das pessoas de que está a falar saíram porque não se reviram nessa decisão profundamente errada de cancelar um congresso que estava previsto, que até já tinha sido convocado. 

E esses pesos pesados poderão agora regressar ao partido?
Acho que sim. O CDS tem de voltar a falar e não apenas para os pesos pesados, o CDS tem de voltar a falar para essas pessoas, e estamos a falar de pessoas com enorme qualidade, com enorme reconhecimento na sociedade portuguesa, que engrandecem qualquer partido, mas acima de tudo falar para os eleitores que não confiaram o seu voto ao CDS. É um grande desafio mas o espaço político que o CDS representa não está ocupado por ninguém e, nesse sentido, o CDS faz falta à sociedade portuguesa.

Acredita num regresso do CDS ao Parlamento? Telmo Correia considera sobrevivência do partido ‘extremamente difícil’ mesmo com novo líder e Pires de Lima é mais radical ao dizer que o partido morreu…
Acho que é possível, mas é um caminho difícil. E por que tenho esta esperança e esta convicção? Porque olhando para a sociedade portuguesa e olhando para o que muita gente quer de respostas do ponto de vista do poder político há um espaço que é o espaço do CDS que não está ocupado por mais ninguém. O espaço de uma direita social, uma direita que tem preocupações com o crescimento económico, mas tem acima de tudo preocupações com as pessoas. Uma direita que é humanista, que tem uma enorme preocupação com os mais idosos. O discurso do CDS continua a fazer todo o sentido e se conseguir regressar a esse espaço vai voltar a ser merecedor da confiança das pessoas. 

Tem de ter um discurso mais virado para a componente social?
Isso é absolutamente essencial, muito especialmente num país como Portugal. Temos três milhões de pensionistas, temos de conseguir falar estruturalmente para essas pessoas, encontrar soluções para os seus problemas. Temos 1,2 milhões de pessoas com o salário mínimo, os salários médios muito esmagados – com esta subida do salário mínimo, têm valores muito baixos. Como conseguimos falar com estas pessoas? Temos de ter um discurso que seja percetível e que mostre que o crescimento da economia vai gerar mais riqueza e mais riqueza pode ser distribuída por estas pessoas. É muito importante explicar às pessoas que, com a dívida pública que temos, com a despesa pública que temos, o Estado vai permanentemente absorver muitos recursos que está a retirar à economia, logo está a retirar às famílias. Acho que esse é o discurso natural do CDS, sempre com uma grande preocupação do ponto de vista social, da proteção social de muitos que são fracos, pobres e excluídos. Esse discurso continua a fazer todo o sentido e esse espaço político continua a fazer sentido. Por isso digo que o CDS faz falta a Portugal, porque é o único partido que consegue estruturalmente apresentar esse caminho. 

E os votos foram desviados para onde?
Para o PSD, mas estou muito mais preocupado em como é que o CDS consegue recuperar esses votos. O que é que o CDS tem de fazer para voltar a ser um partido que dê confiança a essas pessoas, como já o fez no passado.

Mas agora o CDS vê-se a braços com enormes dívidas…
Não conheço pormenores, mas esse também é um desafio para a próxima direção do partido. Mas ao mesmo tempo, vejo hoje muita gente a olhar para o CDS com alguma esperança, que quer estar no partido, que se quer inscrever. Há um caminho a fazer e tendo o CDS a capacidade de ocupar esse espaço político vai conseguir fazê-lo, ainda que seja, um caminho difícil por não estar na Assembleia da República, por ter menos palco de intervenção. E aí Nuno Melo tem uma grande vantagem. É eurodeputado, tem uma capacidade própria de poder intervir, de poder apresentar soluções, ideias, de questionar muitas matérias que acontecem no plano europeu e são muito importantes para o plano nacional. Nuno Melo deve pegar nos destinos do CDS e até demonstra coragem por ser um dos momentos mais difíceis da história do CDS e responder que está presente e está disponível para ajudar.

Mesmo que implique ter de sair da sede?
É uma matéria que as direções do partido têm de tratar e de perceber como é que o CDS se reajusta a esta nova circunstância, mas tenho a certeza que se vão encontrar soluções.

