Uma verdadeira história soviética

Tal como Lenine temia os ventos da Europa liberal, Putin teme o contágio de liberdade da Ucrânia e do Ocidente.

«Quando o canhão do couraçado Potemkin dispara, a Rússia anda 50 anos para trás».
Provérbio russo

«Cercar a Rússia na Polónia e na República Checa é um perigo».
 Mário Soares (2008) 

 
1.O que a cronologia da história russa mostra é o destino fatídico do povo russo, oprimido e opressor. Ninguém pode ser livre oprimindo outros. Tal como o comunismo, e Putin oprime antes de mais o seu povo.

A Rússia vai perdendo todas as oportunidades de modernização, de europeização, de desenvolvimento e liberdade. 
Na revolução bolchevique – reacionária – o que Lenine e os seus quiseram foi travar a industrialização e a liberdade induzidas pela Europa liberal, que chegavam à Rússia. Só postas em pausa pelos erros de um czar meio idiota manobrado pela aristocracia ultraconservadora. E a Rússia parou até Gorbatchov e a Perestroika. Putin teme a ameaça da NATO, mas também o contágio de liberdade da Ucrânia e do Ocidente. E a Ucrânia não é só, mas é também um instrumento dos EUA no confronto das grandes potências. 
 
2. O futuro do mundo é de cooperação, mesmo entre os países autocráticos e os países liberais. Os interesses nacionais e global impõem-no. A necessidade pode muito, nenhum modelo é perfeito, aproximar-se-ão. 

A situação atual no Leste não é globalmente paradigmática. É um resto infeccioso do passado comunista, mal resolvido. Ferida mal curada, exposta à infeção de ditaduras de ressentimento e intolerância, que agora encheu e supurou. Resto agravado, porventura, por uma prolongada, sem brio, dependência da Europa da muleta americana.
 
3. Há momentos tão dramáticos que tornam ousado refletir. Mas é preciso fazê-lo. Aprecio os comentários dos nossos generais. Formaram-se para serem objetivos e serenos. Não querem vender nada a ninguém nem precisam de apregoar nada. Sabem. Lembram e abrem pistas. Subscrevo quase sempre as suas análises. É o caso da intervenção esclarecida do general Fontes Ramos (CNN, 2/3), nomeadamente. Não choveu no encharcado das redundâncias inúteis e mal informadas dos comentários do costume. Foi utilíssimo ter lembrado que o modelo para a solução do conflito já existe e foi testado:
a. Garantias à Ucrânia de que poderá escolher o seu destino;
b. Garantias à Rússia de que a Ucrânia não será uma potência militar, não entrará na NATO. E não precisa nada de o ser nem de entrar para se desenvolver, porventura mais aceleradamente: a Suíça, por exemplo, também não é. 
Quanto ao modelo para as regiões separatistas, é escolher entre as várias autonomias bem-sucedidas. Bem-sucedidas quando não há interferência externa, ao contrário do que não para de acontecer em Hong-Kong. 

A pergunta que se coloca é a seguinte: será possível algum compromisso com Putin? Temo. 

A Europa e o Ocidente estão em desvantagem: querem evitar a guerra e não querem mesmo combater; Putin sabe isso e faz a guerra. Que fazer? 

A solução remete para a capacidade de resistência da Ucrânia. A dificuldade é a logística. Quanto tempo poderá resistir? 

E remete também para a determinação da Europa, é urgente a abertura da União Europeia à Ucrânia. Não estão os ucranianos a provar o direito de serem europeus? 

Mas a solução depende sobretudo da reação interna dos russos. Aceitará a Rússia, as elites, o povo, o que lhes está a ser imposto por Putin? Os seus métodos?