Salgueiro Maia. “Este é um filme de enorme tensão! Um filme internacional!”

Cumpriram-se, domingo, precisamente 30 anos sobre a sua morte. António Sousa Duarte e José Francisco Gandarez são os principais responsáveis pelo filme realizado por Sérgio Graciano e que tem como título – Salgueiro Maia – O Implicado. Viagem em redor do herói de Abril que enfrentou um chaimite com uma granada no bolso.

É o António que conta: «Quando, em 1995, publiquei Salgueiro Maia – Um Homem da Liberdade, o_Manuel Alegre, que apresentou a biografia, disse-me – «Este texto dá um excelente guião para um filme». O Manuel Alegre, meu tão querido amigo e mestre, costuma dizer: «Os poetas têm razão!» Teve-a. O António é o António Sousa Duarte, companheiro desde os tempos da adolescência, nos Olivais-Sul, assim só um bocadinho mais novo do que eu, nascido da colheita de 1964, homem que decidiu que havia de fazer de tudo um pouco e vai fazendo, um mundo de projetos dentro dele, este último um filme, sobre o herói da sua vida (e a palavra herói vai mesmo com a intenção de ser herói, não um herói qualquer de vão de escada), Salgueiro Maia, produzido pela Skydreams Entertainment, do José Francisco Gandarez , outro inquieto, embora com a vantagem de ser dez anos mais novo, que se escapa da sua vida de advogado pelas frinchas das janelas da imaginação.

Encontramo-nos os três à esquina, tal como na cançoneta do só-li-dó, no caso a esquina da Av. da República com a Miguel Bombarda, para que eu possa ficar a saber e falar com propósito desta película que se estreia em cima dos 30 anos da morte de Salgueiro Maia. Dirigida por Sérgio Graciano, tendo como base o guião de João Matos feito com base na biografia do capitão de Abril escrita por Sousa Duarte, conta com Tomás_Alves no papel de protagonista. Salgueiro Maia – O Implicado – bate-nos, portanto, à porta. E eu bati à porta do António e do Zé para saber por eles aquilo que o público pode esperar no próximo dia 14, data da estreia.

Comecemos pelo vil metal. Vocês são produtores: este filme saiu-vos caro?

Fala o Zé:

Como acontece, inevitavelmente, com o cinema português, só se consegue avançar para uma longa metragem se tivermos apoios fortes. Neste caso tivemo-los: RTP, Cinemundo, MEO. Montepio… Sem isso é impossível. Registo também esta curiosidade: as filmagens foram realizadas durante a fase de confinamento por causa do COVID, o que obrigou a uma engenharia bastante complexa. 

(A recolha de imagens deu-se durante o ano de 2020, na Academia Militar, em Lisboa, na Escola Prática de_Cavalaria, em Santarém, no Liceu Sá da Bandeira, também em_Santarém, que_Salgueiro Maia frequentou, em_Castelo de Vide, onde nasceu, e em Pombal, onde passou parte da juventude).

Conseguiram contratar os profissionais que queriam?

Fala o_António:

Sim. Posso dizer já que o_Tomás Alves é um Salgueiro Maia notável! Notável! Há um dos cartazes do filme em que é ele o fotografado e é praticamente impossível distingui-lo do autêntico Salgueiro Maia. A Filipa Areosa também faz um grande papel…

– E o António já viu o filme para aí umas duzentas vezes, acrescenta o Zé.

Calculo que não dê para ganhar dinheiro…

Continua o Zé:

– Pois. Há outra questão que em Portugal mexe muito – sem televisão também é muito complicado fazer cinema. E muito do investimento vai para a distribuidora… Depois, o mercado é muito pequeno. Posso dizer-te que o projeto em que trabalhei e que atraiu mais gente às salas foi O_Pátio das Cantigas.

Quantos?

– 600 mil espectadores no espaço de três meses. Só com números assim começa a compensar o dinheiro investido.

