O mundo ao contrário, segundo MST

Estará MST a falar de Stoltenberg? Da UE? Dos EUA? Mistério.

Penso que é no filme Expresso da Meia Noite que o magnífico Robert Creel Davis, de nome artístico Brad Davis, às tantas começa a andar em sentido contrário ao dos outros prisioneiros no meio de um pátio. Bill Hayes, era assim que se chamava a personagem interpretada por Brad Davis, sentia que não podia enlouquecer, pois tinha como objetivo fugir da prisão turca, onde aconteciam as maiores atrocidades – parece até que depois do filme os turcos foram obrigados a fazer alterações no sistema prisional.

Recordo esta história a propósito da ‘guerra’ entre comentadores que atingiu um nível hilariante, que, como é óbvio, me diverte, pese o caso ser de uma gravidade extrema. Escreveu Miguel Sousa Tavares, num texto publicado no Expresso de 18 de fevereiro, mas escrito a 16: «Apostei que a Rússia não invadiu a Ucrânia. Espero ter ganho a aposta – não apenas até hoje, mas até um futuro tão longínquo quanto possível. Continuo convencido de que Putin – que indiscutivelmente desencadeou esta crise – o fez em estado de necessidade e por razões que são justas, atendíveis e, pelo menos, dignas de serem consideradas por todos os que não sejam beneficiários da guerra ou incendiários militantes e imbecis, como Stoltenberg [secretário-geral da NATO]. Quarta-feira à noite, ele falava do ‘novo normal’, qual seria o da manutenção permanente desta situação de tensão militar na fronteira russo-ucraniana. Leiam bem o seu pensamento maquiavélico: não havendo invasão russa, é isso o que ele mais deseja».

Depois deste magnífico texto, a Rússia invadiu barbaramente a Ucrânia, não tendo eu ainda percebido, atendendo ao raciocínio de MST, se Putin apenas fez a vontade a Stoltenberg ou se quis e quer mesmo reconstituir parte do antigo império soviético. Mas sei que a polémica se instalou e que MST foi dando algumas piruetas nos seus textos semanais, envolvendo-se com outros articulistas.

Continuando a andar (escrever) em sentido contrário – algo só possível em regimes onde os Putins da vida não estão no poder – MST acabava o seu texto de ontem da seguinte forma: «Não obstante as imagens de morte e de destruição que continuam presentes e não obstante as cirúrgicas provocações que nestas alturas vêm sempre do lado de cá, há também sinais de esperança para a paz mais fortes do que nunca antes. Porém, não consigo afastar esta sinistra suspeita de que, fora da Ucrânia martirizada, há muitos que não a desejam». Estará MST a falar de Stoltenberg? Da UE? Dos EUA? Mistério.

Continuando à volta, e falando de comentários fora da caixa, esta história fez-me lembrar a saída airosa que José Miguel Júdice encontrou, em 1980, para uma sentença que tinha proferido. Dizia em vésperas de eleições presidenciais, que opunham os generais Ramalho Eanes a Soares Carneiro, que se o candidato da Aliança Democrática (Soares Carneiro) perdesse as eleições nunca mais faria análise política. Como bom advogado – embora não o suficiente para ter comprado um Porsche, como afirmou recentemente – Júdice passou de analista a comentador político! Convenhamos que foi uma boa saída que MST podia seguir.

 

P. S. Esta semana o BE conseguiu aprovar na Câmara de Lisboa uma recomendação para que exista um ‘Selo de Espaço Livre de Assédio’ nos bares e discotecas. Como dizia um amigo, parece que os bloquistas querem impor um regime de apartheid nas pistas de dança. Esta vontade de proibir quase tudo é incompreensível. Quererá a autora do projeto transformar as discotecas em igrejas – embora até aqui existam olhares cúmplices (penso eu)? É com aberrações destas que se percebe o descalabro do BE nos últimos tempos.

vitor.rainho@sol.pt