Um edifício fantasma no coração de Lisboa

Executivo queria converter 263 imóveis, até 2023, em residências universitárias. Agora o objetivo é fazê-lo até 2026. Um destes edifícios é a antiga sede do Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro.

Na manhã de 22 de abril de 2019, o Governo procedeu à entrega simbólica do antigo edifício do Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, para a concretização do Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (PNAES). A promessa era requalificar 263 imóveis até 2023. No entanto, de acordo com cartazes afixados naquela que foi a sede da tutela durante décadas, esta obra só estará terminada em 2026. Isto é, com três anos de atraso.

«Além do antigo edifício do Ministério da Educação, serão integradas quatro pousadas da juventude, encerradas na legislatura anterior. Uma escola e um conjunto de edifícios que já foram residências de estudantes do ensino básico e secundário integrarão igualmente este Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior», lia-se numa nota divulgada pelo gabinete de Tiago Brandão Rodrigues, que esteve com o primeiro-ministro, três ministros, um secretário de Estado e o presidente da Câmara no evento que assinalou o arranque do projeto.

A ideia inicial era este plano abranger 42 concelhos e fossem disponibilizadas mais 11.500 camas para estudantes das universidades e dos institutos politécnicos que estivessem deslocados de casa. O então secretário de Estado do Ensino Superior, João Sobrinho Teixeira, frisou na altura que dali a 10 anos os estudantes teriam 30 mil camas.

«O PNAES trata-se de uma estratégia nacional que visa, na próxima década, a duplicação do número de camas a preços acessíveis para estudantes deslocados do ensino superior, estando previsto numa primeira fase a disponibilização de mais de 12 mil camas em todo o país até 2022», dizia por sua vez o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), em comunicado de 21 de abril de 2019.

«O Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior é o resultado do casamento de duas das mais importantes reformas estruturais que temos desenvolvido nesta legislatura: a qualificação, através do aumento significativo de jovens no ensino superior e a nova geração de políticas de habitação», afirmou António Costa quando discursou na apresentação do projeto de reconversão do antigo edifício-sede do Ministério da Educação.

O primeiro-ministro lembrou a meta de «termos uma década de convergência com a União Europeia», destacando que «para podermos convergir como fizemos desde 2017, é fundamental investir cada vez mais na melhoria dos nossos recursos humanos», pois apenas com estes «poderemos continuar a ter uma economia assente na inovação que é a chave para sermos competitivos externamente e convergir com a União Europeia, crescendo acima da média da União Europeia».

Para isto, «temos que ter mais estudantes no ensino superior e a meta a que estamos obrigados, até 2030, é, entre os jovens com 20 anos, subirmos de 40 para 60% na frequência do ensino superior», continuava, dizendo que «é um esforço muito grande, que começa no pré-escolar – daí a prioridade que definimos de universalização do pré-escolar a todos as crianças com 3 anos – prossegue com a redução do abandono escolar precoce – que baixou de 44% para 11% ao longo da última década – e continua com a criação de condições para que mais estudantes entrem no ensino superior».

Promessas por cumprir Independentemente do prazo estipulado, no início de fevereiro, o Governo apresentou o programa de alojamento estudantil ao abrigo do plano de recuperação e resiliência (PRR). À época, em comunicado, o MCTES indicou que a dotação total está fixada em 375 milhões de euros, a executar até junho de 2026, com o intuito de «alargar a oferta atual do alojamento estudantil em mais 15 mil camas a preços acessíveis a disponibilizar através de residências para estudantes do ensino superior, ao abrigo do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior».

E o problema tem vindo a agudizar-se: não somente na capital, mas também noutras regiões do país. A título de exemplo, em setembro de 2019, o i noticiava que das 30 mil camas previstas, em todo o país, até 2030, 600 ficariam acessíveis naquele ano letivo. A informação havia sido avançada pela tutela, porém, segundo os estudantes, estes «números ficam bem longe das necessidades reais, estimando que todos os anos há cerca de 120 mil estudantes deslocados». As associações de estudantes de várias universidades do país apontavam «que há mais de 30 anos que não tem sido feito qualquer reforço ao número de camas disponíveis em residências». Naquela altura, o MCTES pretendia que, em 2023, existissem, especificamente, mais 186 camas em Lisboa e 261 no Porto.

Já em setembro de 2020, o ano da chegada a Portugal do novo coronavírus, estava planeada a criação de 2.500 camas, mas esse número ficou por alcançar: surgiram apenas mais 300. Porém, como o i também veiculou, através da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), o Executivo assinou protocolos com hotéis e unidades de alojamento local para reforçar a oferta. Ao todo seriam «disponibilizadas mais 4500 camas, que pretendem responder à perda de 15% de camas que eram disponibilizadas em residências universitárias – totalizando agora 12 855 – na sequência das regras de distanciamento determinadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS)».

Utilizando como exemplo a tabela de preços praticada pela Universidade de Lisboa no ano letivo em vigor, que é aquela que se encontra disponível para consulta, vemos que os preços compreendidos entre os 219 e os 285 euros, de camas nas unidades hoteleiras, vão ao encontro de alguns praticados atualmente, mas importa ter em conta que o alojamento estudantil voltou aos preços pré-pandemia. Ou seja, escalaram, o que revela que os universitários que não eram bolseiros fizeram uma ginástica orçamental ainda maior em 2020.

Contudo, o Instituto Politécnico de Coimbra inaugurou uma residência para 26 estudantes e a Universidade do Porto criou um espaço para 35 camas na antiga Messe de Sargentos do Exército. De acordo com dados do Observatório digital do alojamento estudantil e Protocolos de Alojamento, no ano letivo 2019/20 existiam 15.073 camas em residências, sendo este valor de 12.855 no seguinte. O valor das ‘Outras camas através de protocolos com instituições privadas e autarquias’ aumentou de 892 para 1.100 e a ‘Disponibilização de camas por alojamentos locais e hotéis’, que surgiu em 2020, levou a que o total passasse de 15.965 para 18.455.

Importa notar que por meio do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), o Governo quer lançar, no próximo ano, concursos para 7.000 camas, a que corresponde a um investimento de 85 milhões de euros. Tal foi adiantado numa nota explicativa do Orçamento do Estado para 2022 do Ministério da Ciência e Ensino Superior, de novembro de 2021, em que era igualmente discriminado que 937 camas haviam sido intervencionadas em 2019 e 406 em 2020. Destas, apenas 38 ficam na área metropolitana do Porto e nenhuma em Lisboa, apesar de serem estas cidades as que mais necessitam.

«Encontra-se aberto, até 28 de Fevereiro de 2022, o prazo para apresentação de manifestações de interesse pelos promotores, apresentando propostas de projetos de residências para estudantes do ensino superior», anuncia o site oficial do PNAES. De seguida, lê-se que «até 25 de Março de 2022 será lançado o convite para a apresentação de candidatura». Mas em que ponto estão e ficarão projetos como o da antiga sede do Ministério da Educação?

O Nascer do SOL contactou o Ministério da Educação, o MCTES e o Ministério das Infraestruturas e Habitação. O primeiro esclareceu que, aquando da entrega simbólica da chave do edifício, em nada mais esteve relacionado com o assunto. Por seu lado, até à hora de fecho desta edição, o MCTES e o Ministério das Infraestruturas e Habitação não responderam.