A cultura das causas menores

A invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin só veio acentuar a estupidez coletiva que não conhece fronteiras e pode ter consequências inimagináveis.

A antiga diretora regional da Cultura do Centro Celeste Amaro foi nomeada diretora do Convento de São Francisco, em Coimbra, mas, por iniciativa do próprio presidente da Câmara que a escolheu, José Manuel Silva, foi destituída do cargo apenas seis dias após a tomada de posse.

Ao que parece, Celeste Amaro encontrava-se sem funções atribuídas na Câmara da qual é funcionária e o novo presidente da cidade do conhecimento entendeu que, com seu vasto currículo na área da Cultura, não só tinha todas as condições para assumir o cargo como permitia à autarquia poupar na avença da programadora.

Em tudo (francamente muito pouco) o que se escreveu sobre tão fugaz passagem de Celeste Amaro pelo Convento de São Francisco não se descortina nenhuma razão verdadeiramente explicativa da destituição – que, com toda a certeza, a haverá.

Por junto, sabe-se que o movimento Cidadãos por Coimbra, o PCP e o PS terão criticado a escolha de José Manuel Silva, a quem acusaram de ‘estar a pagar favores ao PSD’ – que integrou o movimento Juntos Somos Coimbra, pelo qual foi eleito e derrubou o ‘dinossauro’ socialista Manuel Machado.

O que não deixa de ser extraordinário, bem se sabendo quais os critérios de contratação das autarquias socialistas, comunistas ou de outra cor política qualquer.

Em Almada, por exemplo, a reeleita Inês de Medeiros contratou António Furtado como diretor municipal para a Economia, Inovação e Comunicação.

Quem é António Furtado? Nem mais nem menos do que o até há bem pouco tempo diretor municipal da Gestão Patrimonial da Câmara Municipal de Lisboa.

Furtado foi apanhado em escutas da PJ em processos de alegada rede de cumplicidades e influências que envolvem também Ricardo Veludo e Manuel Salgado, sendo que o primeiro sucedeu ao segundo como vereador responsável pelo pelouro do Urbanismo de Lisboa quando este último transitou para a SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana).

Na sequência da constituição como arguido, o arquiteto que foi número 2 de António Costa e de Fernando Medina na capital demitiu-se dos cargos. Ricardo Veludo e António Furtado mantiveram-se até à entrada de Carlos Moedas.

Ora, a nomeação de António Furtado para a Câmara de Almada, que se veja, também não motivou nenhuma reação visível da oposição, desta vez ao PS, seja à sua esquerda seja à sua direita.

Como se fosse tudo normal.

Já em Lisboa, Carlos Moedas nomeou Luís Feliciano responsável pela proteção de dados da Câmara Municipal de Lisboa.

E quem é Luís Feliciano? É precisamente o ex-responsável pela proteção de dados da Câmara de Lisboa que o então presidente Fernando Medina propôs ao executivo municipal que fosse demitido sumariamente na sequência do inquérito interno aberto por ocasião da divulgação pública da entrega de dados pessoais de ativistas russos à Embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Vladimir Putin.

E a Câmara de Lisboa votou a destituição de Feliciano.

Ora, não deixa de ser curioso que, principalmente com o que está a passar-se na Europa, nem sequer o PS, agora na oposição em Lisboa, questione o novo presidente do executivo municipal da capital pela nomeação de Luís Feliciano.

Sobretudo porque, para os socialistas, foi ele o único responsável pelos atropelos às regras mais elementares de proteção de dados e pela invulgar prática da CML de passagem de dados pessoais de ativistas a embaixadas e Governos estrangeiros – como a Rússia de Vladimir Putin.

O que não pode deixar de ser assinalado.

Claro que tudo se torna irrelevante perante os males muito maiores de uma guerra.

Mas o drama da Humanidade é a crise civilizacional à escala global, pela ausência ou negação dos seus valores fundamentais.

A invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin só veio acentuar a estupidez coletiva que não conhece fronteiras e pode ter consequências inimagináveis.

E que à nossa escala nacional aumenta na razão inversa à nossa pequenez e na exata dimensão da nossa tacanhez, complacência e conformismo.