Liverpool-Benfica. Sonhar mais um sonho impossível…

Talvez ainda haja quem acredite que logo à noite, em Anfield, o Benfica possa bater o Liverpool por dois golos. Mas entre acreditar e sonhar a diferença é abismal.

Na Luz sonha-se. Haverá, aliás, melhor lugar para sonhar do que na luz? Na Luz sonha-se, como há uma semana, aquele sonho impossível que cantava Maria Bethânia: “Sonhar mais um sonho impossível/Lutar quando é fácil ceder/Vencer o inimigo invencível/Negar quando a regra é vender…” Não se negam os sonhos a ninguém, sonhar é tão humano como errar. E neste Benfica dos erros consecutivos, absolutos, irreversíveis, que condenaram os encarnados a uma das piores épocas da sua história, é mesmo de um sonho impossível que se trata.

O sonho de bater o Liverpool na Luz, há uma semana, morreu perante uma primeira parte carregada de tibiezas e de uma tentativa ligeiramente conseguida de equilibrar o jogo que abriu brechas numa defesa de papel que sofre golos de qualquer gato pingado que lhe apareça pela frente. A derrota por 1-3 acabou com a aventura europeia das águias, único ponto de mínima satisfação da terrível caverna de complexos em que estão presas, a despeito das dolorosas e absolutamente naturais goleadas frente ao Bayern de Munique. Uma vitória sobre o Barcelona (3-0), outra em Amesterdão, face ao Ajax (1-0), serviram de linimento e reforçaram a crença de ver uma flor brotar do impossível chão.

Convenhamos que é pouco. Muito pouco. Convenhamos que é de menos, para o Benfica ver-se batido em todos os confrontos que realizou até agora contra Sporting e FC_Porto, sem revelar a mínima capacidade de se bater de igual para igual com aqueles que são, afinal, da sua igualha. Aceitemos que têm sido desprezíveis muitas das exibições num campeonato no qual já conta com cinco derrotas, deixando-se dominar por adversários menores mas mais inteligentes, mais conhecedores da forma como se devem aplicar em campo. Lamente-se, mesmo, a falta de raça e de qualidade de vários jogadores que nunca parecem ter sabido que camisola envergam e que emblema suportam do lado esquerdo, sobre o coração. Vêm aí dois momentos de exigência máxima, no espaço de quatro dias: Anfield e Alvalade. Na Luz sonha-se. Cá fora, à distância, com a frieza natural de quem observa o caos que tomou conta de uma equipa que vagueia por aí como um navio fantasma, preveem-se os desastres. O sonho é impossível.

 

O inacessível chão

“Sofrer a tortura implacável/Romper a incabível prisão/Voar num limite improvável/Tocar o inacessível chão”. É isto que resume o sonho. Voar nesse limite improvável onde não há quem creia que a águia possa voar. Talvez Rui Costa acredite. Talvez Nelson Veríssimo acredite, ele que não conseguiu trazer nada de novo à equipa depois da saída de Jesus, mas teima em falar de sonhos. Talvez um rapazinho chamado Darwin Gabriel Núñez Ribeiro, nascido em Artigas, no norte do Uruguai, no dia 24 de Junho de 1999, e que tem andado com a equipa às costas, marcando golos com a simplicidade com que os miúdos da minha infância abatiam pardais a golpes de fisga nas árvores que ficavam no adro da igreja, acredite que pode, por si só, derrubar os mostrengos de Anfield. Acreditam mesmo, ou sonham apenas? Vai uma grande distância entre uma coisa e a outra. Uma distância tão grande como a que marca a diferença de qualidade de ambos os conjuntos. Não apenas qualidade individual. Qualidade coletiva, qualidade de interpretação estratégica, qualidade física, tão gritante essa diferença de andamento entre os de Liverpool e os de Lisboa, tão chocante o ritmo imposto em cada lance, tão ultrajante a intensidade que separa o futebol de ingleses e de portugueses.

Logo à noite, em Anfield, o sonho impossível do Benfica (bem mais impossível do que aquele que levaram consigo até Amesterdão) resume-se a vencer o Liverpool pela diferença de dois golos, isto só para obrigar a um prolongamento. Ouvir-se-ão as vozes do passado: “É algo que o Benfica já fez, vencer em Anfield por 2-0”. Sim. As vozes do passado podem trazer-nos proezas delirantes de um Benfica que dominou a Europa durante cerca de dez anos durante os quais foi a única equipa a jogar cinco finais da Taça dos Campeões Europeus. Mas o sonho impossível não fica no passado, nem se alimenta dela. É a realidade, meus caros! A mais dura e mais pura das realidades. Hoje, os encarnados, poderão entrar em campo com o orgulho intocável de serem, para sempre, um dos grandes nomes do futebol do mundo. Depois, cabe-lhes vencer o inimigo invencível e tocar o impossível chão. E isso já é outro mundo.