Forças Armadas, o risco de extremismos e o que ficou por cumprir

Nos 48 anos do 25 de abril, Marcelo fez da importância das Forças Armadas o tema destas comemorações. E em tempo de guerra, interpelou o Governo a reforçar meios.

O Parlamento celebrou ontem de manhã os 48 anos da Revolução dos Cravos, na primeira sessão solene sem restrições desde o início da pandemia de covid-19. Com a guerra na Ucrânia a ocupar papel de destaque nos discursos, o Presidente da República aproveitou o momento para apelar a um consenso nacional para o reforço das Forças Armadas.

“Nestes tempos em que a guerra na Europa reentra nas nossas casas, falar em Forças Armadas é falar do que, sendo passado, é muito presente e mais ainda futuro”, começou por dizer Marcelo Rebelo de Sousa, lembrando o papel dos militares no combate aos incêndios e na organização da vacinação, e cuja vocação vai além da intervenção em cenários de conflito.

“Forças Armadas fortes, unidas e motivadas, temos de querer que tenham condições. Fazer isto não é ser-se de direita ou de esquerda. Requer um consenso nacional”, defendeu.

O repto foi ouvido por António Costa que, mais tarde, veio garantir que o Governo está em “total sintonia” com o pedido de Marcelo para que se cumpra o que está na lei do programa militar e contratualizado com a NATO.

A inaugurar os discursos dos partidos, o deputado único do Livre subiu ao púlpito da Assembleia da República, pela primeira vez numa sessão solene comemorativa do 25 de Abril, para enaltecer as conquistas de uma revolução que “valeu por séculos”. “É a história da liberdade e de tudo o que conseguimos fazer, é a luta por garantir que toda a gente comum possa ter direito a uma vida melhor. A luta pela liberdade e pela igualdade são a mesma luta”, frisou.

Os direitos das mulheres também foram levados ao hemiciclo pela voz de Inês Sousa Real que atentou para a necessidade de “transformar a emancipação feminina em realidade”.

“Abril ainda não tem rosto de mulher”, afirmou a deputada única do PAN, salientando que que a desigualdade de género persiste.

“não queremos ter só mais tempo de democracia” Pelo Bloco de Esquerda, o deputado José Soeiro também recordou as mulheres que prepararam a cerimónia. “Para que esta sessão aconteça, para que esta sala esteja pronta para a solenidade, há centenas de pessoas nos bastidores da democracia. Vemo-las mesmo?”, questionou, defendendo que “a quem faz o país funcionar, a democracia não deve apenas gratidão”.

“Celebramos termos agora mais tempo de democracia do que de ditadura. Mas não queremos ter só mais tempo de democracia, queremos ter mais democracia”, afirmou, considerando que a Portugal falta “ainda quase tudo”, intervenção que mereceu os aplausos de alguns deputados do PS.

Já Paula Santos, líder parlamentar do PCP que tem dado a cara pelas posições do partido sobre a guerra na Ucrânia, levou esse mesmo tema a São Bento para se insurgir contra a “imposição do pensamento único” e as “tentativas de intimidação” que têm como finalidade “silenciar” as intervenções comunistas. A deputada criticou ainda o “aproveitamento da guerra e das sanções como pretexto para maior acumulação” de lucros, imputando culpas ao Governo e à direita. “Insistem em impor aos portugueses que paguem a fatura da guerra e das sanções.”

Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, também lembrou a guerra na Ucrânia para evidenciar que “a democracia é difícil de conquistar mas fácil de perder”. No seu discurso, considerou que “falta a Portugal o inconformismo de Abril para romper a estagnação”, vincando que “é este espírito que tem de voltar com prontidão” para pôr fim a um país “economicamente estagnado, socialmente hipnotizado e politicamente desligado”.

 

“Não condecore aqueles que torturaram”

Da ponta mais à direita do hemiciclo, André Ventura fez um apelo direto a Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo ao seu adversário nas presidenciais de 2021 que “não condecore aqueles que torturaram, mataram e expropriaram em Portugal”, referindo-se à polémica em torno das condecorações a todos os membros da Junta de Salvação Nacional, entre os quais Rosa Coutinho, Vasco Gonçalves e Spínola.

Pelo PSD falou o ainda presidente do partido, Rui Rio, que considerou que, “ao cabo de 48 anos, o descontentamento popular” transformou-se num dos “principais suportes de novas forças extremistas, que procuram saciar os impulsos emotivos de quem está mais fragilizado”. E apontou que a solução para travar os extremismos não são “absurdos cordões sanitários”, mas “ter o rasgo de fazer diferente” e reformar “sem cobardia nem hipocrisia”.

Por último, pela bancada socialista Pedro Delgado Alves evocou a ação do antigo Presidente da República Jorge Sampaio como construtor da democracia pluralista para pedir a atenção àqueles que são “manipulados ou instrumentalizados” pelo populismo e pelos “inimigos de abril”.

 

Otelo não foi evocado

À esquerda, além de envergarem um cravo, muitos deputados estenderem o vermelho às gravatas. Alguns deputados do PSD também usaram esta flor na lapela, mas não o presidente do partido. Já nas bancadas da IL e do Chega não se viram quaisquer cravos na lapela.

Curiosamente, em nenhuma das intervenções foi evocado Otelo Saraiva de Carvalho, um dos estrategas do 25 de Abril, que morreu em julho de 2021 e outra figura desaparecida no último ano, tal como Sampaio.

A sessão também ficou marcada por um momento caricato: um desmaio de um funcionário da AR obrigou Santos Silva interromper o seu discurso. O presidente do Parlamento usou da palavra no final das intervenções dos partidos para defender a importância de cuidar das comunidades portugueses no exterior.

“A revolução que encheu de cravos os canos das espingardas fez dos seus descendentes membros plenos da comunidade cívica que é a nossa pátria. Portugal alargou horizontes e fortaleceu-se no seu papel como berço e casa de gente a seu modo cosmopolita, pacífica, humanista, solidária, aberta aos outros, derrubando muros e erguendo pontes.”

Sem número limitado de presentes e também sem uso obrigatório de máscara, o primeiro-ministro surgiu no Parlamento com a máscara colocada, justificando que “cada um tem a liberdade de fazer o que entende para se sentir mais seguro”.

Estiveram também presentes na sessão solene o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, e os ex-presidentes da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues e João Bosco Mota Amaral, além de alguns capitães de abril, como Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril. Já Cavaco Silva voltou a não marcar presença nas comemorações.

No final da sessão já depois de o hino nacional ter sido entoado, começou a ouvir-se “Grândola, Vila Morena” das galerias. A bancada do Chega, depois de se aperceber do que se tratava, retirou-se em bloco.