A subida de preços já se sente, continua e pode não ficar por aqui

Os portugueses já notam o aumento dos preços principalmente nos produtos de primeiro necessidade mas não só. E a guerra entre a Rússia a Ucrânia bem como a seca só vêm piorar a situação, dizem analistas ouvidos pelo i. APED confirma aumentos mas garante que era impossível contornar a situação.

Manuela Silva é presença assídua em supermercados. Gosta de aproveitar as promoções. Mas, garante ao i, só compra aquilo que precisa para alimentar não só a sua boca mas a de três filhos e do marido. As compras, conta-nos, são feitas semanalmente, “principalmente por causa da carne e do peixe”, que gosta de comprar frescos. E, numa altura em que se fala tanto do aumento de preços, esta doméstica não deixou de o notar. “Costumo apanhar várias promoções e assim vou poupando”, diz. Mas, ainda assim, nota crescimento de preços em produtos como o azeite ou os ovos e a carne ou o peixe.

Apesar de garantir que os preços aumentaram, é clara: “O salário mínimo também subiu e não podíamos achar que saíamos da pandemia sem uma consequência deste género”. Agora o importante é “fazer contas e ver onde se pode poupar”.

Maria Ferreira é da mesma opinião: “Sabíamos que a pandemia ia trazer consequências a vários níveis, aqui está uma delas”. No seu caso, o aumento que nota mais é nas massas que, garante, cresceram na ordem dos “30 ou 40 cêntimos por pacote”. Mas não só: ovos, arroz, café moído, bolachas, cereais ou manteigas são produtos que, na opinião desta consumidora, aumentaram, nos últimos meses, “vários cêntimos”. Mas onde os preços “dispararam mesmo”, na sua opinião, foi nas frutas e nos legumes. “Não é só a pandemia, a seca também é um problema real. E claro que ia acabar por bater à porta do consumidor”, defende. 

Junto dos consumidores com quem o i falou, a opinião é unânime: “As pessoas não vão deixar de comprar o básico, porque precisam dele para viver. Mas que muitos portugueses vão ter que fazer contas de cabeça e apertar o cinto, lá isso vão”. Quem o diz é Jorge Correia, que saía do supermercado com um saco cheio. “São as compras da semana e deixei aqui quase 50 euros. Aposto que há uns meses, por estes produtos, pagava menos de 40”, garantiu ao i. 
O truque? O mesmo de muitos portugueses: “Olhar bem para os folhetos promocionais dos vários supermercados e perceber onde se pode comprar o essencial a um preço mais acessível”. Já antes era assim mas, neste momento, “é mais importante que nunca”.

“A carne aumentou bastante”. Este é o primeiro produto onde Teresa Guerreiro nota o maior crescimento, não sendo, ainda assim, o único. “De forma geral, noto um aumento de preços em quase todos os produtos que compro. Nuns mais, noutros menos”, diz ao i. E destaca o aumento nas batatas, cebola, abóbora, espinafres, alhos, azeite ou vinho. Ciente do problema da seca, esta jovem não tem dúvidas: “Penso que tudo o que precisa de água, aumentou”. 

Por seu turno, Isabel Monteiro diz que é na manteiga e nos iogurtes que mais nota a diferença. “A manteiga aumentou pelo menos 20 cêntimos nos últimos meses e os iogurtes líquidos devem ter subido mais ou menos o mesmo”. Juntam-se os ovos: “Há uns meses comprava meia dúzia de ovos por 0,79 euros e agora pago 1,09 euros. É uma diferença brutal”, lamenta.

Alexandra Marques é perentória: “Tudo o que é bens de primeira necessidade e que compro sempre subiu de preço”, começa por dizer ao i. E acrescenta: “Noto muito a subida principalmente nestes bens básicos, o que já era mais caro antes e não é considerado bem de primeira necessidade não noto tanto”. 

E deixa vários exemplos, sabendo-os todos de cor: “Um garrafão de água que eu comprava a 0,63 euros agora é 0,75 euros. Meia dúzia de ovos, que eram 0,89 euros, custam agora 1,09 euros”. E não se fica por aqui: “Até o papel higiénico que era 1,99 euros, está a 2,19 euros. E podia continuar porque massa, arroz, atum, salsichas, tudo isso subiu”.
Ao i a jovem diz ainda que não nota tanta subida nos produtos de higiene mas, ainda assim, remata: “Nos artigos de primeira necessidade é claro que os aumentos andam entre os 15 e os 20 cêntimos”. No resto, como pizzas, gelados ou refrigerantes, “ou os preços não subiram ou rondam uma média de cinco cêntimos”.

