1º de Maio: um retrato de baixos salários

Ordenados ‘esmagados’, carga fiscal elevada. Este é um dos raio-x feitos ao mercado do trabalho português. A precariedade penaliza ainda mais a situação dos trabalhadores, que vários responsáveis querem ver resolvida.

«O Dia Internacional do Trabalhador é uma ocasião propícia para refletir sobre as políticas que a UE desenvolve para melhorar as perspetivas de emprego e as condições de trabalho para todos: desde a garantia de um salário mínimo e a promoção do diálogo social e dos acordos coletivos, até à proteção das pessoas que trabalham nas plataformas digitais ou à promoção da igualdade salarial entre homens e mulheres. A pandemia acelerou muitas mudanças no mercado de trabalho e não temos tempo a perder na adaptação das nossas competências para satisfazer estas novas necessidades». A afirmação é do comissário do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, em vésperas de mais um Dia do Trabalhador.

Numa altura em que Portugal aumentou o salário mínimo nacional para os 705 euros mensais, a subida da inflação está a pôr em causa esta subida. Uma situação que leva Isabel Camarinha, líder da CGTP, a defender que é inevitável subir todos os salários, considerando que este desafio deve ser encarado como «uma emergência nacional», disse em entrevista ao i.

A responsável diz ainda que «um país que se quer desenvolvido não pode ter 11,2% dos trabalhadores que trabalham a tempo completo pobres», apresentando os dados oficiais. «Isto é real e com consequências na pobreza infantil, o que também é inaceitável, e depois o que se diz é que vamos reduzir a pobreza infantil. Não precisamos de reduzir a pobreza, precisamos é de acabar com ela e para isso é necessário um aumento geral dos salários», defende. 

Camarinha deixou outro alerta: «Temos mais de um milhão de trabalhadores com salário mínimo nacional, mas depois temos quase três quartos – 72,5% – com salários abaixo dos mil euros. Como é que um trabalhador que ganha abaixo dos mil euros pode ter uma vida digna? Não pode ter».

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) não deixam margem para dúvidas: a remuneração bruta mensal média por trabalhador cresceu 3,4% em 2021 face ao ano anterior para os 1361 euros. A componente regular aumentou 3,1% para os 1106 euros e remuneração base cresceu 3% para os 1.039 euros. Fazendo as contas apenas ao último trimestre do ano passado, a remuneração bruta total mensal média por trabalhador cresceu 1,9% em relação ao mesmo período de 2020, para 1.507 euros. «Tanto a componente regular daquela remuneração, como a remuneração base subiram 2,3%, atingindo, respetivamente, 1103 e 1036 euros», acrescentou o gabinete de estatística em fevereiro deste ano.

Tendo em conta a inflação, as remunerações médias total e regular por trabalhador diminuíram 0,5% e 0,1%, respetivamente, e a remuneração base manteve-se inalterada, revela ainda o INE. Em causa, o retrato de 4,3 milhões de postos de trabalho, correspondentes a beneficiários da Segurança Social e subscritores da Caixa Geral de Aposentações, portanto, setor público e privado.   

Precariedade dita tendência
Para Henrique Tomé, analista da XTB, «o mercado de trabalho em Portugal continua a promover a precariedade na maior parte das áreas». Mas, na sua opinião, este não é o único problema. Associado a isto, o analista acredita que «a falta de apoio do Governo seja importante, embora não seja um fator decisivo que justifique o atual cenário».

O responsável sublinha que «a mão-de-obra é qualificada, mas as empresas continuam a querer pagar salários baixos, o que não contribui para o produtividade do país, nem para a própria competitividade das empresas, uma vez que muita mão-de-obra qualificada continua a optar por ir trabalhar para empresas no estrangeiro que oferecem melhores condições», diz. Defende por isso que  «é  necessária uma reforma nesta área, pois é uma vertente fundamental para o crescimento da produtividade das empresas e para a própria economia».

Questionado sobre quais são os principais desafios no mercado laboral português, Henrique Tomé é perentório: «Salários mais ajustados à mão-de-obra qualificada, a fim de evitar que muitos decidam emigrar para outros países».

Carga fiscal pressiona
Mas não só: «A carga fiscal elevada também é outro problema que condiciona sobretudo a classe média trabalhadora, que é das mais penalizadas com a elevada carga fiscal».

O analista relembra que Portugal «taxa impostos como os países nórdicos, mas os salários assemelham-se aos dos países em desenvolvimento» e, como tal, defende que é necessária uma mudança neste sentido. 
Uma opinião partilhada por Isabel Camarinha: «Os impostos de quem trabalha têm que ser reduzidos e mais equilibrados. Os trabalhadores precisam não só de ter um salário que lhes garanta ter uma vida digna mas também devem ter uma política fiscal que seja mais justa e que distribua a riqueza de uma forma diferente». 
A verdade é que Portugal continua aquém, em termos de salários, dos restantes países europeus. O que poderia ser feito para contornar esta questão?

Henrique Tomé claro: «É necessário incutir uma nova cultura empresarial no país, pois os patrões continuam a querer pagar poucos aos empregados e apostam também em contratos precários. Embora o Estado também possa contribuir para que exista uma mudança, através de incentivos às próprias empresas, por exemplo».

Mas há outros problemas, além do salário, que dizem respeito à falta de mão-de-obra. Um problema que não é de agora mas que se tem agravado ao longo dos últimos anos (ver texto ao lado). O analista da XTB diz que o país «tem muito capital humano, mas é necessário que se criem as condições para que se possa aproveitar ao máximo o facto de termos mão-de-obra qualificada que, a curto prazo não se sente, mas que a longo prazo tem um impacto muito grande na economia». Na sua opinião, a solução passa «principalmente por uma mudança na cultura empresarial, sobretudo no setor privado que é aquele que produz riqueza».