Médico ucraniano no Algarve Andriy junta ‘primeiros socorros’ para hospitais de Lviv

Há 20 anos em Portugal, Andriy Krystopchuk diz ao i que o primeiro pensamento foi regressar à Ucrânia para combater. À distância, tenta que não falte nada nos hospitais para socorrer os feridos da guerra.

Em Portugal desde 2001, Andriy Krystopchuk recorda o seu começo atribulado na aldeia de Rosário, em Almodôvar, e como logo na altura percebeu os “braços abertos” dos portugueses mas também como teriam de batalhar para fazer a vida. Natural de uma aldeia perto de Lviv, a cidade na fronteira da Ucrânia que hoje aparece nos jornais, tinha 27 anos quando veio com a mulher à procura de melhores perspetivas depois de uma primeira paragem na Alemanha. Um familiar já de sexta ou sétima geração abriu-lhes caminho no Alentejo, mas também não tinha muito para oferecer. Trabalhava numa obra e dormia numa garagem. Andriy começou por trabalhar na padaria e o primeiro abrigo foi numa casa antiga, com buracos no telhado, onde dividiam um quarto com outros dois homens, com muito poucas condições mas foi o melhor que encontraram. “É engraçado pensar nas voltas que a vida dá e o Alentejo será sempre a minha segunda casa. Foi lá que me fiz sportinguista”, sorri, lembrando esse começo e como conseguiram dar a volta por cima. O filho nasceu em 2003 e os planos que tinham para emigrar para o Canadá acabaram por esbater-se num país onde se sentem felizes.

Passam 20 anos. Depois de muita burocracia conseguiu ver o diploma de médico reconhecido em 2005, fez cá a especialidade em Medicina Interna e trabalha desde 2006 no Hospital de Faro, nos cuidados intensivos, nos últimos dois anos na linha da frente da pandemia. “Foram anos difíceis e agora caiu a guerra”, diz.

Inimaginável nas proporções, mas uma investida que já receava. “Sempre disse que Putin não ficaria parado depois de 2008 e da invasão da Crimeia em 2014. O mundo ocidental deixou passar e isto aconteceu. Se não pára agora, vai continuar”, atira. 

Às primeiras notícias, pensou em regressar para combater, mas agora está a tentar encontrar outra forma de ser útil. “A minha primeira intenção era ir para lá fazer algo, pegar nas armas, mas depois temos de arrefecer e pensar no que podemos fazer. Em qualquer situação, temos de fazer aquilo que sabemos fazer melhor. Seria inútil com uma arma nas mãos mas posso tratar pessoas e perceber do que precisam lá.” 

Foi assim que nos últimos dias começou uma maratona de contactos com familiares em Lviv que trabalham na área da saúde e o foram pondo ao corrente de necessidades de material clínico nos hospitais. 

“Começaram por ser quatro coisas e chegámos a uma lista de duas páginas”, diz, explicando que entretanto entrou em contacto com os responsáveis de uma rede de três hospitais militares em Lviv. Seguiu-se um apelo nas redes sociais, onde se listam os produtos pedidos, de soro, a talas de fixação de fraturas ou colares cervicais, além de medicamentos. “Não tinha experiência nenhuma no Facebook, pensei que estava a lançar um apelo mais para as pessoas que me conhecem destes 15 anos a trabalhar cá na saúde mas houve logo uma grande resposta, lá está a solidariedade de todos, e a dificuldade tem sido como gerir tudo.” 

Sabe que existem campanhas a decorrer em várias organizações, mas a preocupação tornou-se enviar os primeiros socorros para os hospitais de Lviv logo que possível, já que o que lhe descrevem é que o material médico tem estado a gastar-se mais depressa do que conseguem repor os stocks. “Muitas vezes as campanhas levam o seu tempo e o que me dizem é que algumas coisas precisam para ontem. Está a esgotar-se tudo muito rapidamente. Pode ser pouco, mas é uma ajuda”. 

O plano é reunir o material possível e enviá-lo para a fronteira da Ucrânia em autocarros organizados pela comunidade ucraniana do Algarve que está previsto seguirem para para Polónia já esta sexta-feira e sábado, explica. Aí, poderão ser levados para a Ucrânia para serem levantados pelos responsáveis da rede hospitalar militar.

“Sabemos que esta é uma situação que não vai acabar nem hoje nem amanhã. Existe uma escalada e para os hospitais de Lviv, sendo uma zona onde a situação está mais calma, estão sempre a evacuar feridos de combate. Precisam de muito material e vão precisar ao longo de muito tempo”, descreve ao telefone de Faro, a cidade que escolheu para viver e realizar-se profissionalmente com a família. Porquê? “Pelo mar”, responde. 

Na Ucrânia, vivia a mil quilómetros do mar e as imagens dos últimos dias trazem-lhe memórias de infância de uma forma dolorosa. “As imagens que passaram da zona onde um soldado se rebentou para destruir uma ponte para travar o exército russo era onde ia com a minha família passar as férias de verão”, diz. Por agora, foca-se no trabalho e na lista de material, com colegas e grupos de enfermeiros a mobilizarem-se, além dos hospitais onde trabalha, o Centro Hospitalar do Algarve e o Hospital Particular do Algarve em Gambelas. Equipas onde muitos encontraram em Portugal a segunda casa: “Na minha equipa de cuidados intensivos temos espanhóis, venezuelanos. Somos um grupo internacional”.