Portugal – Turquia. Com um brilhozinho dos olhos e o carro à frente dos bois

Os turcos vêm aí para o play-off do Mundial. Primeiro confronto entre as duas seleções foi em Istambul, dia 18 de dezembro de 1955. Derrota portuguesa.

Os turcos, que nesta quinta-feira jogam nas Antas o play-off do Mundial-2022 frente a Portugal, fizeram questão de receber com toda a nobreza a primeira seleção lusitana a deslocar-se ao seu país para aquele que foi, igualmente, o jogo de estreia entre ambas as equipas. Dia 18 de Dezembro de 1955, antes de a bola começar a rolar em Istambul, o governador da cidade insistiu para que o então presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Ângelo Ferrari, descesse com ele ao centro do terreno para lhe apresentar, um a um, os jogadores selecionados. O ambiente era de festa, de uma festa agradável de dois conhecidos que, finalmente, começam a estreitar laços de amizade.

Mas, enfim, quando tocou ao jogo jogado, bola para cá e para lá, acabaram-se os salamaleques e a Turquia, encabeçada por um médio-centro de força formidável, Kadri Aytaç, não tardou a fazer rebentar uma bola na trave do guarda-redes Costa Pereira, acontecimento que provocou a natural excitação dos adeptos da casa que começaram a empurrar a sua equipa para um ataque porfiado. 

Tinha Portugal excelentes jogadores – Pedroto, Monteiro da Costa, Germano, Hernâni, Matateu, Águas, Travassos, Martins… Faltava-lhe, por outro lado, conjunto e capacidade para fazer de atletas provenientes de tantos clubes uma verdadeira seleção. Sendo assim, perdeu-se durante demasiado tempo. 

Durante longos minutos, para felicidade dos adeptos que enchiam o recinto até às linhas laterais, a velocidade dos turcos parecia querer fazer miséria numa atarantada defesa lusitana. Mas, como sabemos de cor e salteado, o futebol tem destas coisas inesperadas que fazem dele o mais apaixonante dos desportos coletivos: Costa Pereira despachou a bola para o mais longe possível da sua baliza, Matateu dominou com excelência, meteu em Hernâni que, azougado como sempre, driblou dois adversários e, à saída de Tugay, fez um golo totalmente contra aquilo que os prolíficos escribas de então gostavam de chamar a corrente do jogo.

Depois do intervalo A equipa de Portugal ganhou confiança. Estava na frente e, de repente, dominava os acontecimentos perante um grupo de turcos desiludidos mais os seus adeptos agora silenciosos. O intervalo pareceu cair que nem ginjas para os da casa. E caiu. Vieram para o segundo tempo completamente transformados. Sobretudo mentalmente.

Foi de livre direto que Lefter Küçükandonyadis inventou o empate, aos 51 minutos. O público do estádio Mithat Pasha ergueu-se numa ovação feliz. O recinto não ia muito para além dos 22 mil lugares, mas parecia que havia gente dependurada até nas torres dos holofotes.

Perante o choque dos portugueses, os turcos tiraram proveitos dos minutos que se seguiram – aos 57, foi Metin Otkay, ponta-direita, a esgueirar-se com a propósito e a fazer o 2-1. Nesse momento, apesar das insistentes cavalgadas de Matateu, que procurava combinar com José Águas na frente de ataque, a seleção nacional deixou de ter controlo sobre o que se passava no relvado. Não que o adversário fosse poderoso ou assustador, mas os seus jogadores tinham nos olhos aquele brilhozinho de quem já está a pôr o carro muito à frente dos bois, se o Sérgio Godinho me dá licença.

De nada serve agora ao enorme Travassos segurar a bola como só ele sabia e colocá-la milimetricamente nos companheiros. São, exasperantemente, batidos em todos os confrontos individuais pela maior rapidez e vontade dos opositores. Nazmi Bilge, entrado em campo ao intervalo, fecha as contas da partida com o 3-1. O final é festivo, portugueses e turcos trocam cumprimentos calorosos próprios de quem se defrontou pela primeira vez. A desforra fica marcada para Lisboa, para o ano seguinte. Portugal viaja de imediato para o Cairo, onde ainda tem um compromisso com o Egipto antes do Natal.