Menos falhas nos apoios depois de Pedrógão mas erário público foi lesado

“Na região Centro, há um volume elevado de apoios indevidos por recuperar”, diz TdC, que arrasa justificação do Governo e da CCDR. Em causa estão prejuízos de 1,8 milhões de euros para o Estado.

Os apoios à habitação depois dos incêndios de outubro de 2017 e 2018 tiveram menos falhas do que o fundo criado pelo Governo para gerir os apoios solidários na resposta à tragédia de Pedrógão Grande em junho de 2017 (fundo REVITA), mas o Tribunal de Contas volta a apontar fragilidades e oportunidades de melhoria nestes mecanismos, revelando que houve diferentes velocidades nas transferências financeiras que prejudicaram a execução de apoios na região Norte. Mas as maiores críticas são dirigidas à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR) do Centro. Acusa o TdC que “não garantiu os procedimentos adequados ao aceitar candidaturas que não preenchiam todos os critérios, vindo-se a confirmar a sua inelegibilidade já em fase de execução das empreitadas”. Algo que, segundo o Tribunal de Contas, se traduziu em custos diretos injustificados no valor de cerca de 1,2 milhões de euros, a que acrescem custos indiretos no montante de 672 mil euros, ou seja um prejuízo superior a 1,8 milhões de euros. E não satisfeitos com as respostas do Governo e da CCDR, os relatores recomendam a abertura de “ um processo autónomo para apuramento das eventuais responsabilidades por infrações financeiras, do qual deverão fazer parte a verificação de todos os processos e as explicitações fornecidas”.

Estas são algumas das conclusões da 2.ª fase de uma auditoria do Tribunal de Contas que analisou os apoios concedidos pelo Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP) e pelo Programa de Apoio ao Alojamento Urgente (Porta de Entrada), divulgada esta quinta-feira e a que o i teve acesso. 

“Constatou-se maior clareza nas regras e procedimentos para a concessão dos apoios, as quais constam de textos legais ou regulamentares, em contraste com o sucedido nos apoios aplicados aos incêndios de junho de 2017”, conclui o TdC. “No entanto, a sua aplicação não foi isenta de problemas ao nível da conformidade, coerência, oportunidade e coordenação”. 

O TdC conclui que os apoios do programa de apoio à reconstrução (PARHP), lançado na sequência dos incêndios de outubro de 2017 para apoiar famílias com habitações permanentes danificadas ou destruídas pelo fogo, “satisfizeram as necessidades nas duas regiões afetadas (Norte e Centro), estando perto da sua finalização, embora a ritmos diferentes e num período mais dilatado do que o previsto”. Maiores lacunas a esse nível são apontadas ao Programa Porta de Entrada, criado pelo Governo em 2018, para garantir o alojamento imediato de quem fica sem habitação devido a acontecimentos imprevisíveis, nomeadamente fenómenos naturais extremos e aplicado na sequência do incêndio de agosto de 2018 em Monchique, o processo avaliado nesta auditoria. “Tem-se revelado muito mais lento e está longe de ter colmatado as necessidades (em 31 de março de 2021, o valor contratado representava apenas 26,5% da comparticipação prevista)”, diz o TdC.

Problema com conceitos O Tribunal de Contas recomenda ao Governo, na atual composição ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, que densifique legal ou regulamentarmente conceitos chave para aplicação de apoios, desde logo “habitação permanente”. 

Um dos problemas prendeu-se com situações de habitações de idosos que vivem em lares ou de pessoas que vivem na casa de familiares, questões que já tinham sido suscitadas após Pedrógão Grande. “Seria desejável que o espaço para interpretações e tratamentos diferentes fosse mais reduzido”, lê-se no relatório da auditoria. Em contraditório, a ministra da Coesão Territorial alegou que um parecer da Provedoria da Justiça foi do entendimento de que estas situações não consubstanciam habitação permanente. 

Este foi aliás um dos motivos, ainda que não o principal, para o “imbróglio” na CCDR Centro. Em causa, terem sido retiradas 78 casas de empreitadas adjudicadas pela CCDR, 61 já com custos incorridos, o que segundo o tribunal se traduziu em gastos injustificados para o Estado. Na lista incluem-se casas em que os beneficiários recusaram apoio, desistiram, habitações que não eram permanentes ou cuja propriedade não ficou demonstrada.

O TdC conclui que, tirando 10 habitações, foram incluídas nas empreitadas 51 casas que a própria CCDR tinha classificado como condicionadas ou sem condições para apoios. “A atitude de prosseguir, mesmo assim, com as empreitadas implicou custos diretos injustificados para o etário público”. Até 4 de junho de 2021 a CCDR só tinha diligenciado pela restituição de dois apoios, no valor de 212 mil euros, montante subavaliado num dos casos. 
Em contraditório, o Governo e a CCDR consideram que não houve falsas declarações dos beneficiários pelo que não deve ser solicitada a devolução, o que o tribunal contesta. “Não está demonstrado que isso corresponda à totalidade das situações”, lê-se na auditoria, que mantém a recomendação de que a CCDR reavalie todos os processos que provocaram dano ao erário público com vista ao seu ressarcimento. E recomenda a abertura de um processo autónomo para apurar responsabilidades financeiras neste caso.