Maria é ucraniana e Andrey é russo. “Como é que Putin consegue provocar isto e continuar a vida dele?”, perguntam

“Queremos ajudar, fazer aquilo que está ao nosso alcance. Não conseguimos estar perto nem abraçá-los, mas fazemos tudo o resto. Estamos a preparar refúgios para quem vem para cá. Falamos com pessoas que nos oferecem auxílio”, conta ao Nascer do SOL o casal.

"Os meus pais não conseguem sair da cidade. Conseguiram abrigar-se ao início, pensavam que podiam fugir, mas começaram a cair bombas em toda a cidade de Mariupol. Está mesmo a ser um genocídio. As cidades que estão na fronteira sofreram muito. Há muitas sem água, gás, etc. Ontem restabeleceram a eletricidade", começa por explicar, em declarações ao Nascer do SOL, Maria Ivanishcheva. A jovem ucraniana – natural de Krasnyy Luch – de 33 anos é casada com Andrey Ivanishchev, de 32, que conheceu há 11 anos na décima maior cidade da Ucrânia. Enquanto os familiares da professora de Matemática de formação esforçam-se por sobreviver, os do engenheiro informático "correm pela vida" divididos entre a Ucrânia e Tula, na Rússia.

Recuando no tempo: após três anos de namoro à distância, casaram em 2014. "Foi a parte mais difícil, muito desafiante. Tivemos dificuldades no Euromaidan e havia o exército russo a entrar. Quando cheguei, a cidade foi invadida. Há familiares da Maria que tiveram de ficar lá durante anos por não conseguirem sair", refere Andrey – que vive em Portugal desde os 13 anos e conheceu Maria quando se encontrava de férias -, recordando igualmente que a celebração do matrimónio coincidiu com a invasão de Donetsk e Lugansk. Por isso mesmo, casaram em Mariupol e, como menciona, os convidados foram impedidos de regressar a casa pelo exército ucraniano.

"Nunca fomos discriminados por sermos de nacionalidades distintas. Não conhecemos ninguém que tenha sido. Isto foi ideia de um único homem! Há russos que dizem que sofrem connosco e têm vergonha daquilo que está a acontecer. Vivem em ditadura: não os culpo, percebo que há uma pessoa que decidiu começar uma guerra", lamenta Andrey, indicando que tem conhecimento de que há russos, residentes na Ucrânia, "que combatem os invasores, ou seja, os conterrâneos". "Não precisamos de ser libertados de nada, eles é que precisam! O Governo tem medo, por isso é que vive atrás de portas blindadas", diz Maria, enquanto se ouvem os filhos do casal, de 1 ano e meio e 4 anos, a brincar.

"Nunca vimos ninguém com tanta coragem, Zelensky é o novo herói da Europa. Temos tanto orgulho naquilo que ele está a fazer! Eu não imagino a pressão psicológica que ele está a sofrer e aparece, motiva o exército, não desiste. Aquilo que acontece agora em Kiev é aquilo que quiseram sempre fazer e desejam: matar o Presidente", critica Andrey, apontando que "todos aqueles que têm dinheiro e poder saíram do país, mas ele continua lá". "Não vai acontecer nada nas negociações, não acredito numa única palavra de Putin: por exemplo, primeiro disse que não atacaria civis, mas isso já se verificou. Vale a pena fazer negociações com uma pessoa assim?", pergunta, a seu lado, a ucraniana.

"E ainda há outra agravante: Lukashenko é uma marioneta de Putin e não diz ou faz nada sem a autorização dele", concordam, referindo-se ao dirigente que é considerado o maior aliado de Putin. Como o i noticiou esta manhã, "por um lado, a Bielorrússia está completamente alinhada com o Kremlin, chegando a ceder o seu território como ponto de partida da invasão, além de ter decidido num referendo – repleto de irregularidades, como nos habituou o regime de Aleksander Lukashenko – renunciar ao seu estatuto não-nuclear, abrindo caminho a que ogivas russas lá sejam estacionadas".

"Estamos a fazer uma campanha de angariação de fundos. Somos d'A Casa da Cidade e esperamos juntar dinheiro para organizações não governamentais que conhecemos e sabemos que vão realmente ajudar os ucranianos", conta o casal que, nos primeiros tempos, viveu nas Olaias, em Lisboa, e agora reside na Póvoa de Santa Iria, em Vila Franca de Xira. "Estamos de coração apertado e em oração pelas vítimas deste conflito entre a Rússia e a Ucrânia e entendemos que devemos fazer parte da resposta às orações que fazemos. Por favor, vejam o vídeo abaixo e juntem-se a nós num esforço de oração e ajuda financeira significativa, de forma a conseguirmos apoiar várias famílias com quem temos estado em contacto", lê-se no site oficial da Igreja Protestante, que partilha o IBAN PT50 0033 0000 4528 5301564 05 e o BIC/SWIFT: BCOMPTPL (com a palavra UCRÂNIA no descritivo) para quem quiser ajudá-la a chegar àqueles que mais precisam.

"Queremos ajudar, fazer aquilo que está ao nosso alcance. Não conseguimos estar perto nem abraçá-los, mas fazemos tudo o resto. Estamos a preparar refúgios para quem vem para cá. Falamos com pessoas que nos oferecem auxílio. E digo que hoje sou português com muito orgulho!", exclama Andrey, partilhando que os filhos se apercebem "de que algo está errado, levam com a pressão por tabela". "Veem-nos chorar e fazem perguntas. Tentamos explicar não escondendo, mas também não contando tudo", confessam ambos, afirmando, a título de exemplo, que o filho mais velho queria uma pistola de brincar e não lha deram.

"Como é que Putin consegue provocar isto e continuar a vida dele? Ainda ontem estávamos a jantar e refletimos acerca do quotidiano deste homem: ele consegue comer, beber, ver televisão, tomar banho, o que seja, de consciência tranquila?", perguntam. "Vemos aquilo que está a acontecer e não sabemos quem é aquela pessoa. Achamos que nem os próprios aliados sabem aquilo que lhe vai na cabeça".