E agora, com o Salgueiro Maia? Um «break even»?

António, otimista:

Sim. Caminharemos para isso. Acho que vamos ter uma bilheteira bastante agradável.

Quanto tempo demorou a estar pronto?

Avança o Zé:

– Só a rodagem em si foram quatro semanas e meia. Diria que, no total, entre quatro e cinco meses.

(José Francisco Gandarez gosta de desafios e meteu-se neles com a facilidade com que um homem se mete em sarilhos. Lançou-se na aventura de recuperar os clássicos de outras eras, com O Pátio das_Cantigas, O Leão da Estrela e a Canção de Lisboa).

Agora fala ele:

Sinto necessidade de inovar e de trazer coisas novas para o cinema português. Esse caso dos clássicos foi um deles. Mas também entrámos no campo da política, com Snu._Coisas novas, que sejam nossas, atenção! Há muito para explorar em Portugal, há muita matéria para se transformar em longas metragens._Snu é um filme sobre a morte precoce da Snu Abecassis mas entra inevitavelmente pelo campo da política pela sua relação com Sá Carneiro. Salgueiro Maia é a história do grande herói do 25 de Abril, mas obrigatoriamente conta não apenas a sua vida mas sim essa grande alteração na história de Portugal, a revolução que se fez sem sangue.

Tens outros projetos do género em carteira?

– Sim. Dentro da ideia das histórias de vida que nos contam a história do país, tenho o projeto de fazer um filme sobre o Mário Soares e outro sobre o Álvaro Cunhal. Um filme para cada um e, ao mesmo tempo, uma série televisiva para os dois, sobre ambos, a meias. Outra personagem que me interessa, sob esse aspeto, é a do general Ramalho Eanes. E investindo no que é português, recuperar em cinema as peripécias da guerra do Raul Solnado.

Inevitavelmente Santarém

O Manuel Alegre, que cedo descobriu que Salgueiro Maia – Um Homem da Liberdade, iria dar, fosse quando fosse, um belo guião para um filme, escreveu:

«Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.
Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.
Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.»

Inevitavelmente Santarém.

Fernando José Salgueiro Maia nasceu em Castelo de Vide no dia 1 de Julho de 1944. Aos dois anos ficou órfão de mãe; Francisca Silvéria. Em 1964 estava em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria, a fazer o tirocínio depois de ter terminado o curso na Academia Militar de Lisboa. Na madrugada de 24 para 25 de_Abril de 1974, saiu de Santarém comandando uma coluna de blindados que tinha como missão montar o cerco aos ministérios da Praça do Comércio.

José Francisco Gandarez nasceu em Santarém.

– Sou filho da Revolução. Nasci em 1974. Infelizmente não cheguei a conhecer o Salgueiro Maia. Conheci os seus lugares…

O António Sousa Duarte sempre foi fascinado pela figura de Salgueiro_Maia. Não foi por acaso que se dedicou de forma profunda a escrever a sua biografia onde a personagem é ilustrada por este naco de prosa de Mário Soares: «Salgueiro Maia foi, na modéstia e isenção do seu comportamento e na honradez do seu carácter, uma referência. Compreendeu como poucos o papel que deve caber aos militares numa sociedade democrática».

Em 1988, Sousa Duarte estava na tropa. Isto é, estava no seu posto. E o seu posto era na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.

Inevitavelmente Santarém.

António já era jornalista. Passara pelo Tal&Qual e pelo Record ao mesmo tempo que ia tirando o curso de Direito e, como todos nós, nesse tempo, metendo adiamentos atrás de adiamentos para evitar a incorporação. Mas o momento chegou e Santarém foi o seu destino. Talvez ainda hoje seja o seu Destino.

