Putin, Make Russia Great Again

A Europa devia ter dado mais ouvidos a Trump quando este alertou para os perigos da excessiva dependência energética da Rússia 

Mão amiga fez-me chegar um texto de Mário Soares, publicado em 2015, no qual o antigo Presidente, a propósito das cerimónias evocativas do fim da II Guerra Mundial nesse ano, sublinhava que Vladimir Putin, «na presença somente do Presidente chinês Xi Jinping – os europeus este ano faltaram à cerimónia – fez desfilar toda uma enorme parada militar, digamos impressionante, a maior desde o fim da União Soviética». E Soares, escrevendo que os líderes europeus «não aceitaram o convite, invocando o conflito no Leste da Ucrânia e acusando o Presidente russo de continuar a apoiar os separatistas pró-russos», concluía que «Putin é um homem perigoso», antecipando o que está a passar-se hoje na Ucrânia, na Europa, no Mundo.

Mário Soares era um político visionário.

Hoje, ainda que muitos continuem a não querer ver o que está a acontecer – e o PCP deu disso prova na sessão parlamentar condenatória da invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, assacando responsabilidades maiores aos Estados Unidos e à NATO -, não falta quem também agora recorde a razão que, afinal, tinha Donald Trump quando bateu o pé à duplicação do gasoduto de Nord Stream e acusou a Alemanha e a França de aumentarem a dependência energética da Europa em relação à Rússia, enquanto os Estados Unidos e os contribuintes norte-americanos continuavam a pagar a fatura mais pesada do financiamento da NATO.

Donald Trump podia ser muito de tudo o que de mau se disse sobre ele. E era. 

Mas de burro não tinha nada (que néscio conseguiria manter o poderio do seu grupo económico durante décadas e chegar à Casa Branca?).

A verdade é que, quando foi eleito Presidente dos Estados Unidos com o slogan MAGA – Make América Great Again, não faltaram profetas da desgraça alertando para o perigo de deixar nas mãos de um homem como Trump o poder, a última decisão, os códigos ou o ‘botão’ de ativação do arsenal nuclear norte-americano.

E esse risco, ou melhor, esses fantasmas foram agitados tanto internamente como pelo mundo inteiro e, em particular, na Europa. Onde o seu discurso era apontado pela esmagadora maioria dos comentadores e especialistas em Direito Internacional como não permitindo antever um quadro de estabilidade e de paz.

Nada de mais errado.

Com posições de força ou por vezes até radicais, a verdade é que Donald Trump manteve ao longo de todo o seu mandato um invulgar clima de paz no mundo, quer no braço de ferro permanente com a toda poderosa China, quer com a sempre tensa relação com a Rússia de Vladimir Putin, quer no controlo da capacidade nuclear do Irão ou, até, na desmistificação da Coreia do Norte de King Jom-un.

Historicamente, vale a pena recordar que Donald Trump foi buscar inspiração para o seu slogan de campanha às palavras de ordem com que Ronald Reagan conquistara o eleitorado americano na década de 80 do século passado: Let’s Make America Great Again.

Curiosamente, foi essa Administração norte-americana sob a liderança do antigo ator de filmes de cowboys quem melhor conduziu a Guerra Fria, primeiro com Leonid Brejnev, que entreabriu a porta às relações com a Europa, depois com Andropov e Chernenko e finalmente com Mikhail Gorbachev. Como, com este último, foi esse 40.º Presidente norte-americano quem apoiou a Glasnost e a Perestroika que culminariam na queda do muro de Berlim e na desintegração da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, acabando com a Cortina de Ferro.

Um mundo que Putin está apostado em recuperar, numa empreitada militar que começou com a anexação da Crimeia (ainda no mandato de Barack Obama) e recomeça agora com a invasão da Ucrânia, contra todas as regras do Direito Internacional, contra toda a ética da diplomacia e das relações internacionais, contra todos os ditames dos Direitos Humanos.

Bem pode o Ocidente – e Joe Biden – dizer que as sanções à Rússia, ou mesmo a Vladimir Putin, são as mais severas e pesadas de sempre.

Chegam tarde. E veremos se são eficazes.

Donald Trump já as considerou demasiado brandas, quando veio dizer que, com ele na Casa Branca, a Rússia de Putin não teria invadido a Ucrânia.

Provavelmente, e como previa Soares, a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin seria inevitável, mais cedo ou mais tarde; mas lá que Trump tinha razão quando alertou a Europa – e especialmente a Alemanha – para o perigo de se deixar ficar energeticamente refém da Rússia, lá isso, tinha.

E quem pensou que Trump estava apenas a defender os interesses comerciais dos Estados Unidos enganou-se.