Aumenta tensão para Governo reduzir impostos

Setor culpa, em parte, Governo pela elevada carga fiscal. Mas Executivo não cede e acena apenas com o benefício de 20 euros do AUTOvaucher. 

A corrida aos postos de combustível provocou longas filas nas principais cidades, chegando mesmo a esgotar produto em alguns pontos de abastecimento. As contas são simples: com as subidas de ontem, tanto a gasolina como o gasóleo ultrapassaram os dois euros por litro na maior parte das gasolineiras. E a tendência é para continuar a aumentar. “O preço do petróleo tem vindo a subir há quatro meses consecutivos, depois de sete meses a consolidar entre os 65 e os 75 dólares. O recente conflito no Leste da Europa tem vindo a provocar um aumento dos preços das matérias-primas energéticas, sobretudo sobre os preços do petróleo. Sendo a Rússia um importante player no fornecimento de gás natural e petróleo, o preço destas commodities têm vindo a registar períodos de elevada volatilidade recentemente”, diz ao i, o analista Henrique Tomé, da XTB.

Mas deixa um alerta: “Embora os países ocidentais continuem a importar grandes quantidades de gás natural e petróleo provenientes da Rússia, começam a surgir notícias de que existe a possibilidade destes países interromperem a importação de matérias-primas energéticas russas. Os EUA já avançaram com a intenção de travar a importação de petróleo russo, pelo que esta medida poderá ser aplicada também por outros países. Ora, se no passado já existiam preocupações em torno do desequilíbrio entre a oferta (limitada) e a procura (elevada), estas preocupações agravam-se ainda mais neste momento se a Rússia parar de exportar petróleo aos países ocidentais devido às sanções aplicadas ao país”.

E face a este cenário, o responsável não deixa margem para dúvidas: “Dado o atual cenário, o preço desta commodity tem vindo a valorizar e enquanto não existir qualquer tipo de intervenção por parte da OPEP, devemos esperar que a tendência de alta continue, apesar do preço do petróleo esteja a ser cotado perto dos seus máximos históricos”.

Ainda na semana passada, a OPEP+, organização que inclui a Rússia, revelou que iria aumentar a produção em 400 mil barris por dia a partir de abril, um acréscimo planeado desde julho de 2021. E justificaram a razão: “A volatilidade atual não é causada por mudanças nos fundamentos do mercado, mas por acontecimentos geopolíticos atuais”, referiu.

No entanto, este ritmo do aumento é considerado demasiado lento por Washington e por outros países consumidores para travar o aumento dos “preços do petróleo” e da inflação, uma tendência exacerbada pela invasão russa da Ucrânia.

Carga fiscal esmaga Só os impostos representam mais de 60% do preço final dos combustíveis. Feitas as contas por cada 100 euros gastos em gasolina, o consumidor paga 60 euros de impostos, daí Portugal ser dos países da União Europeia em que os valores dos combustíveis são mais altos. 

E apesar dos preços dos combustíveis dependerem da cotação do petróleo, tendo o barril do Brent como referência, existem ainda outros fatores que também pesam, como as flutuações cambiais entre o euro/dólar que acabam por influenciar o preço final de venda ao público. E a somar a isto há que contar com outras despesas. A Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) tem vindo a alertar que, a par da carga fiscal, é necessário contar ainda com os custos fixos das despesas de armazenamento e distribuição e do biocombustível. 

Feitas as contas, as petrolíferas ficam com pouca margem para conseguirem mexer nos valores que são cobrados aos consumidores finais, independentemente de o preço do petróleo subir ou descer nos mercados internacionais.

Em relação à ideia de que quando o barril do petróleo sobe, o preço de venda ao público sobe automaticamente e quando desce, as descidas não são tão notórias, a associação não tem dúvidas: “Essa é uma das afirmações que de tanto ser repetida, é considerada como uma verdade indesmentível, quando não é”, chegou a afirmar fonte da Apetro ao i.

A associação que agrega as petrolíferas tem vindo a afirmar que, em primeiro lugar, há que ter em conta que o custo do crude constitui apenas uma parte do que pagamos no posto de abastecimento. “Em alguns países, como é o caso de Portugal, representa apenas cerca de um quarto do preço final. O montante que pagamos para a gasolina, gasóleo e outros combustíveis depende de vários fatores, alguns variáveis, como é o caso da cotação dos produtos refinados, que também são negociados em mercados abertos e transparentes, e das variações do câmbio, que também influenciam o preço final de venda ao público, pois o petróleo bruto é transacionado em dólares, enquanto os combustíveis são vendidos em euros ou noutras moedas nacionais, e outros que são um montante fixo que permanece inalterado por longos períodos, independentemente do preço do crude, como é o caso dos impostos especiais de consumo (ISP), que são a maior componente fiscal na maioria dos países europeus. Estes impostos também variam de país para país e de acordo com o tipo de combustível, razão pela qual os preços são tão diferentes em toda a Europa”.