Deixemo-lo contar:

– Certo dia, na parada, pelo canto do olho vi passar uma figura que reconheci logo: Salgueiro Maia. A minha admiração por ele é antiga. Decidi que precisava de entrar em contacto com ele, de o conhecer de alguma maneira. Na primeira oportunidade, fui ter com ele, apresentei-me, disse-lhe que era jornalista, que tinha uma enorme consideração por ele e pelo que fizera no 25 de Abril. Esteve-se nas tintas._Mandou-me para um sítio com um nome começado por C. Mas eu não ia desistir assim. Rodeei-o, namorei-o, começámos a dar-nos bem, tínhamos conversas, fui absorvendo muito do que ele me contava. Entretanto fui convidado para entrar nos quadros de um jornal, e eu ali preso, à vida militar. Falei-lhe nisso. Zangou-se: «Não estás a tentar meter-me uma cunha, pois não. Detesto essas merdas. Mandou-me de volta para o sítio com C no início do nome». Três ou quatro dias depois fui chamado à presença do comandante do quartel, o coronel Lemos Caldas. Fiquei aflito. Não faltava muito para me livrar do serviço militar, tinha medo de ter feito asneira e de ser castigado e obrigado a ficar por lá mais tempo. Chegado ao gabinete do coronel, ele disse-me. «Então você, ó Duarte, quer ir embora da tropa mais cedo?» Gaguejei, tentei explicar, mas ele cortou-me a palavra. «Não me diga mais nada, o Maia já me falou do seu caso. Quando é que quer ir embora? Amanhã? Depois? Não me arranje é sarilhos com o Maia. Eu não quero sarilhos com o_Maia!» Feliz da vida fui à procura do Salgueiro Maia para lhe agradecer mas mal abri a boca varou-me: «Nem te quero ver à minha frente! Desaparece!». Ele era assim. Um homem distante, reservado, brusco. Mas ao mesmo tempo de uma pureza desarmante. Nos quatro anos que se seguiram, até à sua morte, em 1992, tivemos oportunidade de falar várias vezes. O meu fascínio por ele cresceu sempre.

Estamos, pelos vistos, perante um filme que eleva a personagem principal?

Diz o Zé:

– Vamos lá ver. As pessoas que não pensem que vêm ver um filme sobre o 25 de Abril._Não é um filme sobre o 25 de Abril, não é um filme sobre a Revolução. É um filme que retrata a vida de um homem, homem esse que teve um grande papel na Revolução.

Uma biografia mas com muito de ficção, é isso?

– Claro. Nem podia ser de outra forma. Por isso esclareço que não fizemos um documentário, embora exista uma forte componente de documentos que ajudam a contar a história deste homem. Mas existe a parte das suas relações humanas, do romance que vive, e aí entrámos pelo caminho da ficção, dos diálogos, para que, tal como expliquei, seja um filme e não mais um documentário.

Pelo caminho, o António acrescenta:

– O facto que sustenta o filme é a personagem de Salgueiro Maia. E essa é uma personagem de enorme densidade. Estamos a falar de alguém que viu a mãe morrer à sua frente, aos dois anos de idade, atropelada por um autocarro da Carris quando saía com ele de mão dada do_Jardim Zoológico. Estamos a falar de um homem que morreu com 47 anos. Que foi um herói de Abril aos 29 anos. Mas um herói! Ele sim, um herói! Quando ouço na televisão dizerem que um guarda-redes foi um herói por ter defendido um penálti até me arrepio. Salgueiro Maia foi um herói. Um herói que nunca quis ser herói. Um homem que fez uma revolução sem nunca ter outro interesse que não fosse o de mudar a vida de um país que ele sentia estar estagnado._Ele não fez uma revolução contra o fascismo, ou melhor, contra o regime vigente, porque fascismo encaixa melhor no sistema alemão ou italiano. Ele quis fazer uma revolução pela mudança. Por sentir que Portugal estava parado e era preciso agir. Falamos de um homem que, em seguida, a própria revolução ignorou. Que foi ignorado pela classe política. Que desapareceu de cena sem que alguém tenha feito algo para pôr as suas qualidades aos serviço de Portugal.

