Porrada em Hollywood

Smith podia muito bem ter evitado dar uma estalada em Rock; mas, já que a resolveu dar, deveria tê-lo posto a dormir,em vez de lhe fazer uma carícia…

por João Cerqueira

Desde pequeno que gosto de filmes de porrada, sobretudo quando o mau da fita leva no focinho. Tenho pena que o Evaristo, quando lhe diziam «tens cá disto», nunca tenha acertado com as latas na cabeça daqueles mariolas. Filmes complicados como os de Bergman ou Tarkovsky fazem-me dores de cabeça. Os Sete Samurais, ainda vá lá, mas o resto dá-me sono. Por isso, aprecio tanto os filmes de Hollywood, pois é impossível alguém não levar um soco ou um tiro passados alguns segundos da história começar. Até nos filmes pornográficos as atrizes levam mais tempo a tirar a roupa.

Assim, fiquei profundamente desiludido com a cena da entrega dos Óscares onde Will Smith dá uma bofetada em Chris Rock. Pensava que ele era um duro da pancadaria e do tiroteio e, afinal, nem uma estalada sabe dar. Praticante de artes marciais desde os vinte anos, aprendi com os meus mestres japoneses e portugueses três regras básicas que Smith desconhece: deve-se evitar por todos os meios o confronto; se tal não for possível, deve-se eliminar o agressor o mais rapidamente possível; e, por fim, abandonar logo o local. Ora Smith podia muito bem ter evitado dar uma estalada em Rock; mas, já que a resolveu dar, deveria tê-lo posto a dormir, em vez de lhe fazer uma carícia; e, por fim, deveria ter dado à sola em vez de voltar a sentar-se.

O homem é uma fraude. Se nunca tinha conseguido ver um filme de Will Smith até ao fim, doravante nem o princípio das suas fitas irei ver.

Como é sabido, os americanos têm pouca História. Neste caso, faltam-lhes figuras tutelares de pancadaria como a padeira de Aljubarrota – a inventora da paridade entre os sexos. Se isto fosse com um português, o resultado seria outro. Imagine-se que convidavam o Dr. João Soares para receber um Óscar pela sua carreira política e Chris Rock o provocava com piadinhas idiotas. Ora, o mais certo era o Dr. Soares levantar-se e mostrar ao comediante que não se brinca com homens de barba rija: puxava o braço atrás e dava-lhe, não uma, mas duas valentes bofetadas que o fariam rodopiar no palco. Stallone e Schwarzenegger encolher-se-iam. Loiras silicónicas pedir-lhe-iam o telefone. Tarantino convidá-lo-ia para o próximo filme. O impacto internacional desta exibição de bravura lusitana seria tal que era provável que Espanha nos devolvesse Olivença e a França o saque das Invasões Napoleónicas.

Porém, há quem diga que tudo não passou de uma encenação combinada para aumentar as audiências. Ora se tal for verdade, o caso é grave.

Em primeiro lugar, há a questão da discriminação das mulheres. Por que motivo tinham de ser dois homens a andar à luta por causa de uma mulher e não duas mulheres por causa de um homem? Onde está a paridade de que Hollywood tanto se gaba? Até no plano estético e conceptual, não seria muito mais fascinante vermos duas mulheres à chapada? Julia Roberts a dar uma lambada na Meryl Streep ou a Lady Gaga engalfinhada com a Madonna – por exemplo, por minha causa. Está provado cientificamente que uma mulher é tão capaz quanto um homem de desferir um bom tabefe seja em quem for. Muitas delas, aliás, tem até experiência de bater nos filhos e nos irmãos mais novos. O machismo, infelizmente, não tem emenda.

Depois, há a delicada questão racial. Pôr um negro a bater noutro negro é uma oportunidade perdida de se ajustar contas com o passado. Fazendo a vontade aos que pretendem que os brancos do século XXI sejam punidos pelos crimes dos escravocratas dos séculos anteriores, Will Smith deveria ter batido em Clint Eastwood – nos velhos, pode-se bater à vontade. Ainda que não pudesse reparar os erros do passado, este bofetão pós-colonial teria um efeito simbólico muito superior ao derrube de estátuas e à censura de E tudo o vento levou.

Outra boa solução, politicamente correta e amiga do ambiente, seria a Greta irromper por ali dentro com um cacete e começar a dar bordoada a torto e a direito acusando cada um daqueles milionários de poluir mais o planeta do que cem pessoas que não têm jatos particulares. E no fim, batendo no peito em ato de contrição, as vedetas entregavam uns cheques com muitos zeros ao pai da Greta e prometiam que iam passar a usar os transportes públicos e a comer tofu.

Contudo, uma vez que os Óscares são uma boa fantochada, e dentro do espírito de inclusão que lamentavelmente falhou, o melhor seria pôr as vedetas todas à bofetada: negros, brancos, asiáticos, índios, mestiços, homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, transexuais, tudo à molhada como no filme Balbúrdia no Oeste. E para árbitro, dada a sua sobeja experiência na matéria, convidava-se o Dr. João Soares, coadjuvado por Mel Brooks e Mickey Rourke.