Já Manuel Farinha, empresário da restauração, conta ao nosso jornal os aumentos brutais que encontra na Makro. “Regra geral, deparo-me com aumentos na casa dos 30 a 40%. É inacreditável. A carne de vaca do lombo que custava 16,90 o quilo, passou para 24 euros. O polvo congelado deu um salto dos 7,90 para 11,90. O óleo de fritar de dez litos, ficava em 14 e está a 18 euros. O garrafão de azeite subiu de 16 para 21. Mas tudo aumentou e a ordem se subida é sempre de um euro pelo menos. Quando a inflação deve andar pelos quatro por cento, como se justificam estes aumentos”, questiona. 

Os folhetos não mentem Habituados a folhear os folhetos das promoções das várias cadeias de supermercados, também aqui os portugueses notam um aumento de preços. O i fez uma análise aos preços praticados em 2018 e 2019 – antes da pandemia – e aos comercializados em 2022 e as diferenças já são notórias. Deixamos alguns exemplos: Em 2018, um bife da vazia de novilho custava, no Pingo Doce, 14,98 euros o quilo – sem a promoção. Atualmente, o mesmo pedaço de carne custa mais dois euros o quilo. E este é apenas um dos muitos exemplos que podemos ver na carne. O mesmo acontece com o borrego. Um quilo desta carne tinha, em 2018, um custo de 7,98 euros e atualmente custa 8,98 euros o quilo, mais um euro. Quem não parece ter visto grande alteração aos preços foi a carne de frango ou de peru.

Mas há mais exemplos e a couve lombardo apresenta um aumento de 10 cêntimos de 2019 para 2022. Se antes custava 1,09 euros o quilo, agora o valor é de 1,19 euros o quilo. 

E nem os iogurtes escaparam. Um pack de quatro iogurtes líquidos Corpos Danone tinha o preço de cerca de 2,99 euros, agora custa 3,40 euros. 

E se os folhetos não mentem, os mais recentes dados também não: O INE mostra que o preço dos produtos alimentares e das bebidas não alcoólicas aumentou entre 0,9% e 12,5% nos últimos dois anos.

No cabaz do INE, o preço dos óleos e gorduras registou um aumento de 12,5% entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022, sendo estes os produtos da classe dos bens alimentares e das bebidas não alcoólicas a registarem a maior variação, naquele período, revela a Lusa com base nos dados do INE.

Quem mais subiu foram as frutas, que registaram um crescimento de 9,9%, seguindo-se o pão e cereais cujo preço subiu 5,4% e o da carne e dos produtos hortícolas cresceu mais de 4%.

Além disso, produtos como café, chá e cacau cresceram também 4%, enquanto o preço dos ovos, leite e queijo aumentou 2,6%. Já no peixe, a subida foi de 3,5%.

‘É difícil evitar que aumentos se reflitam no público’ O aumento de preços visto aos olhos dos consumidores foi também assumido pela Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) que explica ao i que “os aumentos de preços são variáveis, o que torna difícil indicar um padrão na sua variação ao longo dos últimos meses”, diz o diretor-geral da APED, Gonçalo Lobo Xavier. Mas assume: “Existem categorias que registam uma subida de 10%, enquanto outras estão a registar um aumento superior ou inferior a este patamar”.

No que diz respeito aos produtos com os maiores aumentos, o responsável destaca “os cereais e farinhas” que “já apresentam subidas na ordem dos 10% e produtos como a carne de vaca e de aves, que dependem das rações, estão também a sofrer ajustes nessa ordem de grandeza”.

Questionado sobre se existe a possibilidade de os preços continuarem a aumentar, Gonçalo Lobo Xavier explica que “o aumento dos preços dos produtos é uma consequência direta, e inevitável, de um contexto global marcado pelo aumento dos custos dos transportes, da energia e das matérias-primas, com efeitos visíveis nos vários setores de atividade, do qual o retalho não é alheio, quer falemos de distribuição alimentar quer de retalho especializado”.
Assim, perante este quadro desfavorável, o diretor-geral da APED garante que o setor do retalho “tem vindo a fazer um enorme esforço para tentar acomodar este aumento de custos, mas está cada vez mais difícil evitar que se reflitam nos preços de venda ao público”.

Junta-se o aumento do preço dos combustíveis que, diz, “acaba por ter uma consequência direta no custo dos transportes, ao aumento da inflação e dos custos da energia, não conseguimos deixar de esperar um difícil quadro para atingirmos a esperada rápida recuperação económica”. 

Feitas as contas, com todos estes fatores que estão a contribuir para o aumento de preços, “acresce agora a instabilidade dos mercados causada pela tensão vivida na Ucrânia” e é por isso que Gonçalo Lobo Xavier defende que se torna “desafiante qualquer exercício de previsão futura, mas parece inevitável que o cenário de inflação e de grande pressão na cadeia logística se mantenha durante todo o primeiro semestre do ano”. 