Depreendo que a morte de salgueiro Maia tenha uma preponderância forte no filme…

Já falam quase em simultâneo:

– Evidente! Como diz Pippo Delbono, um dramaturgo italiano de que gosto muito: «É preciso serem meninos e morrerem cedo para serem reconhecidos».

Era o António.

E eu:

Ou como na velha frase dos loucos anos-50: «Vive depressa, morre cedo, tem um cadáver bonito». Salgueiro Maia viveu depressa?

– Sobretudo morreu cedo. Cedo demais. E morreu triste. Um homem que ficou tão criança sem mãe, nunca conseguiu ter filhos, que acabou a sua vida atacado por todos os lados: por camaradas militares, pela grande maioria da classe política, dos comunistas aos fascistas. Até pelos sindicatos!

Podemos dizer que foi um marginal?

Acrescenta o Zé:

– Marginal, sim, na medida que não cabia nas elites. Fossem elas quais fossem.

– Quando comecei a falar com o Zé sobre esta possibilidade para avançarmos com um filme sobre o Salgueiro Maia, vieram-me à memória muitas das conversas que fui tendo com ele. A certa altura, foi ele que se considerou a si próprio como um «Implicado». Implicado numa revolução que pretendia mudar o país onde tanta gente era infeliz e dar-lhe condições para ser feliz, e ao mesmo tempo indisponível para assumir cargos ou lugares. Ele foi um militar que veio a Lisboa, de Santarém, para fazer a sua parte, uma parte fundamental, e acabou desiludido com muita gente. Por isso, nessa conversa entre mim e o Zé, disse-lhe logo que já tinha o título pronto para o filme: O Implicado. Assim ficou. Salgueiro Maia – O Implicado.

Toda essa desilusão contribuiu para a sua morte precoce?

– Não tenho dúvidas, diz o António. Aliás eu digo sempre que o cancro que o atacou foi um cancro consumido. Foi provocado por toda a tristeza e pelo abandono que marcaram certa fase da sua vida. A fase de um enorme desencanto.

 

Um filme intenso

Tomás Alves (Salgueiro Maia) e Filipa Areosa (como Natércia, sua companheira); Diogo Martins, Catarina Wallenstein, João Nunes Monteiro, Paulo Calatré, Dinarte Branco, Filipa Pinto, José Condessa, Luísa Cruz, José Raposo… eis algumas das caras que vão passar  pelo grande ecrã.

Salgueiro Maia, oficial, mas pouco, capitão apenas, cavalheiro certamente, foi com a máxima das lisuras que tratou da rendição do primeiro-ministro Marcello Caetano, no Quartel do Carmo, onde este passou a pasta governamental ao general António Spínola. Imagens que, para aqueles do meu tempo, ainda se mantêm muito vivas pela razão mais simples de todas: nunca se tinha visto nada assim no meio das transmissões televisivas pastosas da TV_Rural ou da excitação máxima permitida pelos Festivais da Canção. Estava em Benavente, víamos, para lá do muro da escola, passar os chaimites pela estrada arborizada que vinha de Santarém. Na rádio passavam canções novas: «Depois da morte e da guerra/Da prisão e da tortura…». A gente sentia alguma coisa no ar, incapazes que éramos ainda de perceber verdadeiramente o que se passava, mas as canções faziam sentido, mesmo de punho erguido, e ficávamos a saber que o povo unido nunca mais seria vencido. Desuniu-se algures, no entretanto. Talvez no primeiro dia em que Fernando José ficou a saber que o corpo tinha recebido, quase sem oposição, a doença que haveria de o matar no dia 4 de Abril de 1992, no Hospital Militar de Belém. Suprema ironia a de, por apenas 11 dias, não assistir aos 18º aniversário da revolução que, sem a sua intervenção, talvez tivesse abortado. Afinal, a liberdade podia já não estar a passar por aqui com a alegria daquele dia inicial, inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, e livres habitamos a substância do tempo, como escreveu Sophia de Mello Breyner, mas entrava, gloriosa, na maioridade.