Assistiu à retirada da placa do CDS no Parlamento?
Vi nas televisões e vi com mágoa. Tenho a noção que o palco parlamentar sempre foi um palco muito importante do CDS. Tive esse privilégio de ser deputado e até de ser líder parlamentar e percebi naquela imagem que um partido como o CDS continua a fazer sentido em Portugal, que um partido como o CDS faz falta a Portugal. 

Integrou um Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas durante a intervenção da troika…
Muitas das medidas que tomámos não eram da nossa convicção. Eram uma obrigação contratual. Tínhamos um memorando de entendimento com os credores portugueses e sabíamos que tínhamos de o cumprir. De qualquer forma, muitas das escolhas foram influenciadas pelo CDS e isso foi evidente quando foi feito o programa de Governo. Para nós sempre foi absolutamente essencial que – mesmo num cenário, em que as pensões no memorando de entendimento tinham ficado congeladas – conseguiríamos garantir que os pensionistas com valores mais baixos continuavam a ter aumentos. Estávamos a falar de aumentos extraordinários das pensões mínimas e estávamos a falar de cerca de um milhão de portugueses com pensões muito, mas muito baixas que, num quadro em que se pedia sacrifícios a todos, não se podia pedir mais sacrifícios a pessoas que tinham pensões abaixo de 300 euros. A marca do CDS vê-se, muitas vezes, em matérias como estas. Uma preocupação muito grande em descer a carga fiscal, em poder reduzir alguns impostos que já foi evidente na segunda fase da legislatura, não na primeira porque isso seria impossível.

Mas assistimos ao famoso aumento colossal de impostos…
Na primeira fase da legislatura sabíamos que tínhamos de cumprir as obrigações do Estado português e a obrigação maior era pôr em ordem as contas públicas. Numa segunda fase da legislatura foi muito importante o CDS tomar um conjunto de medidas que permitisse também haver um desagravamento de alguns impostos. 

Foi um Governo alvo de críticas ao ser considerado mais papista do que o Papa, ou que queria ser o melhor aluno da Europa…
Tenho muita honra em ter pertencido a um Governo que permitiu que se resgatasse Portugal da bancarrota ou uma possível bancarrota e que devolvesse a soberania ao país. Tenho muito orgulho nisso. Foi certamente um tempo muito difícil, foi um tempo em que os maiores heróis foram os portugueses porque tiveram de suportar muitos sacrifícios, mas que em conjunto conseguiram retirar Portugal de uma situação dificílima, em que não tínhamos sequer dinheiro para pagar as responsabilidades do Estado português. Estamos a falar de responsabilidades na área da saúde, da Segurança Social, da educação e da segurança das pessoas. E passado quatro anos e meio, Portugal já voltava a estar a crescer do ponto de vista económico, o desemprego estava em queda muito acentuada e criaram-se condições para que nos anos subsequentes houvesse crescimento económico. Do ponto de vista externo, Portugal voltou a poder ir aos mercados, emitir dívida pública, o que não era possível em 2011. Sinto que tive o privilégio de poder fazer o melhor que sei pelo meu país para resgatar Portugal. É importante que, às vezes, nos lembremos como é que Portugal ficou colocado perante essa bancarrota: falta de reformas que nos levou a erros políticos trágicos e à bancarrota.

O seu Governo foi sujeito a vários movimentos como ‘Que se lixe a troika’. Agora perante um Governo maioritário a revolta poderá regressar às ruas?
Num Governo de maioria absoluta tendencialmente acaba por haver mais conflitualidade do ponto de vista social. Percebo que isso possa acontecer de alguma forma, mas era importante que os movimentos sindicais não fossem movimentos partidários. Era importante que uma central sindical não fosse se calhar o braço partidário de um partido e já agora que um partido político não fosse o braço político de uma central sindical, porque acho que isso acaba por diminuir o diálogo social e sou grande defensor do diálogo social e no modelo social europeu, um dos melhores contributos que temos, é essa capacidade de diálogo entre empregadores, trabalhadores e o próprio Governo. O avanço de uma sociedade passa muito por aí.