Cobre. O lucro de uns e o prejuízo de outros

O furto de metais não preciosos tem vindo a escalar e os números não enganam: nos primeiros três meses do ano, já foram registados 613. Os roubos referentes a linhas elétricas e outros equipamentos acessórios custaram cerca de 247 milhões à E-Redes em dois anos. A valorização do metal tem aumentado e pode ser uma…

Já se imaginou estar em casa a trabalhar, a fazer as suas tarefas domésticas ou até a ver a sua série preferida e de repente ficar sem eletricidade? Muitas vezes pode ser apenas uma falha de luz mas, noutros casos, pode tratar-se de um roubo de cobre. Mas não é só nos cabos de eletricidade que se rouba cobre. O fenómeno de roubo de materiais preciosos – onde o cobre se insere – começou há mais de duas décadas nos Estados Unidos e não tardou a chegar à Europa, incluindo Portugal.

Corriam os anos de 2010 e 2011 e o tema ganhou destaque com o número de casos a disparar. E, embora pareça ter amenizado, estes casos começaram a ganhar novos contornos com a pandemia.

Segundo dados veiculados pela GNR ao i, em 2020 foram registados 1.565 furtos de metais preciosos, tendo estes aumentado para 2.013 em 2021. Entre o início do ano e a última sexta-feira, verificaram-se 613. Naquilo que diz respeito aos detidos, e apesar destes números elevados, foram somente 42 no ano em que surgiu o novo coronavírus, 99 no ano seguinte e 21 nos primeiros três meses deste ano.

Estes valores são ilustrados através de casos como o que foi divulgado no passado dia 9 de abril: um homem e duas mulheres, com idades compreendidas entre os 25 e os 61 anos, foram constituídos arguidos por furto de metais não preciosos, no concelho de Alandroal. Nesse dia, a GNR explicou, em comunicado, que os militares se haviam deslocado a uma zona de pedreiras do concelho de Vila Viçosa, “na sequência de uma denúncia de furto de metais não preciosos”.

Soube-se que, “no seguimento da ação, foi abordado o veículo onde os suspeitos seguiam, que se encontrava em fuga num caminho rural, através de uma patrulha da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro (UEPS)”. Os elementos da GNR acabaram por recuperar vários metros de cablagem, “que seriam utilizados para extrair cobre”, bem como várias ferramentas de corte e chaves usadas para levar a cabo os furtos. “Foi ainda apreendida uma viatura, que serviu para a prática do crime e na qual os indivíduos tentaram encetar a fuga”, indica a GNR, através do Comando Territorial de Évora. No final, os suspeitos foram constituídos arguidos e os factos comunicados ao Tribunal Judicial de Redondo.

“O furto de metais não preciosos tem como alvo qualquer infraestrutura ou equipamento que contenha metal, entre os quais o cobre. Os metais mais procurados neste tipo de furtos são: os fios de cobre, tubos metálicos, tampas de esgoto, grelhas em ferros e torneiras”, especifica ao i, adiantando que “a Guarda alerta a população para que, caso se deparem com uma situação de furto deste tipo, deverão contactar as autoridades o mais rapidamente possível, devendo, até à chegada destas, recolher o número máximo de elementos de informação de possíveis testemunhas e preservar eventuais vestígios se for o caso”.

Roubos no valor de milhões O i tentou perceber junto da E-Redes – sucessora da EDP Distribuição – quanto é que este género de roubos custa à empresa. “Em 2020 registaram-se 47 furtos de cobre no valor de 63 mil euros, referentes a linhas elétricas e a outros equipamentos acessórios”, começa por explicar fonte oficial da empresa. Se o valor não foi baixo em 2020, em 2021 aumentou. Nesse ano foram registados 55 roubos. No entanto, o valor total foi muito superior: 184 mil euros. Feitas as contas, entre 2020 e 2021, o roubo de cobre custou aos cofres da E-Redes um total de 247 milhões de euros.

Há uns anos, a EDP chegou a exigir medidas que travassem o roubo de cobre e o i tentou perceber o que foi feito deste então. “Há cerca de 10 anos, foi criada a associação para a Promoção da Segurança de Ativos Técnicos (PSAT) com várias empresas, entre as quais a E-REDES, com o objetivo da prevenção e segurança de ativos técnicos”, adianta a mesma fonte. “A PSAT é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída com o propósito de contribuir para a melhoria dos mecanismos de defesa das infraestruturas dos seus associados, em especial dos seus ativos técnicos (equipamentos e materiais em metal), atuando proativamente na prevenção de ocorrências de furtos e danos nos mesmos”.

Significa isto que, no âmbito dessa associação “está implementado um sistema de ocorrências que permite a participação digital, às forças de segurança, das ocorrências de furtos”. É depois da competência da PSP ou da GNR a instrução do processo e a averiguação de cada uma das ocorrências.

Questionada sobre que medidas podem ser tomadas, a E-Redes garante que vai manter a ligação com as forças de segurança através da PSAT. E, adicionalmente, a empresa “tem vindo a substituir nas suas linhas o cobre por alumínio, ou alumínio-aço, tornando-as menos suscetíveis ao furto”.

São hoje muitos os consumidores que se questionam se terão de ser ou não indemnizados pelos cortes de luz devido ao roubo do cobre. A resposta é não. “Os incidentes associados ao furto de cobre, que geram interrupção do fornecimento de energia, são caracterizados como ‘casos fortuitos ou de força maior’”, explica a E-Redes. Assim sendo, estes casos “não dão origem ao pagamento de indemnizações aos clientes”.
Sobre quais serão as principais razões que levam o roubo de cobre a aumentar, a E-Redes defende que “a subida da cotação deste tipo de materiais poderá justificar a motivação das pessoas para a execução deste crime”.

Valorização Nuno Mello, analista da XTB, explica ao i a subida da cotação deste metal. “Desde meados de março que o cobre tem vindo a valorizar, devido às preocupações com as ruturas de abastecimento provocadas pela guerra na Ucrânia”. Mas não é só. “O centro financeiro da China, a região de Xangai, voltou a implementar medidas de confinamento para conter o número crescente de casos covid-19” e, por isso, “a maioria das empresas e fábricas têm suspendido a produção, acabando por provocar preocupações em torno da procura”.

Desde fevereiro de 2020, o cobre valorizou mais de 125%, explica o analista. “Atualmente a tonelada de cobre ronda os 10.233 dólares”, aproximadamente 9415 euros.

“Com a crise económica e social que veio com a pandemia, os roubos de cobre (dos cabos elétricos, contadores de água, etc.) têm estado em franco crescimento”, continua. “O cobre é depois vendido a peso no mercado negro a um preço que ronda o dos mercados internacionais”.

O cobre um material relativamente raro mas que serve para várias funções. Atualmente, grande parte é destinado a produção de fios elétricos, telefones, iluminação e cabos de telecomunicação mas também pode ser usado no fabrico de panelas, uma vez que é um excelente condutor. Material multifacetado, a procura é grande e pode valer um bom dinheiro. Tudo depende do que as sucatas – que são quem mais compra este tipo de materiais – estiverem dispostas a dar.