A guerra vai trazer grandes problemas Henrique Tomé, analista da XTB diz que, claro, o aumento generalizado de vários produtos alimentares já se nota. E os problemas podem não ficar por aqui. “Se as tensões no leste da Europa se agravarem, os preços dos bens alimentares poderão também subir, uma vez que tanto a Rússia como a Ucrânia têm um peso relevante a nível de exportações de várias matérias-primas, desde produtos energéticos aos bens alimentares como os cereais”, diz ao i.

E acrescenta que esta escalada de tensões no leste europeu pode ser “um problema, na medida em que o preço das matérias-primas irá valorizar, nomeadamente o preço do petróleo e gás natural o que irá fazer aumentar os custos de produção, e por conseguinte, o aumento dos preços finais dos bens, isto é, a inflação pode não ficar por aqui e subir ainda mais a médio prazo”.

Já o economista Paulo Rosa, do Banco Carregosa, começa por lembrar os mais recentes dados: Apesar de 2021 ter sido um ano de aceleração da inflação na Zona Euro, o Índice de Preços no Consumidor (IPC) em Portugal registou uma taxa de variação média anual de 1,3%. “A variação do indicador de inflação subjacente, medido pelo índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos, foi de 0,8% em 2021”, diz ao i, justificando que “a inflação em 2021 foi impulsionada, em grande medida, pelo aumento significativo dos preços dos produtos energéticos. Todavia, a inflação acelerou gradualmente ao longo do ano e em dezembro registou o máximo de 2,7%, mas, ainda assim, a segunda mais baixa da Zona Euro a seguir a Malta”. 

Por isso não tem dúvidas que os maiores aumentos de preços no nosso país “têm sido registados nos combustíveis e nos derivados do petróleo, e, consequentemente, acabam por impulsionar outros bens e serviços”. Ora, “a subida dos preços das matérias-primas, nomeadamente metais industriais, impulsionaram os preços dos materiais de construção. O aumento dos produtos agrícolas também impactaram os preços em Portugal”.

E tal como o analista da XTB, o economista do Banco Carregosa avisa que “a invasão da Ucrânia pela Rússia poderá agravar ainda mais os preços em Portugal”.

Ainda sobre esta guerra, Paulo Rosa lembra que a Rússia “fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural”. Mas não só. A Rússia é também o maior produtor de trigo, estando a Ucrânia num dos cinco primeiros. Daqui tira-se a conclusão que “a grande produção de cevada, milho, girassol e colza também poderia ser afetada”.
E não se fica por aqui uma vez que “também ao nível dos fertilizantes poderia existir escassez”. Isto porque a Rússia é “um dos maiores produtores de potássio, ureia e fosfatos”. É que, garante, as cadeiras de abastecimento da indústria manufatureira “também não estariam imunes a um conflito ou sanções contra a Rússia”.

O economista dá mais detalhes: “O país do czares é também um considerável exportador de níquel, estimada em cerca de 49% da quota mundial, paládio 42% e alumínio 26%, de acordo com a Macrobond”. 

E alerta que sanções económicas “mais pesadas e mais abrangentes à Rússia reduziriam a quantidade de trigo no mercado, bem como de petróleo e metais industriais, impulsionando os preços destas matérias-primas. Em suma, os preços em Portugal podem aumentar ainda mais se o conflito no leste europeu se agudizar”. 

Para Steven Santos, gestor do Banco BiG, é certo que “o cenário continua bastante negativo quer para as famílias quer para as empresas com este incremento que temos assistido nos preços do petróleo e do gás natural”. Apesar de lembrar que esta era uma tendência que vinha de trás e que acontecia nos últimos meses, sai agora reforçada com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. “Isto acaba por gerar uma série de preocupações novas. A Rússia acaba por ter aqui uma importância grande na medida em que é um grande fornecedor de gás natural para a Europa e qualquer perturbação no abastecimento a partir da Rússia tem impacto nos custos de abastecimento sobretudo na Europa, é a principal fonte de combustível do continente europeu”. 

O gestor do Banco BiG lembra que a Europa ainda está no inverno e que existe “uma conjugação de fatores que já está a ser difícil, que já se está a refletir no preço de bens, matérias primas em bruto e depois nos produtos acabados”. E acrescenta: “Estávamos numa fase de muita procura, muito consumo, sucesso da vacinação, as cadeias de abastecimento não estavam prontas para dar resposta a tanta procura e depois fomos transitando para este regime agora um pouco diferente e o custo de vida sai agora agravado com esta questão da guerra”.