Estão satisfeitos com o que têm em mãos, já pronto?

– Eu, como produtor, estou extremamente satisfeito, diz o Zé. Muito mesmo! Vamos mostrar ao público português algo de muito bem feito, de muito bem conseguido.

E o António:

– Um grande trabalho do Sérgio Graciano, que já conhecia, sobretudo, do filme Perdidos. Raramente vi algum filme português com tão grande tensão. Uma tensão que amarra os espectadores às cadeiras. E agora, fez a mesma coisa. Salgueiro Maia – O Implicado é um filme de imensa tensão. Tensão própria de uma longa metragem que fala sobre uma revolução, mas tensão muito forte individual das personagens. Vou dizer sem receio nenhum: estamos perante um filme verdadeiramente internacional! Quero com isto dizer que poderia ter sido realizado na França, na Itália ou nos Estados Unidos, e certamente despertará o interesse do público não-português.

Continua o Zé:

– Já falei que, apesar de ser natural de_Santarém, nunca conheci o Salgueiro_Maia. Foi através do livro do António Sousa Duarte…

Que depois também publicou uma Fotobiografia de Salgueiro Maia, também na Editora Âncora, em 2004…

– Exatamente. Foi através do_António que me deixei fascinar por esta figura de Portugal, um herói que saiu da revolução para regressar à sua carreira militar, sem aceitar os cargos ou honrarias que lhe quiseram atribuir. A biografia escrita por ele era uma oportunidade única para se avançar para um filme. Estou feliz por termos tomado essa decisão.

Inevitavelmente Santarém!

Tal como a história de Leónidas, o rei de Esparta, e dos seus fiéis soldados, se chamou, no cinema, pela mão de Zack Snyder, 300, também a saída do quartel de Santarém de Salgueiro Maia pudesse ser um número: 240 – o homens que o seguiram até Lisboa. Ainda na parada, ouviram: «Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!»

Foram.

Marcharam sobre o estado das coisas.

E, como disse Vasco Lourenço, outro dos capitães de Abril: «No regresso vinham todos».

Qual o momento mais vibrante do filme?

O António nem hesita:

– Aquele que decorreu na Rua do Arsenal. Sem dúvida! Ele sozinho frente à chaimite. Uma imagem poderosíssima. E atrás do chaimite, mais três carros de combate, comandados pelo coronel Junqueira Reis, do Regimento de Cavalaria 7, afeto ao regime.

A fotografia do Eduardo Gageiro fica na lenda. Salgueiro Maia e os seus óculos Ray-ban… É quase Steve McQueen…

– O Salgueiro Maia levava um lenço branco na mão e uma granada no bolso. Ele próprio me disse: «Ou ganhava ou rebentava!». Aqueles minutos valem horas. Ficamos à espera. Ou os carros de combate avançam, e dá-se uma guerra, com resposta imediata dos soldados estacionados no Terreiro do Paço e na Rua Ribeira das Naus, ou acaba tudo ali e não se ouvirá mais um tiro. Decidia-se a revolução. Está ali a imagem do que é o herói, o verdadeiro herói. Um absoluto desapego pela própria vida em troca de um valor maior. Se Junqueira Reis tivesse dado ordens para disparar, Salgueiro Maia teria feito explodir a granada que tinha no bolso. Ele próprio iria pelos ares. Mas nunca teve a mínima dúvida: «Ou eles desistiam, e a revolução estava ganha, ou eu morria e a revolução avançaria e venceria nas costas de um mártir». O momento é esse: um homem pronto a morrer por Portugal. Salgueiro Maia pegou a Ditadura pelos cornos para dar a vitória à Liberdade. Momento de tensão suprema. E ele, sereno, ganhou. Ele era mesmo assim!