Marisco. Dubai e Nova Iorque ‘secam’ mercado português

Nova Iorque e o Dubai descobriram a riqueza do pescado e marisco portugueses e contribuíram para uma escalada nos preços. Nas praças nacionais, os carabineiros já chegam aos 150€/kg. E os preços não vão ficar por aqui.

por Vítor Rainho e Maria Moreira Rato

É o preço da fama. Tanto se falou na qualidade do peixe e do marisco portugueses que agora os preços dispararam para níveis estratosféricos. «Portugal virou moda e agora muitos dos nossos melhores peixes vão de avião para Nova Iorque e para o Dubai, embora aqui seja o marisco o mais pedido», começa por dizer Bernardo Reino (Gigi), proprietário de um dos restaurantes de praia mais famosos do país e onde são servidas iguarias como carabineiros, lagostas e lagostins nacionais.

«Há um ano, comprava na praça de Quarteira os carabineiros a 80 euros, agora estão a 120. Tudo porque a procura de outros países e cidades, nomeadamente o Dubai e Nova Iorque, não se importam de dar 180 euros por quilo. Acordaram tarde para a riqueza do mar português, mas acordaram. No Dubai, nos restaurantes frios e sem ambiente, uma refeição nunca fica em menos de 700 euros», explica.

A descoberta dos peixes e mariscos portugueses em Nova Iorque começou com a aposta do chef Eric Ripert, no restaurante Le Bernardin, em Manhattan, Nova Iorque, segundo recorda Gigi – que em tempos foi contratado, «com todas as mordomias», para fazer os seus célebres carabineiros na Tailândia e no Mónaco. Outro dos restaurantes em voga na ‘cidade que não dorme’, onde o marisco português está em alta, é o Estiatorio Milos, um grego onde as riquezas do mar lusitano atingem valores proibitivos.

«Muito do melhor peixe pescado nas nossas águas já não fica em Portugal. Os salmonetes de Quarteira, o pregado, os linguados e o atum dos Açores – alguns com mais de 200/300 quilos – vão de avião para Nova Iorque. O salmonete é um peixe considerado de luxo para os franceses que levaram essa moda para Nova Iorque, embora o peixe seja apresentado sem espinhas e com os molhos que nós não usamos», conta João Lourenço, do restaurante Paixa, de Vale do Lobo.

«Ainda há dias o meu fornecedor me contava um episódio engraçado. Dizia-me ele: ‘O atum não entrou no avião nos Açores e não o consegui mandar para Nova Iorque e para ficar com algum para os meus clientes portugueses», diz, acrescentando: «Estamos a pagar o preço da fama e da promoção que tem sido feita por clientes estrangeiros que ficam fascinados com a qualidade do pescado português». Quando falamos de atum não podemos exluir aquele que vai diretamente dos Açores – sem passar pelo continente – para o Japão, onde é considerado uma iguaria quase inigualável. «Quer sejam os restaurantes novaiorquinos, do Dubai ou do Japão, eles não se importam de pagar três vezes mais do que nós podemos e isso é que vai encarecer muito a riqueza dos produtos pescados em águas nacionais», comenta um fornecedor.

Também a somar aos motivos para o aumento exponencial do marisco e do peixe nacional está o facto de os espanhóis, até Madrid, serem grandes compradores do que se pesca em águas nacionais. Por fim, segundo João Lourenço, a juntar ao aumento dos preços, é preciso ter em conta as épocas festivas: Natal, Páscoa e férias de verão – que devido ao aumento da procura fazem os preços disparar.

Certo é que muitos dos empresários contactados pelo Nascer do SOL acreditam que os carabineiros vão atingir, no Verão, mais de 150 euros nas bancas dos mercados a Sul – preço já atingido nalgumas peixarias de mercados gourmet da capital. Para se ter ainda mais ideias de como o preço do marisco disparou, um quilo de amêijoas grandes no Corte Inglês está a 40 euros.

Se gosta de comprar o seu peixe e marisco fresco prepare-se para um verão bem quente.

 

Lisboa sofre com a distância

Numa ida a um dos principais mercados da capital dá para se ter uma ideia do aumento do preço do marisco. Em Benfica, na clássica banca do Jardel, o camarão de Quarteira, que nas praças algarvias é vendido a menos de 20 euros/kg, estava a ser vendido a 50 euros o quilo. O berbigão, um dos bivalves mais em conta, ficava pelos 14 euros o saco de quilo. Era da Ria de Aveiro e tinha um tamanho considerável e uma negritude que não se vê nos de ‘viveiro’.

Mas, como o que é nacional é bom, no dia da nossa visita ao mercado de Benfica só tinha havido uma sapateira com mais de dois quilos, cujo preço do quilo estava a 40 euros! Viva e bem viva, mas mais cara do que o preço das vendidas nas principais cervejarias portuguesas – só que essas não são nacionais, são de aquacultura, logo menos saborosas e menos ‘cheias’.

