Poesia em tempos de guerra

O livro ‘Amor em Folhas’, de Ernesto Dabo, assume o merecido lugar no altar supremo, constituindo uma ferramenta essencial para ultrapassarmos estes momentos desumanos

Alexandre Faria , Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Enquanto a Europa continua a enfrentar uma ameaçadora, insana e violenta guerra, com repercussões ainda por estimar, deixando todos inquietos, o mundo cruzou um novo aniversário do Dia Mundial da Poesia. E se os poetas são incapazes de suster os conflitos armados ou de assegurar a necessária equidade neste mundo, são os únicos apaziguadores de almas, mensageiros de esperança e de ambição num mundo melhor, mais justo, solidário e equilibrado, capazes de transportar a força e a inspiração necessárias para recuperar as perversidades que a humanidade persiste em criar.

Num gesto semelhante aos emotivos concertos improvisados ao ar livre pelas orquestras ucranianas, realizados em cidades como Kiev ou Odessa, o poeta, cronista, dramaturgo, músico e fotógrafo guineense Ernesto Dabo lançou nas vésperas deste significativo dia o seu novo livro, Amor em Folhas, publicado pela Editorial Novembro, um grito de fé que ecoa nestes tempos que exigem o melhor do ser humano.

Sempre acompanhado nos inesquecíveis passos dados nas águas e nas estradas do seu país pela fundadora da editora, Avelina Ferraz, a apresentação no centro cultural português, em Bissau, assinalou o merecido reconhecimento pela defesa intransigente da cultura da lusofonia que o autor promove e da qual nunca desiste.

Antecedida pela estreia da obra na histórica ilha de Bolama, na Guiné-Bissau, cidade-natal do poema que o mundo lusófono acolhe, o berço de onde partiu para o mundo, na verdade, o lançamento inicial nunca poderia ter ocorrido noutro lugar, coincidindo com as comemorações do aniversário da cidade, organizadas de uma forma perfeita pela ONG Pró-Bolama, criada por Ismael Medina, incansável no apelo constante à recuperação de um dos mais importantes centros imortais e culturais da nossa língua comum.

A data de 143 anos, contada a partir de 18 de março de 1879, assinala a elevação de Bolama a capital, separando-a administrativamente de Cabo Verde, na sequência da decisão favorável aos argumentos portugueses pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, árbitro internacional que mediou o conflito entre Portugal e o Reino Unido pela disputa e posse daquela ilha.

Partindo da ilha que nunca abandona no seu coração, Ernesto Dabo conduz-nos numa notável jornada pelas emoções ao longo das folhas do seu livro, personificando o verdadeiro ativista cultural no preciso momento em que a vida se torna na obra e onde o texto sai lavrado do seu corpo pela missão que abraçou na sua eternidade. Onde o amor se torna no alicerce e na resposta para a humanidade.

O choro do mundo ouve o poeta através das apropriadas palavras derretidas nas suas páginas e cito a sua crença e vontade inabaláveis: «Acima de todos os horrores vividos, espalhando vida por todos os poros.» Ernesto Dabo é uma das maiores referências da cultura da lusofonia, expoente máximo das línguas que nos unem pelos continentes que se expressam em conjunto e esta edição assume o merecido lugar no altar supremo que não pediu, constituindo uma ferramenta essencial para ultrapassarmos estes momentos desumanos.