Mas afinal… onde está o espanto?

A atividade frenética de Macron, o Presidente, neste semestre, do Conselho da UE, ainda não preencheu o vazio político deixado pela chanceler Merkel.

A Federação Russa, maior potência nuclear do mundo, lançou sobre a humanidade uma verdadeira fatwa, que, a não ser travada a tempo (o que exige cooperação de todos, incluindo da população russa) pode implicar destinos trágicos para a humanidade.

A invasão da Ucrânia foi, maquiavelicamente, planeada, para um intervalo de tempo de dificuldades para a União Europeia e para a Nato, a organização defensiva dos países ocidentais.

A União Europeia continua a lutar contra uma epidemia violenta, no plano sanitário e contra as consequências económicas e sociais dessa desgraça.

A Nato, como consequência do boicote interno feito pela presidência americana, no tempo de Trump, encontra-se a meio caminho da definição do seu novo objetivo estratégico e mergulhada nalgumas contradições, o que já levou o Presidente Macron a considerá-la (quase) em morte cerebral.

Na cabeça do autocrata Putin este seria, portanto, o momento ideal para lançar uma ofensiva militar que começou por ter como objetivo a libertação de certas zonas ‘oprimidas’ na Ucrânia, passou para a intenção de absorver este estado soberano e hoje é claramente uma estratégia de confronto com o Ocidente, não apenas nos aspetos político-militares, mas também na oposição violenta entre duas culturas e dois modelos civilizacionais.

Os EEUU identificaram desde o início este perigoso desafio e agora sob a presidência democrata de Biden, em articulação com a UE e com o apoio de grande parte das democracias, estabeleceram uma estratégia firme mas cautelosa que acabará, com mais ou menos custos, por encontrar uma saída para este conflito.

Há, no entanto, algumas debilidades que tem de ser ultrapassadas.

Apesar de alguns sinais prometedores verificados recentemente e que já se tinham vislumbrado com a resposta rápida e robusta dada às consequências da pandemia (o perigo aguça o engenho), a União Europeia tem revelado uma relativa falta de liderança. 

A atividade frenética de Macron, o Presidente, neste semestre, do Conselho da UE, ainda não preencheu o vazio político deixado pela chanceler Merkel.

Aparentemente e ironicamente será a criminosa iniciativa de Putin que irá permitir à Europa democrática encontrar soluções eficazes e duradouras para um futuro melhor e sem tantos sobressaltos. O tiro pode bem sair-lhe pela culatra.
Para fazer face à pandemia a UE ultrapassou um tabu: o recurso coletivo e solidário aos mercados para recrutar avultados recursos financeiros necessários à recuperação.

Para derrotar Putin, a União aceita estabelecer, em ligação com os EEUU, uma política de sanções económicas à Rússia, (com algumas nuances perfeitamente compreensíveis) ao mesmo tempo que fornece armamento militar à Ucrânia e inicia a discussão de políticas nacionais articuladas, para diminuir a dependência energética do espaço europeu relativamente ao agressor.

E, cereja em cima do bolo, a Europa aceita finalmente discutir uma política de defesa comum (ainda que pela criação de uma cooperação estruturada) ultrapassadas que parecem estar as reticências alemãs.

Portugal é um peão menor no conflito geoestratégico em curso e o seu contributo é o de se manter fiel aos princípios orientadores da política ocidental, alinhado com os compromissos da Nato e as decisões da União Europeia e ignorando (sem os cercar) os extremistas de esquerda que se posicionam ao lado de Putin, sonhando com uma impossível reversão da história e com amanhãs que se, algum dia, cantarem, será ao lado do troar ameaçador dos canhões da morte.

Mais do que todas as considerações históricas e geoestratégicas que possam ser feitos com o entusiasmo dos muitos comentadores, o que ficou claro com esta ação da Rússia, ou pelo menos do seu líder de momento, é que há uma guerra civilizacional, um confronto entre autocracias e democracias e uma oposição entre a barbárie que tudo consente e a Liberdade, respeitadora dos direitos humanos e do estado de direito.

Não há lugar para equívocos, cinismos ou hipocrisias, nem se diga que os acontecimentos de agora são inesperados, pois bastava estar atento para perceber que mais cedo ou tarde iriam acontecer. Não foi Mário Soares que escreveu em 2015 que Putin era um homem perigoso?

O mesmo deve ser aplicado à reação da extrema-esquerda portuguesa e, em especial, à posição do Partido Comunista Português.

O PCP ao longo da sua existência sempre apoiou as mais terríveis ditaduras (Rússia, Bielorrússia, Coreia do Norte, Irão, Venezuela entre outras); bastava que vislumbrasse nestes regimes uma oposição ao imperialismo americano, ao capitalismo criador de riqueza ou ás democracias liberais, para se colocar, sem crítica, ao seu lado.

Não foi o PCP que, em 1975, apoiou o miserável cerco à Assembleia, para impedir a aprovação da Constituição? Não foi o líder comunista dessa altura que várias vezes declarou que em Portugal jamais haveria uma democracia parlamentar?

Assim sendo qual o espanto para a posição que os comunistas, em Portugal e no exterior, tomaram perante esta agressão criminosa?

Nem sequer se invoquem pretensas correções posteriores, pois essas correções, feitas após uma repulsa quase unânime da opinião pública, acabaram por ser, como diz o brocardo, ‘pior a emenda que o soneto’.

O julgamento definitivo do comportamento de toda esta gente, cega por uma ideologia caduca e um fanatismo sem qualificação não deixará, na altura própria, de ser feito pelos cidadãos eleitores.

Agora a prioridade é a resolução deste cruel conflito, criado por Putin. 

A nossa esperança é que os russos amem as suas crianças, como canta, de novo, Sting. E que esse amor se manifeste a tempo.