 

Buzinas por um canudo

Numa das cervejarias mais concorridas da Grande Lisboa e que tem uma magnífica relação de preço/qualidade, mas cujo dono pediu anonimato, foi-nos contado que está a comprar os carabineiros a 65 euros o quilo, embora os mesmos se enquadrem na categoria B4 – os mais caros e retratados até agora no texto, são os B0. Em tudo existe classificação… «Na Páscoa, provavelmente, venderei 200 sapateiras por dia, mas não consigo encontrá-las grandes nem cheias. As que têm aparecido são pequenas e algumas estão vazias. E a um preço que não se compara com os dos outros anos. Estão muito mais caras».

O responsável do espaço fala ainda do aumento do preço das lagostas e dos lagostins e estranha o desaparecimento das buzinas, de onde faz uma das melhoras saladas da capital. «Em tantos anos que tenho o restaurante não me lembro de não ter a salada de buzinas. Agora só um dia por semana é que consigo arranjá-las».

 

Ritmo de crescimento contínuo, exceto em 2020

Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), durante o ano de 2021, os animais vivos e produtos do reino animal que foram exportados corresponderam ao valor de 1 863 799 561 euros no mundo. Em específico, 1 264 421 867 euros na Europa e 599 377 694 euros fora da União Europeia.

Tal não é de estranhar, pois já em dezembro de 2021, no âmbito da conferência Internacionalização do pescado português – barreiras e oportunidades que decorreu na feira Expo Fish Portugal, organizada pela Docapesca, José Junqueiro, especialista em economia do mar, avançou que já entre os anos de 2013 e 2019 a procura por produtos de pescado nacional havia crescido globalmente 30%, segundo dados da Associação Internacional de Comunicações de Expressão Portuguesa (AICEP).

Esta percentagem é ilustrada pelo lugar de destaque que o pescado ocupa na lista de produtos agroalimentares com mais peso nas exportações portuguesas: surge em primeiro lugar, seguido do vinho, azeite e hortícolas. É importante esclarecer que, neste âmbito, o termo ‘pescado’ engloba a pesca, a aquacultura e a transformação do pescado, sendo que estes geram anualmente um volume de exportações superior a mil milhões de euros. Assim, é equivalente a um Valor Acrescentado Bruto (VAB) de 1,7 mil milhões de euros e contribui para que 60 mil pessoas estejam a trabalhar.

Se analisarmos os dados do INE, compreendemos que o crescimento exponencial das exportações de pescado foi somente interrompido em 2020, ano em que surgiu o novo coronavírus. Neste ano, o país exportou menos 15,5% (917,6 milhões de euros) do que em 2019, com destaque para o mercado europeu, que representou 16,9% do valor total.

Há dois anos, apenas o subsetor das conservas de peixe, cujas exportações aumentaram 13,8%, produziu números que deixaram os produtores agradados, até porque, se consultarmos o INE, concluímos que as conservas de peixe foram o principal grupo de produtos exportado em Portugal em 2020.

No primeiro semestre do ano passado, adiantou José Junqueiro, em novembro de 2021, as exportações recuperaram o ritmo de crescimento e as vendas destes bens alimentares para o exterior aumentaram 13%, sendo que, entre os meses de janeiro e junho, as exportações de crustáceos, molúsculos e outros invertebrados subiram 47,7%– quase duplicaram –, as de peixe cresceram 8% e as exportações de preparados de pescado e conservas subiram 6% em relação ao período homólogo.

Sabe-se igualmente que a maioria das exportações nacionais (78%) tem como destino o mercado europeu, com predomínio de Espanha, enquanto o Brasil e os EUA assumem lugares de topo nos mercados extracomunitários. Curiosamente, em outubro de 2019, com Donald Trump no poder, para além dos queijos e dos vinhos, também a carne de porco, manteiga, iogurtes, frutas como laranjas, pêras, pêssegos e cerejas, e alguns tipos de marisco portugueses passaram a estar sujeitos a uma taxa de 25% quando importados pelos EUA.

Porém, em setembro de 2020, devido à pandemia, o cenário traçado na revista Portugalglobal, da AICEP, era outro, pois lia-se o seguinte: «Relativamente à pesca, as vantagens mais relevantes são a Zona Económica Exclusiva mais extensa da Europa, a elevada diversidade de espécies marinhas e o facto de ser uma atividade tradicional em Portugal», sendo acrescentado que «o peixe capturado em Portugal é considerado um produto da mais alta qualidade a nível mundial» e, por esse motivo, «as exportações portuguesas de produtos de pesca, conservas, crustáceos e outros produtos do mar foram de 1,055 milhões de euros (2019), destacando-se destinos como Espanha, Itália e França. O peixe enlatado português é considerado uma das maiores tendências da alimentação mundial nos próximos anos, especialmente devido à sensibilidade com que os portugueses tratam o peixe».

Neste momento, vivemos a Década dos Oceanos das Nações Unidas 2021-2030: um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) a cumprir até 2030 (o número 14) diz respeito ao uso dos oceanos de forma sustentável. A seu lado, o Pacto Ecológico Europeu engloba um conjunto de objetivos e medidas para a Europa reduzir as emissões carbónicas e proteger os recursos hídricos. Em território nacional, uma das metas passa por classificar pelo menos 30% das águas marinhas sob jurisdição nacional como Áreas Marinhas Protegidas (AMP), incluindo 10% da área marítima sob proteção estrita, e implementar a Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP).