Viva a Ucrânia! Viva a Europa!

A Ucrânia não pode parecer ser usada como instrumento do império americano. Império que exportou guerras e impôs governos fantoches para onde pôde durante um século

1.A invasão de um Estado, a imposição a um povo por qualquer meio de um modelo político e de um destino, são absolutamente inaceitáveis. A ameaça do recurso ao nuclear é simplesmente inconcebível, como disse, clara e cabalmente, António Guterres.

Putin não está mentalmente são. Os russos terão de enfrentar e resolver o problema gravíssimo que ele constitui para eles e para o mundo. A salvação está nas mãos das elites russas, da resistência ucraniana e da determinação da Europa. 
Mais do que o sentimento de um cerco militar, o que terá contribuído para a explosão de loucura de Putin foi o pânico de contágio do modelo político que a Ucrânia está empenhada em seguir. Contágio que abaterá o regime e o próprio Putin. 
Mao traiu a China ‘pelo partido’, e trairia depois o partido por si próprio – é essa a lógica dos ditadores e porventura o fim das ditaduras. Foi essa a história da China desde a chamada Revolução das Cem Flores, em 1956. Momento em que os líderes políticos e intelectuais que o tinham seguido perceberam que enlouquecera. 

2.Se não fosse imperativo mobilizar a indignação e concentrar a energia no apoio ao povo ucraniano heróico, a razão imporia analisar os factos, o contexto em que pôde ter lugar tal enormidade. Porque nada é a preto e branco. E Putin não começou hoje.

A invasão de um Estado, a imposição a um povo por qualquer meio de um modelo político são condição para as guerras e… travam o caminho para a descoberta da liberdade em todos eles – na Ucrânia, como no Vietname, na Indonésia, no Iraque ou na China. 

Mas nesse caminho tem de ser considerado o que Tim Marshall explicou num livrinho incontornável, Prisioneiros da Geografia, título a que acrescento ‘e da História’. Neste caso, o seguinte: 

a. A Ucrânia tem o direito inalienável de optar pelo modelo político e de desenvolvimento que o seu povo escolher; é imperativo iniciar o processo de entrada na União Europeia. 

b. Tem de ser tida em conta a ameaça (agitada por Putin) que, para uma Rússia ferida, constituiria uma Ucrânia transformada numa potência militar. Isto é, a Ucrânia não pode parecer ser usada como instrumento do império americano em decadência. Império que, com a doutrina Monroe e sobretudo T. D. Roosevelt, exportou guerras e impôs governos fantoches para onde pôde durante um século. Como hoje exporta os delírios lesa-civilização que a extrema-esquerda, órfã do comunismo e das suas mortes, em desespero de extinção, cavalga. 

3.O Império vive a decadência. Por isso, como advertiu Graham Alison* – de Harvard, dessa América que admiro –, temos de esperar por mais guerras. E, tal como o Senhor Putin, não tem o Senhor Biden na casa dele uma gravíssima crise de regime para resolver? Regressará Trump?

O dever de apoio total relativamente à Ucrânia deve fortalecer na Europa o imperativo de se tornar autónoma, de assumir a sua defesa, de dar o seu contributo – decisivo – para o equilíbrio e progresso do mundo, como muitos países esperam. A vitória da Ucrânia talvez seja a autonomia da Europa, o regresso do seu melhor.

* Graham Allison, Destinados à Guerra, Gradiva. Se não puderem realmente comprar, escrevam-me.