O cão que não ladrou

A invasão da Ucrânia pela Rússia, despoletou uma forte condenação do mundo ocidental. Ainda bem que assim foi! 

Por Pedro Ramos

 

Nova Iorque, março 2022

Gregory (Scotland Yard detective) – Is there any other point to which you would wish to draw my attention?
Sherlock Holmes: To the curious incident of the dog in the night-time.
Gregory: The dog did nothing in the night-time.
Holmes: That was the curious incident.
Arthur Conan Doyle, 
The Adventure of Silver Blaze

«Ó Mestre, fazei que eu procure mais: […]compreender, que ser compreendido».
Oração de S. Francisco de Assis

Queridas Filhas,

Uma das coisas mais interessantes das viagens, é ver o nosso país e cultura com olhos de fora» disse-me o meu amigo Francisco Souto e Castro. Acabávamos de aterrar em Londres para a minha primeira viagem fora da Ibéria. E a viagem não desapontou… De tal forma que continuei a fazer mais (Japão altamente recomendado para uma perspetiva diferente!). 

Mas esta perspicaz observação aplica-se para lá de turismo. Talvez o exemplo mais dramático, foi como conheci a vossa mãe. Marcamos o primeiro encontro para as 7 da tarde. Ela atrasou-se e entre mensagens e telefonemas pediu desculpa. No final chegou pelas 7:45. Diz o senso comum que qualquer pessoa de NY que se auto-respeite não espera mais de 15 minutos. Mas eu esperei. Porquê? Porque me pus nos pés dela. Das duas uma: ou de facto tinha pouco interesse e a relação não teria futuro. Algo que ficaria claro durante o encontro. Ou o atraso, devia-se a um imprevisto grave e, uma possível relação não pode estar dependente de imprevistos. O resto é agora história e também ingrediente para muitas piadas…

Focar-me na perspetiva do outro tem sido uma fonte de riqueza enorme para mim. Emocional, Espiritual, Financeira e Material. Estou convencido que dificilmente alguém poderá ser bom investidor sem entender bem a perspetiva de quem esta do outro lado do negócio. Porquê alguém me quer vender a um preço que eu acho atrativo comprar? Porquê alguém me quer comprar a um preço que acho atrativo vender?

Grandes bolhas e pânicos acontecem quando não se perguntam estas questões. As pessoas aceitam o senso comum com pouca reflexão e deixam de pensar por cabeça própria. Imagino que vocês pensem que isso não vos vai acontecer. Mas aqui vai um estudo de caso atual:

A invasão da Ucrânia pela Rússia, despoletou uma forte condenação do mundo ocidental. Ainda bem que assim foi! As imagens de civis, principalmente mães e crianças mortas, deslocadas e traumatizadas são inaceitáveis e têm que parar o mais rapidamente possível. Nada justifica este tipo de sofrimento infringido noutro povo, quando a segurança das famílias russas não está, nem nunca esteve em causa. É muito tentador olhar para este conflito como entre pessoas 100% certas de um lado e 100% erradas do outro. Pode mesmo ser esse o caso. Mas a minha idade e experiência, faz-me resistir esse impulso que nos faz imediatamente deixar de pensar.

Tenho amigos russos, ucranianos, chineses. Tenha família indiana. Alguns dos meus amigos russos, com muita coragem, denunciaram os ataques a crianças nas redes sociais! Mas como chegamos aqui? Porque não condenou a China estes ataques bárbaros? E a Índia, como maior democracia do mundo, como se pode manter neutra? Não tenho boas respostas. Mas não acredito que metade da população mundial seja malévola e indiferente ao sofrimento de crianças. 

Assim, no Ocidente temos que nos focar nestas perguntas também. Perceber o mundo do lado de fora. Muita sabedoria virá deste estudo. Talvez até se consiga evitar futuros conflitos. Pois apesar da atual união do ocidente saber bem depois de anos de discórdia e fricções internas, este conflito quando passar pode apenas ser um penso rápido sob feridas mais profundas. 

Porquê na China as pessoas não reclamam a democracia? Porque será que os biliões da Ásia, Rússia, Índia e Médio Oriente olham para o modelo do Ocidente com desprezo? Muito podemos aprender e crescer estudando estas questões. 

Como imaginam, tenho estado a estudar este tema e alguns temas surgiram: olham para o ocidente como uma sociedade superficial, sem moral e individualista. Talvez a melhor caricatura sejam as Kardashians. Tudo para a imagem. Sem grandes convicções pessoais ou de moral. Orientais olham para o Ocidente como uma cultura de pessoas que não sabem fazer sacrifícios, que já não produz heróis. Que prefere ficar cómodo em casa sozinho a ver televisão. Que se isola da comunidade. Que não investe em amigos.

Eu não concordo. Mas é uma perspetiva interessante. Acho que se esquecem dos heróis do Dia-D da invasão da Normandia, ou mais recentemente, dos bombeiros que subiram as torres gémeas várias vezes para salvar sobreviventes, sabendo que a própria morte era provável. Sim, há muitos heróis no ocidente. E na Ucrânia também. Mas também há muito que aprender, na exploração do desprezo com que estas populações olham para a vida no Ocidente. Vou continuar a estudar. Se tiverem ideias enviam-me para pedro.jacome.ramos@gmail.com Como diz S. Francisco vamos procurar compreender primeiro antes de ser compreendidos.