Também a Associação de Revendedores de Combustíveis (Anarec) já veio a afirmar que não tem benefícios com o aumento da margem bruta sobre o preço final antes de impostos dos combustíveis. “Não participamos na criação desse preço. Temos uma margem fixa que está contratualizada com as companhias petrolíferas, que são os nossos fornecedores. Portanto, se aumentar o preço dos combustíveis, a nossa margem mantém-se porque está contratualizado assim”, já veio reconhecer a associação.

E agora? Para já, o Governo acenou com um reforço extraordinário no mês de março do desconto a devolver aos automobilistas que abasteçam este mês e que passa de 5 euros por mês (10 cêntimos por um depósito de 50 litros) para 20 euros. Este valor foi definido não apenas a pensar nos aumentos anunciados, mas para compensar as subidas registadas desde o início do ano (ver ao lado). 

Para António Mendonça Mendes, secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, levar a cabo alterações do ponto de vista fiscal, neste momento, “não parece ser indicado”, até porque os impostos relacionados com o petróleo têm “limitações”. “Tomaremos à medida que o tempo decorrer as medidas que sejam mais eficientes para responder às questões”. 

O ministro das Finanças anunciou ainda o congelamento da atualização da taxa de carbono, que aumentaria em mais cinco cêntimos nos preços, naquela que é a medida com maior expressão financeira nos cerca 140 milhões de euros de custos deste “novo” pacote. A medida está avaliada em 87 milhões de euros, enquanto redução do imposto custará 15 milhões de euros.

Reações Uma solução que não agrada a Anarec ao considerar que as mesmas são insuficientes e, mais uma vez, de caráter temporário e não permitem uma solução definitiva do verdadeiro problema do preço dos combustíveis, que é a carga fiscal pesadíssima que incide sobre gasolina e gasóleo”, disse em comunicado.

E para a associação, a solução está â vista: “A Anarec reitera o que já deixou dito nas suas várias intervenções: Para este enorme aumento dos preços impunha-se uma diminuição significativa dos impostos ao nível do ISP para que o aumento se esbatesse no preço no ato do abastecimento”. 

Os partidos políticos também têm vindo a apontar o dedo a estes aumentos. Rui Rio, no encerramento do congresso do PSD/Madeira, afirmou que o Governo pode baixar o Imposto sobre Produtos Petrolíferos: “Impõe-se que cumpra isso, que baixe os impostos”. De acordo com o líder social-democrata, o Orçamento do Estado “está a ganhar dinheiro” com o aumento do preço do petróleo – as receitas provenientes do imposto aumentam automaticamente.

Já Miguel Costa Matos, deputado do Partido Socialista, vê este aumento como “chocante” e garantiu que o Governo está a “tomar medidas” para travar a subida dos preços. De acordo com o responsável, não baixar o imposto foi “uma opção” do Governo, ao longo do último ano, mas reconhece que o cenário pode mudar: “Perante este aumento inédito, baixar os impostos é uma medida que temos que ver e analisar, no início da próxima legislatura. Nesta fase o Governo não tem poder legislativo para fazer essa alteração”. 

Também André Ventura, numa carta dirigida a João Leão, aponta o dedo às medidas anunciadas pelo Governo para dar resposta a estas subidas. “Tendo presente que Portugal é dos países mais pobres da União Europeia, consideramos as medidas recentemente decretadas pelo Governo, claramente insuficientes para conter a acentuada e abrupta subida do preço dos combustíveis. Esta é a décima semana consecutiva de novos aumentos, com o gasóleo a registar um agravamento de cerca de 15 cêntimo por litro, enquanto a gasolina ficará 10 cêntimos por litro mais cara”, acrescentando que “a subida do valor mensal do AUTOvoucher, de cinco euros para 20 euros, possui um benefício reduzido, obriga a que o consumidor se registe na plataforma IVAUCHER e que seja titular de um cartão bancário, os postos de combustível têm de ser aderentes do serviço e o mecanismo de reembolso não controlável. Não entendemos porque é que o desconto não é realizado diretamente no preço do combustível”.

Também o candidato à presidência do CDS-PP, Nuno Melo, disse no fim de semana que exigia a “redução automática” do ISP, considerando esta medida de “máxima urgência”, devido à subida do preço dos combustíveis face aos impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia, que levaram o Governo, esta sexta-feira, a instaurar novas medidas de apoio ao país.