Por quem os sinos dobram

Tal como se percebe naquela obra de Hemingway, qualquer perda humana, mesmo num país longínquo, é também uma pequena morte para cada um de nós

Em 1940, o escritor norte-americano Ernest Hemingway lançava uma das suas mais famosas obras literárias que viria a servir de base, três anos mais tarde, a um filme não menos famoso, com o mesmo nome: Por quem os sinos dobram. 

Este título faz-nos também recordar o escritor inglês John Donne, que via a guerra como um absurdo, qualquer coisa sem sentido, onde vidas humanas se perdiam pela incapacidade de diálogo e de entendimento entre os homens. «Quando um homem morre, morremos todos, pois somos parte da humanidade», escrevia. E no livro de Hemingway – apesar de se tratar de um romance, tendo como pano de fundo a Guerra Civil de Espanha – está presente a mesma ideia. 

Este é apenas um exemplo, e muitos mais podia citar. De facto, não deve haver ninguém à face da Terra que não condene veementemente este tipo de conflito armado entre povos. Guerra é o apelo ao lado mais cruel do coração do homem, dos que querem conquistar pela força o que não conseguiram por meios pacíficos. 

A História, infelizmente, está repleta destes conflitos, com a consequência inevitável de muitas vidas humanas que se perderam, muitas delas sem nada terem feito nem contribuído para tal desfecho. 

Presentemente estamos a viver a guerra da Ucrânia, com as imagens chocantes que a toda a hora chegam até nós. Somos bombardeados com notícias alarmantes que deixam antever os perigos que se perfilam no horizonte. Quem havia de dizer que, depois da pandemia pela qual passámos (e ainda estamos a passar), nos estava reservada outra guerra, de contornos bem diferentes e igualmente devastadora?

Face aos cenários de horror que repetidas vezes nos são mostrados, o bastonário da Ordem dos Médicos, numa louvável iniciativa, escreveu uma carta aberta visando unir os médicos portugueses em torno do objetivo comum de acabar com o conflito bélico e propor a abertura na Ucrânia de corredores humanitários independentes, com um único propósito: salvar vidas.

Este documento, assinado por mais de 10 mil médicos – e que também subscrevi –, surge na sequência do desrespeito total pelos mais elementares direitos humanos que se tem verificado nesta guerra e que para nós, profissionais de saúde, assume uma importância capital.

Olhando agora para nós, cabe perguntar: qual é o nosso papel? Somos solidários? Somos mais poupados com os recursos que temos? Somos mais prudentes? Estamos a gerir bem a nossa saúde ou continuamos no ‘salve-se quem puder’, agarrados à ideia de que ‘a vida são dois dias’? 

E quanto ao Estado? O acesso aos cuidados de saúde está garantido para todas da mesma forma? Quem não tem médico de família e não dispõe de seguro de saúde tem resposta do SNS?

É altura de nos interrogarmos e de pormos a mão na consciência – nós, que estamos comodamente instalados no sofá, em frente a uma televisão a ver grávidas e crianças sem o mínimo de condições de sobrevivência, famílias destruídas, habitações em chamas e corpos amontoados em valas comuns.

Tal como se percebe naquela obra de Hemingway, qualquer perda humana, mesmo num país longínquo, é também uma pequena morte para cada um de nós. Ninguém pode ficar indiferente ao que está a acontecer naquele país distante, nem admitir sequer que nada daquilo é connosco. Citando o escritor John Donne: «A morte de qualquer homem me diminui porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti».

Como católico, peço a Deus que a visão que nos é mostrada do inferno da Ucrânia desapareça rapidamente dos nossos olhos, para que a paz volte novamente aos nossos corações. Somos contra a guerra. Queremos a paz.

P.S. – Sobre o meu último texto, dedicado à Casa do Artista, o ator Carlos Quintas informou-me que a primeira ideia partiu de Maria Matos, que até chegou a pedir apoio a Salazar,  embora sem sucesso. Mas o projeto não morreu e os que citei levaram-no por diante. O seu a seu dono…