A seca é também um problema E se as tensões no leste europeu podem vir a ser um problema, a seca que o país atravessa também vai causar os seus estragos. “A seca é um problema grave que estamos a enfrentar sendo que irá ter repercussões essencialmente na produção de bens agrícolas, assim como na criação de gado, o que irá levar a um aumento dos custos de produção por parte dos agricultores e produtores, e depois irá refletir-se no aumento do preço final dos bens como por exemplo, a subida do preço da carne, ovos ou até mesmo do trigo”, garante Henrique Tomé.
Para o analista, os produtos que vão sofrer mais com a seca serão essencialmente o preço da carne e laticínios, trigo que afetará o preço dos cereais e até mesmo do pão. Mas, “de uma forma geral, os preços dos bens alimentares irão aumentar, assim como os preços dos combustíveis e gás natural”.

Ainda sobre a seca, Paulo Rosa recorda que, no nosso país, “a agricultura e a agropecuária já estão a ser penalizadas pela gradual escassez de água e, forçosamente, a produção será afetada, impulsionando o preço dos cereais e da carne”. E somando à seca a atual crise na Ucrânia, não há dúvidas para o economista que “os preços dos cereais podem ainda ser ainda mais impactados e concorrem para uma subida dos preços da alimentação no índice de preços no consumidor (IPC), desde carne, vegetais, cereais, frutas e demais produtos agrícolas”.

Questionado sobre que mais produtos podem vir a ver os preços crescer, o responsável diz que será a categoria da alimentação, principalmente a carne, vegetais, cereais, frutas e produtos agrícolas. 

No que diz respeito à seca, Steven Santos diz que o preço da carne ou dos cereais vão acabar por ser afetados. “Recordar também que a Rússia e a Ucrânia são responsáveis por quase um terço da produção mundial de trigo e cevada, duas mercadorias agrícolas essenciais não só para alimentação humana como para alimentação pecuária”, diz, acrescentando que “temos aqui uma conjugação de fatores bastante perigosa em que ao mesmo tempo os bancos centrais também já estão a tirar estímulos monetários. Riscos de inflação, riscos de subida dos preços das matérias-primas e com tudo isto, em breve, teremos também risco de subida de taxas de juro também na zona euro”.
 
Matérias primas, inflação e taxas de juro. O que esperar? Numa altura em que a escassez de matérias primas, o aumento da inflação, a previsível taxas de juro afetar o mercado, o que podemos esperar? “Podemos assistir a uma subida generalizada dos preços dos bens e serviços, sendo que a inflação na zona euro e em particular, Portugal, pode continuar a aumentar a médio prazo, enquanto o Banco Central Europeu não alterar a sua política monetária e aumentar a taxa de juro, para já a presidente do BCE não espera alterar a taxa de juro durante este ano, porém o banco central alemão e holandês já começaram a expressar a sua vontade para o BCE aumentar as taxas de juro, tendo em vista controlar a inflação”, avança o analista da XTB.

Já Paulo Rosa começa por dizer que “a agudização das tensões militares entre a Ucrânia e a Rússia têm aliviado a pressão dos juros”, acrescentando que “as perspetivas dos mercados são de um abrandamento económico, e já antecipam, agora, menos subidas de taxas de juro pela Reserva Federal dos EUA em 2022 e na próxima reunião de 16 de março, o banco central dos EUA deverá subir apenas as taxas de juro em 25 pontos base”. O economista prevê ainda que o Banco Central Europeu poderá – na próxima reunião agendada para 10 de março – “adotar uma postura mais dovish e descartar qualquer subida de juros até ao final do ano, para suportar a economia europeia de qualquer desaceleração causada pela crise na Ucrânia”.

E alerta: “Talvez, atualmente, a principal preocupação seja um abrandamento económico associado a uma elevada inflação, ou seja, uma estagnação. A subida da cotação do ouro indicia isso mesmo, isto é, uma incerteza crescente face ao agravamento do conflito militar na Ucrânia e uma desaceleração na subida das taxas de juro, fruto de um potencial abrandamento económico, em virtude das sansões económicas”.

Já o gestor do Banco BiG diz que na Europa a inflação “não é tão comandada por elevado crescimento, nos EUA acaba por ser mais e noutras partes do mundo também”. E explica: “Aqui a inflação acaba por ser mais gerada por via de importação de preços, subida de preços das matérias primas e o barril de petróleo”, que superou recentemente os 100 dólares, o que já não acontecia desde 2014. “Isso afeta tudo o que consumimos e utilizamos, nem que seja por via dos maiores custos de transporte e de abastecimento. Da forma como as mercadorias estão caras, isso acaba por gerar uma série de riscos para o custo de vida das pessoas e obviamente os bancos centrais vão ter que responder a esta ameaça de sobreaquecimento de economia aumentando as taxas de juro de referência e, como sabemos, isso depois tem impacto nos custos de dívida que as pessoas e as famílias pagam”, finaliza.