A Alemanha ‘refém’ dos interesses!

A Alemanha, o país da ética e da separação entre a política e os negócios, ficou refém de Gerhard Schröder, fruto das relações perigosas e deixou parte da Europa de ‘pés e mãos atadas’.

por Carlos Bonifácio
Mestre em Estratégia 
e João Barreiras Duarte
Consultor e Gestor de Empresas

Várias personalidades e alguns países já tinham chamado a atenção, após a anexação da península da Crimeia em 2014, que a excessiva dependência de recursos energéticos da Rússia podia sair cara à Europa. Estes alertas confirmaram-se em pleno no último mês. Como foi possível parte da Europa ter ficado dependente da Rússia, da Gazprom e da Rosneft, gigantes monopólios que estão nas ‘mãos’ de Putin?

A Alemanha, o berço das regras e da ética de Max Weber, é responsável por parte do problema que todo o continente agora enfrenta. Como foi possível que um ex-chanceler (Gerhard Schröder) tenha saído da chefia do governo alemão para presidente do Conselho de Segurança e Vigilância da Rosneft, o maior grupo petrolífero da Rússia e que integrava o comité de acionistas do Nord Stream 2, da Gazprom? Alexei Navalny, líder da oposição a Putin e preso político por mero delito de opinião, chamou-lhe ‘moço de recados’ ao serviço do presidente russo.

A Alemanha, a locomotiva económica, está de ‘joelhos’ perante a Rússia e a sua máquina de guerra. A Alemanha, o país da ética e da separação entre a política e os negócios, ficou refém de Gerhard Schröder, fruto das relações perigosas e deixou parte da Europa de ‘pés e mãos atadas’. Mas Schröder, enquanto representante dos interesses russos, não é o único responsável; a Senhora Merkel durante anos foi conivente com a dependência do gás russo. O seu apoio à construção do Nord Stream 2 só não teve mais consequências porque a guerra na Ucrânia colocou a ‘nu’ estas cumplicidades que deixaram a Alemanha dependente de 50% do gás e dos interesses russos, o mesmo sucedeu com os Países Baixos, a Itália e Hungria só para se falar em algumas nações com maior expressão que estão nesta posição de dependência, ainda que, por razões diferentes.

Bem nos recordamos como os países do Sul foram tratados aquando das crises das dívidas soberanas. Há época, propagava-se a ideia de que os povos do Sul eram uns facilitistas, manietados por interesses económicos e financeiros. A história encarregou-se de confirmar que afinal é no centro da Europa que os interesses políticos e económicos mais se misturam.

Como vai a Europa libertar-se deste colete-de-forças e da dependência energética perante um país que não respeita os princípios do direito internacional?

Um corte radical da importação de gás e petróleo russo levaria a um fim previsível do esforço de guerra de Putin, mas tal seria incomportável para a Europa e para milhões de europeus. Portanto, um erro cometido durante mais de uma década não tem uma solução em meses. O processo de correção e ‘emenda’ parece agora irreversível, depois de a Alemanha reconhecer o erro geopolítico cometido, mas nunca demorará menos de meia dúzia de anos numa perspectiva otimista.

A UE está à procura da alternativa ao gás russo e os EUA já se colocaram na primeira linha no fornecimento de gás liquefeito. Contudo, até se anular a dependência russa, ainda há um longo caminho a percorrer. É preciso encontrar os portos que recebam este recurso energético que só por via marítima pode ser transportado.

O gás do continente africano é outra possibilidade, países como a Argélia, a Nigéria, o Egito e Angola são opções alternativas ao gás russo, mas as instabilidades políticas podem ser um óbice. No caso do gás da Argélia, os diferendos no atravessamento do gasoduto em solo marroquino têm provocado tensões entre Rabat e Argel, o que complica esta alternativa.

Entretanto, é urgente pôr cobro à especulação dos preços das fontes energéticas. O poder de negociação da Europa como um todo poderá ser uma vantagem competitiva à semelhança do que aconteceu com a aquisição das vacinas para a covid. É nas crises e perante as incertezas que as democracias se fortalecem, assim se espera!