O que hoje é verdade… amanhã nem tanto!

Entendeu o Chefe de Estado que, nas condições que então se verificavam, a rejeição do Orçamento , equivalia á verificação de um não «normal funcionamento das instituições democráticas» o que justificava, em seu entender, a interrupção da legislatura.

Quando em 27 de outubro, a AR chumbou o OE para 2022, os partidos sabiam ao que iam.

Com efeito o Sr. Presidente da República, de forma pública e, seguramente, nas reuniões que teve com os partidos, anunciou que o chumbo do Orçamento implicaria a dissolução da Assembleia da República.

Entendeu o Chefe de Estado que, nas condições que então se verificavam, a rejeição do Orçamento , equivalia á verificação de um não «normal funcionamento das instituições democráticas» o que justificava, em seu entender, a interrupção da legislatura.

Aparentemente, quase todos os partidos aceitaram esta doutrina, pois nada fizeram para a contrariar, seguros que estariam de retirar vantagens de uma ida antecipada às urnas.

Se a lógica política ainda vale alguma coisa, era evidente que o PS dificilmente seria prejudicado (a dúvida era apenas sobre a extensão de benefícios que podia colher), e era claro que os partidos de esquerda que sustentaram, durante seis anos, a geringonça, sairiam fortemente penalizados. O PSD estava metido num dilema complexo cuja resolução exigia uma liderança inteligente e flexível que dificilmente se ‘adivinhava’ face à fragilidade da oposição exercida nos cinco anos anteriores.

O PSD acabou por cair, ingenuamente, na armadilha que lhe armaram. É certo que os social democratas tinham definido um voto contra, baseado no argumento, recorrentemente usado pelo primeiro-ministro, António Costa, de que «quando o PS precisasse do voto do PSD o Governo tinha de se demitir».

Ora era exatamente pela invocação desse argumento que o PSD tinha oportunidade de viabilizar o documento (bastava a abstenção), convergindo no interesse nacional que várias vezes invocou noutras ocasiões (nem sempre corretamente) e testando, dessa forma, a sinceridade dos argumentos do Governo.

Se António Costa se demitisse perante um Orçamento aprovado, o ónus da instabilidade cairia seguramente sobre o PS e a evolução política do país seguiria trilhos totalmente diferentes dos previsíveis para os próximos tempos.

Melhores? Piores? Isso é um exercício de adivinhação que só está ao alcance dos ‘verdadeiros artistas’ mas que, decididamente não deixou de ser feito, se calhar com motivações diferentes, pelos dois principais protagonistas desta proto-clarificação.

Dir-se-á que isso é passado e que a página já foi voltada, mas para se perceber o que está para vir nos próximos tempos, não podemos ignorar o que se passou.

Marcelo Rebelo de Sousa alertou, ameaçou e cumpriu, dissolvendo a AR; a questão que se pode discutir é se o fez com propriedade, nomeadamente no que respeita ao tempo e ao ritmo. (Qual era a pressa?).

A razão principal para o timing definido para a dissolução e consequente convocatória de eleições quase imediatas, foi a necessidade de normalizar a política orçamental do país, que não ‘poderia’ permanecer indefinida para lá do primeiro trimestre do ano.

Nesse sentido foi escolhida uma data (30 de janeiro) que pretendia agradar a todos e terminou por não agradar a ninguém, com exceção, claro, do partido vencedor.

Os partidos de direita e centro direita foram apanhados em processos de organização interna e as próprias instituições nomeadamente a AR, mas também a Comissão Nacional de Eleições, não corrigiram os erros legislativos e administrativos do passado que impediram um escrutínio mais justo, participado e transparente.

O resultado está à vista: a trapalhada com os votos dos emigrantes, facilmente previsível e indicadora de um ‘desprezo’ absoluto do voto do exterior, atrasa a regularização da ‘crise’ e consequentemente da política orçamental, pelo menos por mais três meses.

Curiosamente ninguém ou quase ninguém (Presidente da República e ministro das Finanças incluídos) se preocupam agora com a subsistência do regime duodecimal.

E fazem bem porque ao contrário do divulgado como verdade inabalável, o regime de duodécimos, durante um período aceitável, já não é um obstáculo intransponível.

A disciplina financeira evoluiu pois, muitos dos recursos financeiros dos países não estão subordinados a regras tão rígidas. O caso português é ainda especial porque a política de cativações dos últimos anos, que serviu simultaneamente para cumprir compromissos europeus e tornear as exigências insuportáveis dos partidos da ‘geringonça’, é uma almofada de segurança para 2022.

Por isso, apesar do que ‘ontem era verdade, hoje não ser tanto assim’ é necessário encarar a política de uma forma diferente e eliminar tiques de autoritarismo que já começam a surgir.

Em democracia, as exclusões políticas são intoleráveis; não apenas pelo princípio mas também pelo arbítrio na definição de quem deve ser cercado.

O isolamento do partido de extrema direita em Portugal é um erro crasso que, se não for corrigido, pode cobrar um preço elevado num futuro próximo.

Basta aliás atentar no que se passa atualmente em Espanha onde o ‘cercado’ Vox já aparece em quase todas as sondagens na segunda posição, a ‘morder os pés’ ao partido socialista e uma evolução semelhante ocorre também em muitas democracias da União Europeia.

Finalmente quando se cerca uma parte do sistema partidário, pode estar a abrir-se o caminho a que se excluam, no futuro, outras parcelas da representatividade popular. Aberto o precedente, basta que se altere a correlação de forças para que tal possa suceder.

Isso só não sucedeu com o PCP, depois de 25 de Novembro de 1975, porque Mário Soares, Melo Antunes e outros o impediram com inteligência e sentido patriótico.

E não deve suceder agora com os setores extremistas que negam princípios e compromissos constitucionais da República portuguesa, apoiando abertamente as agressões de Putin.

Concluindo, apesar da situação política que resultou das eleições não ser um berbicacho é evidente que constitui um enorme embaraço para o Presidente da República.

Só depende dele e da sua ação não ficar reduzido a uma simples nota de pé de página na história contemporânea do pais.