À Cavaco. Costa guarda novo Governo

Líder tem estrutura do futuro Governo definida, nomes escolhidos – onde se incluem os seis ‘ases’ do PS – e preparava-se para formalizar os convites. Teve de meter tudo na gaveta por mais umas semanas. Costa segue o mesmo método que Cavaco usava para formar os seus gabinetes.

António Costa já assumiu que, face à necessidade de repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa, o processo de formação do Governo também sofreu um adiamento e os convites que tencionava formalizar este fim de semana aos ministros do seu futuro Governo ficam em standby. O primeiro-ministro indigitado já tem a estrutura do gabinete e os respetivos nomes ‘fechados’ na sua agenda pessoal, mas, desta vez, seguiu o exemplo de Cavaco Silva e mantém tudo sob reserva absoluta. Como? Desenhou a orgânica do futuro gabinete, elencou nomes para as pastas, até já os sondou sobre a disponibilidade para integrarem o Executivo, mas sem lhes revelar pormenores nem formalizar o convite. Era assim que Cavaco fazia quer os seus Governos quer as remodelações.

Tal como o Nascer do SOL noticiou na sua edição passada, os seis ‘ases’ do PS – Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Mariana Vieira da Silva, Duarte Cordeiro e José Luís Carneiro – integrarão o elenco, mas nem os próprios têm ainda a certeza do lugar que o líder lhes destinou.

Mais certo é que o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, se juntou esta semana ao lote dos ‘indisponíveis’ para continuar, onde já se encontravam Francisca Van  Dunem, Graça Fonseca ou Augusto Santos Silva.

Tudo baralhado Votações a repetir, Parlamento adiado, Governo por formar e um país a duodécimos pelo menos metade do ano. Foi este o cenário de atraso sem fim à vista que tirou o tapete ao calendário de António Costa. Aquilo que parecia um dado adquirido, facilitado pela maioria absoluta, e que, aliás, chegou a ser dado como garantido por Marcelo, caiu por terra.  

Bastou uma decisão do Tribunal Constitucional e, por consequência, o adiamento da repetição do ato eleitoral no círculo da Europa para meio de março – à revelia da lei eleitoral –, para que a inauguração do novo ciclo político ficasse congelada.

Na origem da confusão em torno da contagem dos votos dos emigrantes, que acabou com a nulidade da eleição no círculo da Europa, esteve um ‘acordo de cavalheiros’ – «grosseiramente ilegal» como viria a classificar o TC –  que, depois das eleições, virou desacordo. De uma reunião, a 18 de janeiro, na secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, em Lisboa, – onde apenas marcaram presença o PS, PSD, IL, Aliança, BE, CDU, Livre e Volt –, saiu, de forma unânime, o convénio que nos arrastaria para este desfecho inevitável.

«Aceitar como válidos todos os boletins […] mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão de cidadão ou bilhete de identidade, já que a ‘remessa pelo eleitor de cópia de documento de identificação serve, afinal e apenas, como reforço das garantias do exercício pessoal do voto’», uma opção que a própria CNE subscreveu numa deliberação, ignorando aquele que é um requisito estipulado pela lei eleitoral.

Contudo, o tal ‘acordo de cavalheiros’ só resultaria se nenhum dos envolvidos o contestasse. Só que, para ingenuidade de todos, o PSD decidiu voltar atrás na sua posição e decidiu rejeitar votos que não viessem acompanhados por BI ou Cartão de Cidadão com base num parecer jurídico interno. E mais: na quinta-feira, os sociais-democratas decidiram avançar com uma queixa-crime contra membros das mesas de voto do círculo da Europa por «conduta dolosa» na contagem dos votos da emigração.

A partir do momento em que há um processo contencioso, os boletins de voto devem ser colocados à margem até que se tome uma decisão sobre a validade dos mesmos. Mas aconteceu o pior: os votos sem cópia de documento de identificação acabaram a ser colocados em urna, misturando válidos e nulos e tornando impossível a segregação de uns e outros.

Chamado a decidir a validade do ato eleitoral, praticamente um mês depois do dito acordo, o Tribunal Constitucional constatou o óbvio: os partidos não podem julgar-se na faculdade para deliberar sobre os requisitos de validade do voto sem alterarem a lei eleitoral e, caso pretendessem que todos os votos fossem contados, deveriam ter tido o cuidado de alterar a lei oportunamente. Anulados 157.205 votos em 151 mesas de um total de 195.701 votos do círculo da Europa – o equivalente a mais de 80% –, o TC ordenou a repetição do ato eleitoral onde se tinha dado a confusão. Pela lei, a repetição das eleições deveria acontecer no segundo domingo posterior à decisão do TC, ou seja a 27 de fevereiro. No entanto, a necessidade de acautelar os votos por correspondência, um direito dos eleitores residentes no estrangeiro, empurrou a data para 12 e 13 de março, com os votos por correspondência a serem considerados se recebidos até dia 23 de março. Desde a impressão dos boletins de voto, o envio, receção e a contagem dos mesmos, todo este processo seria impraticável em apenas duas semanas, tendo a CNE aprovado um aditamento ao mapa calendário, por lacunas no mecanismo legal que apenas está desenhado para uma repetição da votação em contexto presencial, não estando contemplada uma situação deste género acontecer nos círculos da emigração, onde a grande maioria dos eleitores vota por via postal.

Um mês de atraso, no mínimo Além disso, já não bastasse este atraso, esta megaoperação foi ainda alargada às mesas cujos votos não tinham sido anulados pelo TC, abrangendo a totalidade dos cerca de 900 mil eleitores recenseados neste círculo.

Com a vida adiada, o novo Executivo que ia tomar posse para a semana, no dia 23 de fevereiro – data que Marcelo Rebelo de Sousa tinha como certa –, já só o poderá fazer no final de março ou início de abril, dependendo se o Presidente da República coloca fim ao impasse a mata-cavalos. Esta sexta-feira à saída de uma cerimónia na Reitoria da Universidade de Lisboa declarou que não ter «nada a dizer até ao dia 29 de março», sugerindo que essa será a data possível para a posse.

Caso o mapa final de resultados seja publicado a 25 de março – uma previsão da CNE, caso não haja mais processos contenciosos –, o Parlamento reúne-se três dias depois, conforme estipula a Constituição, ou seja, a 28 de março. A posse do Governo pode realizar-se logo no dia seguinte, se Marcelo assim o entender. 

Até lá, vive-se no limbo pelo menos durante um mês, com reajustes ao calendário do primeiro-ministro, que se preparava para formalizar já este fim de semana os convites para o Governo e escolher o candidato a Presidente da Assembleia da República, cujo nome apontado deverá ser mesmo Augusto Santos Silva, tal como já tinha avançado o Nascer do SOL, no início do mês.

Na agenda, segue-se a apresentação do programa de Governo. E só quando este estiver legitimado na Assembleia da República é que o Governo entra em plenas funções e pode entregar o seu Orçamento para 2022, que, neste momento, é a maior preocupação do núcleo duro do primeiro-ministro (ver texto nesta página).