Apesar da subida de preços, analistas afastam pior cenário relativamente à estagflação

A guerra ameaça acelerar a inflação e diminuir o crescimento económico. Mas analistas contactados pelo i afastam pior cenário económico.

Depois de a presidente do Banco Central Europeu (BCE) ter afastado num cenário de estagflação – situação em que um determinado país ou bloco económico, como é o caso da União Europeia, está numa “tempestade perfeita” com três fatores a contribuírem para uma crise: alta inflação, queda do crescimento económico e aumento do desemprego – foi a vez do vice-presidente do BCE ter descartado este cenário. “Podemos afastar a possibilidade de estagflação, porque mesmo no pior cenário vamos ter um crescimento de cerca de 2% em 2022”, disse Luis de Guindos. Christine Lagarde, disse, esta segunda-feira, que não previa um cenário de estagflação, reconhecendo que a curto prazo o encarecimento da energia e a aceleração da transição energética vão subir os preços.

O que pensar? De acordo com os analistas contactados pelo i ainda é cedo para avançar com o pior cenário. Para o analista Henrique Tomé, da XTB, “ainda existem muitas incertezas em torno da resolução do conflito no Leste da Europa”, ainda assim, admite que se “torna difícil de avançar com os possíveis impactos que a guerra pode ter no desenvolvimento da economia a longo prazo”, reconhecendo, no entanto, que “já estejamos a sentir algum impacto a curto prazo”.

Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, lembra que a subida dos preços da energia, dos produtos agrícolas e dos metais industriais, intensificada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, ameaça acelerar a inflação e diminuir o crescimento económico. “O BCE elevou significativamente as suas previsões de inflação para 2022, e agora espera que os preços no consumidor subam 5,1%, em vez dos 3,2% projetados anteriormente. Quanto ao PIB [Produto Interno Bruto], o banco central da Europa espera que a economia cresça apenas 3,7% em 2022, abaixo da previsão anterior de 4,2%”, diz ao i, acrescentando que “um crescimento de 3,7% na Zona Euro não é, com certeza, uma estagnação. Todavia, a inflação projetada de 5,1% é um valor relativamente elevado, apesar deste aumento do índice de preços no consumidor ser na sua grande maioria impulsionado pela subida dos preços da energia, desde petróleo, gás natural, carvão e eletricidade”.

Mas de acordo com o responsável estão previstos dois cenários, em que um deles poderá forçar o BCE a admitir uma estagflação no futuro, caso o conflito na Ucrânia se intensifique e culmine num agravamento do preço do petróleo e do gás natural, nomeadamente novos máximos históricos. Neste cenário, o BCE poderia rever novamente o crescimento em baixa e acelerar ainda mais as expectativas para a inflação. Num segundo cenário, de acordo com o mesmo, está previsto a resolução do conflito ou mantê-lo pelo menos confinado à Ucrânia, afastando boa parte dos atuais receios de estagflação. “Se se mantivesse a tendência de revisão em baixa do crescimento económico e em alta da inflação, o cenário de estagflação seria cada vez mais elevado”. 

Já Mário Martins, analista da ActivTrades, lembra que a função de ambos inclui a tranquilização do sistema financeiro”, o que reduz a probabilidade de assumirem um risco de tal magnitude sem que este esteja na iminência de se efetivar, no entanto ele existe e cada dia que passa ganha mais exposição no ruído de mercado”.

Quais os riscos? Para Paulo Rosa, a inflação continua a preocupar os investidores e os próprios Bancos Centrais. “Os efeitos da guerra deverão agravar ainda mais este cenário e o Banco Central Europeu, muito provavelmente, irá seguir os mesmos passos que a Reserva Federal Americana e terá também de aumentar as taxas de juro a um ritmo mais acelerado do que se esperava inicialmente”, lembrando que o aumento das taxas de juro deverá provocar um abrandamento em termos de crescimento económico. Ainda assim, refere, que “a situação na Europa é ainda mais sensível, dado que existem muitos países com elevados níveis de endividamento e o aumento repentino das taxas de juro poderá colocar em risco os países mais endividados, como Portugal, Espanha e Itália, por exemplo”.

Uma opinião partilhada por Henrique Tomé ao garantir que “a inflação continua a preocupar os investidores e os próprios Bancos Centrais”, acrescentando que “os efeitos da guerra deverão agravar ainda mais este cenário e o Banco Central Europeu, muito provavelmente, irá seguir os mesmos passos que a Reserva Federal Americana e terá também de aumentar as taxas de juro a um ritmo mais acelerado do que se esperava inicialmente”

Já Mário Martins lembra que o “BCE ainda nem sequer começou a luta contra a inflação, parece que ‘está à espera que passe’, contrariamente ao ensinamento que deveria toldar o julgamento dos membros do banco central, retirado dos últimos doze meses. Uma subida de preços que ganhou novo fôlego com a guerra a leste da Europa e que nesta vertente de pressão o alívio é uma incógnita, não apenas no tema da energia, mas principalmente no impacto da disponibilidade e preços na alimentação básica. São dois fatores de risco muito significativos, ao que se junta a incerteza sobre o fim da pandemia, as consequências do final do programa de compras de ativos e a subida dos juros por parte do BCE, o que tudo somado cria uma sopa de problemas fomentadores de estaglafação, que terão de ser resolvidos, estando o banco liderado por Lagarde muito atrás da curva dos acontecimentos”, salienta.

O que esperar No entender de Paulo Rosa, o aumento das taxas de juro deverá provocar um abrandamento em termos de crescimento económico. Mas deixa um alerta: “A situação na Europa é ainda mais sensível, dado que existem muitos países com elevados níveis de endividamento e o aumento repentino das taxas de juro poderá colocar em risco os países mais endividados, como Portugal, Espanha e Itália, por exemplo”, daí considerar que os próximos anos poderão ser marcados por um crescimento económico mais lento por parte das principais economias mundiais. Se por um lado temos a Europa em guerra, por outro temos ainda a questão da pandemia que continua a assombrar a economia chinesa, que tem voltado a apostar nas medidas de confinamento em várias regiões e não podemos excluir a possibilidade de voltar a agravar-se durante o período do outono/inverno nos países ocidentais.

“Em Portugal, a situação é extremamente sensível dado que o país apresenta um nível elevado de dívida, que se agravou desde a pandemia. Se o BCE começar a adotar políticas monetárias mais restritivas, então Portugal é dos países mais prejudicados e ficará numa situação bastante sensível, correndo sérios riscos de entrar em recessão se estas medidas tiverem um forte impacto económico no país.