O ‘cerco sanitário’…

Enquanto a mesa da AR ficou cativa do PS e PSD, também a moldura programática do Governo revelou falta de rasgo.

Mesmo que Mesmo que seja muito relativa a eficácia do novo parlamento, finalmente instalado, na fiscalização de um Governo com maioria folgada, seria expectável que a eleição do presidente e dos vices presidentes correspondesse à tradição e à pluralidade partidária com assento no hemiciclo. Mas não foi o que aconteceu.

Em contrapartida, era suposto que o PS absoluto caprichasse em apresentar aos deputados um programa de governo remoçado, incorporando propostas e estratégia capazes de atenuar as sequelas da pandemia e de enfrentar os desafios de uma guerra na Europa. Mas nada disso.

Houve uma girândola de ‘fogo de artifício’ de entrada para destrunfar as oposições, a fingir que o Governo está atento às incertezas da guerra na Europa – e que dispõe de folga financeira para alargar os ‘cordões à bolsa’ na subsidiação –, e seguiu-se depois «o programa eleitoral dos socialistas» às legislativas, com o refrão do costume: emergência climática, transição digital, contrariar a crise demográfica e combater as desigualdades.

Quanto ao Orçamento de Estado, ‘chumbado’ anteriormente, deverá ser reapresentado sem grandes retoques, qual fétiche de António Costa.

Portanto, a preguiça aterrou no Largo do Rato, como se o mundo tivesse parado no tempo. E não parou.

Assim, enquanto a mesa da Assembleia da República ficou cativa do PS e PSD, sem lugar para os representantes do Chega e da Iniciativa Liberal – o terceiro e quarto partidos mais votados –, também a moldura programática do Governo revelou falta de rasgo, talvez porque a única verdadeira ambição socialista é eternizar-se no poder.

Foram passos em falso, que não abonam o Parlamento, e que antecipam a falta de escrutínio do executivo, pelos vistos já moldado aos confortos da maioria absoluta, além de beneficiário do ‘tiro no pé’ de Rui Rio, quando este quis poupar o primeiro ministro a prestar contas quinzenalmente aos deputados. Mereceu ser tratado por Costa com altivez zombeteira.

Moral da história: a reabertura dos trabalhos parlamentares fez-se frouxa – pontualmente agitada por André Ventura –, e o debate do programa do governo começou já a ressentir-se da fraca qualidade média das bancadas, com relevo para os social democratas, ‘escolhidos a dedo’ por Rio.

Não é de estranhar, por isso, que Augusto Santos Silva, no seu primeiro discurso como presidente eleito, tenha preferido teorizar sobre «o bom requisito para não ser patriota é não ser nacionalista», cavalgando, depois, a onda do chamado ‘discurso do ódio’ – «o único discurso proibido», segundo afirmou.

Há cerca de um ano, Mariana Vieira da Silva também afiançou que o Governo iria ‘monitorizar’ o ‘discurso do ódio’, um biombo útil para escamotear mecanismos censórios.

 

Num país ainda a braços com a pandemia, e em persistente queda no ranking europeu – quase no fim da tabela dos 27 –, Augusto Santos Silva entreteve-se com ‘flores de estilo’, designadamente, ao realçar, ufano, as suas origens, por ser «o primeiro presidente com residência e atividade profissional do Porto».

Eis um simbolismo regionalista que escapou aos seus antecessores, com origens insulares e outras.

Ao menos poderia ter imitado Ferro Rodrigues que defendeu, premonitório, em 2015, nos alvores da ‘geringonça’, que «assim como não há deputados de primeira e de segunda, também não há grupos parlamentares de primeira e de segunda, não há coligações aceitáveis e outras não».

Foi o que faltou a Santos Silva dizer, com mais propriedade do que o seu antecessor à época, porquanto nem o PCP nem o Bloco de Esquerda conheceram o ‘cordão sanitário’ que se pretende impor ao Chega e à Iniciativa Liberal. Se o tivesse feito provaria a sua vontade de ser isento.

Assim, com ou sem moções de rejeição, o Parlamento promete mais bloqueios e uma razoável sonolência.

Na mesa eleita, lá está Edite Estrela como vice de Santos Silva, uma espécie de ‘prémio de consolação’ para quem aspirava suceder a Ferro Rodrigues.

Quem terá razões para sorrir é José Sócrates, ao ver consagrados dois ‘amigos de peito’ na mesa do Parlamento.

E se é certo que a ambição de Sócrates de chegar a Belém se tornou tão remota como tóxica, já Santos Silva não se exclui, a menos que António Costa desista do hipotético cargo internacional e se ‘faça à estrada’ ou António Guterres queira entrar na corrida, conforme estiver a sua ‘boa estrela’, quando terminar o segundo mandato na ONU.

As presidenciais ainda vêm longe, o que não significa que os potenciais candidatos, à esquerda e à direita, não comecem já a ‘chegar-se à frente’.

Para o PS será a tentação de realizar o pleno político, enquanto à direita se fazem contas entre o regressado Durão Barroso, o comentador ‘global’ Paulo Portas ou o enigmático Pedro Passos Coelho.

Não faltarão interessados à cadeira vaga de Marcelo.