O que leva Putin ao suicídio?

«Antes de nos indignarmos, é preciso pensar».

Pequim, 21 de fevereiro de 1972. O encontro entre Mao Tsé-Tung e Richard Nixon, cozinhado por Kissinger e Chu En Lai desde 71, que restabeleceu as relações bilaterais entre a China e os Estados Unidos, realizava a triangulação que deu início à ‘semana que mudou o mundo’, redefinindo a rota geopolítica e económica mundial, com consequências no desenvolvimento chinês e global… cercando e isolando a URSS.

Hoje, com o Acordo de Cooperação Conjunto Sino-Russo, assinado em 4 de fevereiro na abertura das Olimpíadas de Inverno de Pequim – abrangendo um amplo leque de interesses comuns e de compromissos, designadamente no domínio das mudanças climáticas, da saúde global, da cooperação económica, da política comercial e do quadro regional geoestratégico -, a China promove triangulação idêntica, tendo em vista a disputa da hegemonia aos EUA, que terão percebido obviamente a intenção.

O que a China seguramente não previra é que, dois meses depois dessa assinatura, a Rússia invadiria a Ucrânia, criando um gravíssimo problema e desafio a Xi Jinping, o arquiteto da estratégia. 

A China nunca poderia apoiar a invasão da Ucrânia, pois isso contrariaria a sua posição secular de defesa da soberania dos Estados. Sendo conveniente neste imbróglio ter presente que a Rússia é o mais antigo inimigo militar da China, a ameaça mais antiga às suas fronteiras, na qual não confia e com quem nunca se aliará belicamente. 

Um apoio a Putin neste conflito – tendo em conta que a Rússia depende absolutamente da China para continuar a guerra -, isolaria internacionalmente a China, pararia o seu crescimento e desenvolvimento triunfantes, afetaria ou inviabilizaria mesmo as suas aspirações a um papel relevante na ordem planetária, que começa a verificar-se, e atirando Xi Jinping, se não o regime, para o destino de Putin.

O conflito da Ucrânia, depois da assinatura do Acordo de Cooperação com Putin, coloca, pois, Xi Jinping num grande embaraço. 

A única opção para ele – a preparar a nomeação para um inédito terceiro mandato, daqui a dois meses – é travar a Rússia na invasão, assumindo ou não a mediação pública, ou rasgar o acordo. É a esta luz que deve ser compreendida a posição prudente da competente diplomacia chinesa. 

É consenso geral que a invasão da Ucrânia foi uma tolice imensa e que será o fim de Putin. José António Saraiva explicou isto muito bem no Nascer do Sol.

Mas Putin poderá ser assim tão tolo (por mais ressentido e ávido de poder que seja), os seus serviços secretos serão tão incompetentes, as elites e líderes políticos russos tão suicidas para terem incorrido em tal enormidade?

 Pergunta de 1 bilião de dólares: como foi Putin levado a atirar-se ao abismo, arrastando a Rússia com ele? Colocando a China no dilema em que está? Dois coelhos numa cajadada? Com a China fiará mais fino.