Um orçamento de transição para uma nova oportunidade?

Ninguém de bom senso, independentemente da sua fidelidade ideológica, consegue perceber como é que a economia portuguesa, apesar de usufruir de recursos financeiros avultados, com origem na União Europeia, esteja há cerca de vinte anos, a crescer muito pouco, deteriorando a sua posição relativa na hierarquia dos países europeus.

Alguém muito qualificado, já lhe chamou muito apropriadamente um orçamento elaborado com a prudência do medo.

Em rigor, trata-se efetivamente de uma espécie de orçamento de transição (um orçamento para cumprir o ritual, chamou-lhe o diretor do jornal Público) que se destina a dar cobertura legal às medidas de política aplicadas durante o ano, mas que não permite ainda caracterizar e identificar verdadeiras opções politicas para o futuro imediato.

Para isso tem de aguardar-se pelo mês de outubro e pelo projeto de Orçamento de Estado para 2023.

Só então se compreenderá se o executivo aprendeu as lições dos últimos seis anos e se, agora, com uma maioria confortável, mesmo que inesperada, assumirá a coragem política necessária para traçar um rumo diferente para a política económica do país.

A questão da coragem foi introduzida de forma clara, pelo ex Presidente da República Cavaco Silva, num recente artigo de opinião.

Ninguém de bom senso, independentemente da sua fidelidade ideológica, consegue perceber como é que a economia portuguesa, apesar de usufruir de recursos financeiros avultados, com origem na União Europeia, esteja há cerca de vinte anos, a crescer muito pouco, deteriorando a sua posição relativa na hierarquia dos países europeus.

O próprio Governo que começou por negar esta evidência, começa a dar sinais de que entende que o crescimento e o desenvolvimento económicos devem ser a principal opção e o Presidente da República reforçou recentemente esta preocupação, endossando-a como sendo a principal tarefa do executivo.

Mas, como é evidente, não basta formular juízos abstratos e simples intenções; é preciso, antes disso, identificar, para corrigir, as deficiências estruturais que tem impedido a economia portuguesa de se desenvolver em linha com os apoios que tem recebido.

E é aqui que entra a mensagem do Prof. Cavaco Silva; podemos contraditá-la ridicularizá-la até, mas faremos muito mal, enquanto sociedade e sistema político, situado na área democrática, se a ignorarmos.

O ex-Presidente da República, com o seu estilo próprio e seguramente com propósitos pessoais que só a ele responsabilizam, vem dizer, na linha de muitos outros, mas com voz eventualmente mais audível, que o país precisa de reformas estruturais em áreas chave da governação e que, para as levar a cabo, é necessária coragem política.

As reformas estruturais nas áreas que identifica – a administração pública, o sistema fiscal, o sistema de justiça e o mercado de trabalho – são absolutamente indispensáveis para dotar a economia portuguesa de ferramentas que permitam aumentar a competitividade e incrementar o investimento, condições sine qua non de desenvolvimento e de progresso.

É neste ponto que entra a discussão sobre a política orçamental para o corrente ano, mas em especial a configuração da política orçamental para o ano seguinte, de forma a que a mesma não inviabilize as reformas estruturais que não podem nem devem ser, de novo, adiadas.

É evidente que subsistem problemas e fatores externos e internos que condicionam o calendário e a intensidade das reformas.

Por um lado, as consequências da pandemia, ainda não totalmente ultrapassadas e, com ainda maior grau de incerteza, as consequências económicas da guerra na Ucrânia cujo fim não se alcança.

Por outro lado o elevado nível de endividamento externo, público e privado, da economia e um sistema fiscal, que provoca uma elevada carga fiscal mas sobretudo, um ‘esforço fiscal’ (conceito mais adequado) insuportável para as empresas e para os particulares.

A trajetória de correção do elevado endividamento externo foi, aliás, assumida pelo governo e encontra-se inscrita no orçamento, o que é uma boa notícia, pois sem consolidação orçamental dificilmente se desenham e implementam políticas reformistas.

Já quanto ao cenário macroeconómico, estamos no domínio da pura ficção, pois a incerteza atualmente reinante na cena internacional, não permite um elevado grau de concretização.

Realmente o orçamento, não é apenas ‘para cumprir o ritual’ pois tem servido para discutir dois conceitos que o Governo tem considerado como tabus: a inflação e a austeridade.

Apesar de evidências claras de que o processo inflacionista tem hoje natureza estrutural e vai durar alguns anos, algumas instituições internacionais (incluindo o BCE) continuam a afirmar que se trata de um fenómeno passageiro.

Mas não é um fenómeno passageiro pois está em formação há algum tempo e agravou-se com os acontecimentos globais (pandemia e guerra) ocorridos nos últimos dois anos.

Acresce que as medidas de combate ao fenómeno (em especial o aumento dos juros e a diminuição de compras de dívida pelo BCE) terão um efeito muito nefasto sobre as economias mais fragilizadas (dívida pública excessiva e produtividade baixa) como é o caso da portuguesa.

Quanto à austeridade é evidente que está aí (se é que alguma vez deixou de estar, depois de 2011) e não é necessário consultar todos os dicionários de política económica (como sugere Medina) para a identificar.

Se é certo que a taxa de inflação será seguramente superior a 4,9% e os salários, com o referencial da função pública, não subirão muito mais do que 0,9%, é claro que haverá uma redução real de rendimentos e essa é, não a única, mas a mais directa definição de Austeridade.

Negar a realidade ou recusar a valia das mensagens, com base no juízo pessoal que se faz do mensageiro, não é, no tempo presente, um bom serviço prestado à transparência das políticas e à eficácia dos comportamentos.