Aula 4: Fósseis, o que são e o que contam

Mais uma lição sobre Geologia com o professor António Galopim de Carvalho, esta semana dedicada à vida antiga preservada nas rochas, com paragem na ‘vergonha’ de Carenque.

Não foi paleontólogo, mas sim sedimentólogo, mas as fronteiras cruzam-se, desde logo na sua luta de quase três décadas pela preservação das pegadas de dinossauros de Carenque. Esta semana, a sessão do ciclo de conversas do Museu Nacional de História Natural e da Ciência com António Galopim de Carvalho foi dedicada aos fósseis, passando também por esses, ao abandono.

O que são fósseis? O «resto do corpo ou vestígio da atividade orgânica de um ser do passado, conservado nas rochas», começou por explicar o professor. A palavra paleontologia, a ciência que estuda os fósseis, radica nos termos palaiós (antigo), óntos (ser) e logos (estudo). Estuda assim a vida antiga, que se encontra sobretudo conservada em rochas sedimentares. «O tipo de rocha sedimentar que mais frequentemente contém fósseis é o calcário, até porque são os restos dos próprios animais que contribuíram para a sua formação», continuou. Há também fósseis em rocha vulcânica, mas apenas nas cinzas e para perceber porquê é preciso ir à origem das pedras: «Encontrar fósseis no basalto seria um milagre porque escorre no estado líquido e tudo o que é matéria orgânica acaba por ser queimado».

Entre os fósseis mais famosos encontrados em rocha vulcânica contam-se o crânio de um rinoceronte com 9 milhões de anos descoberto na Turquia ou pegadas de Australopithecus afarensis, como a Lucy, que viveram há 3,5 milhões de anos e são os exemplares mais antigos de ancestrais humanos. 

Convencionou-se considerar fósseis apenas vestígios de vida antiga, que já não existe, mas nem sempre foi assim. Só a partir do século XVII o termo fóssil passou a ter o significado atual para a paleontologia, descreveu Galopim de Carvalho. «Antigamente fóssil era tudo que era desenterrado (do latim fossilis, desenterrado), que deu palavras que temos em português como fossa ou foçar. Eram fósseis um cristal tirado de uma mina, uma ânfora descoberta em escavações». Os vestígios de seres vivos eram popularmente chamados petrificados.

Continuando pelos conceitos, há duas categorias: os somatofósseis, – de soma (corpo): partes mais ou menos completas do corpo do ser ou do seu molde mas em que o corpo está representado – e os icnofósseis – que são os testemunhos da atividade de organismos do passado quando eram vivos, do grego ichnos: vestígios, traços. 

Vamos aos nossos exemplares. As pegadas de dinossauros de Vale de Meios, em Santarém, são das mais antigas em Portugal. Por ali terá passado um terópode há 175 milhões de anos. «Só ficaram registadas as pegadas das patas, porque não era um quadrúpede. É um carnívoro não muito grande, está longe das pegadas do grande T-Rex, com uma pegada tridádica, com três dedos, característico de um carnívoro». No mesmo capítulo temporal podem ser visitadas as pegadas de dinossauros da Serra D’Aire – vinte trilhos com centenas de pegadas de grandes saurópodes que viveram no Jurássico médio. Neste caso, são pegadas de pés e mãos, pata dianteira e pata traseira, um quadrúpede que tanto milhões de anos depois conseguiu surpreender os investigadores. «Há uma particularidade desta pedreira para a ciência: mostrou que os animais deste tipo, que se pensava que só tinham surgido no Jurássico superior, há 150 milhões de anos, afinal já existiam há 25 milhões de anos. E 25 milhões de anos são uma coisa brutal».

Avançando no tempo, chegamos à Pedreira do Avelino, em Sesimbra, com vestígios de dinossauros que viveram há 150 milhões de anos. Ali encontram-se trilhos de saurópodes que viveram então 25 milhões de anos depois dos ‘parentes’ da Serra D’Aire. Falando para professores que o estivessem a ouvir, Galopim de Carvalho explicou como responder aos alunos que ficam intrigados com tudo isto, com pegadas em rochas duras e às vezes inclinadas: «A gente tem de explicar que isto antes de ser pedra era lama, era uma lama de calcário. Depois ao longo de milhões de anos foi endurecendo. Outra pergunta que os alunos fazem muito por exemplo na jazida da Praia Grande, em que a camada está quase na vertical, é se os animais andavam por ali como se fossem lagartixas. Não senhor, a camada estava na horizontal e depois dobrada», ensinou, dobrando uma folha de papel para se fazer perceber melhor. «A serra de Sintra faz esta dobra com o relevo granítico no centro. Na Praia Grande, a norte da serra da Sintra, (num dos lados da dobra) as camadas de sedimentos estão verticais». As pegadas da Praia Grande são do Cretácico inferior, há 115 milhões de anos, de dinossauros terópodes e ornitópodes, bípedes. Foram contemporâneos os dinossauros de Lagosteiros, no Cabo Espichel. 

‘É este o Portugal que temos’
Daí seguimos para Carenque, onde se encontram as pegadas de dinossauros de Pego Longo, a jazida mais moderna descoberta no país, de dinossauros que viveram há 95 milhões de anos. 

Há um longo trilho com pegadas de um grande bípede, descreveu Galopim de Carvalho, possivelmente um ornitópode, e depois um pequeno trilho de um terápode. São monumento natural desde 1997. Processos «difíceis», lembrou o geólogo, que nos anos 90 travou uma batalha contra a destruição das pegadas com a construção da CREL e não se conforma com o estado de abandono. «O Instituto de Conservação da Natureza que é a entidade que classificou e classifica os monumentos naturais [tem] há mais de 20 anos isto tudo ao abandono. Eu e um conjunto de colegas interpusemos uma providência cautelar no Tribunal Fiscal e Administrativo de Sintra que condenou o ICNF e pasme-se, o instituto que foi condenado a fazer aquilo que tinha de fazer recorreu para a Relação. É isto o Portugal que nós temos, ou melhor dizendo, o Portugal que somos», denunciou o professor.

A jazida que já é frágil está à mercê de vegetação e intempéries, lembrou Galopim de Carvalho, recuperando a luta que levou à construção dos túneis da CREL e o projeto aprovado na câmara para o Museu do Pêgo Longo desde 2001, que não saiu do papel. «É uma vergonha nossa, minha não é (…) É pena porque representava um benefício muito grande para a região: onde há dinossauros há visitantes».

Deixando as pegadas de dinossauros, há mais fósseis para descobrir. É o caso das bilobites de Penha Garcia, que também são icnofósseis, neste caso rastos deixados por trilobites, antigos invertebrados marinhos. Outros icnofósseis são os gastrólitos, as pedras ingeridas pelos animais para triturar os alimentos no interior de um órgão, à semelhança da moela na galinha: «Hoje as crianças e os jovens já não o veem mas na minha infância a minha mãe matava a galinha e quando queria usar a moela tinha de abrir com uma faca e tirar as pedrinhas. Como não tem dentes, era com essas pedras que triturava os alimentos». Entram também nesta categoria os ovos de dinossauros ou os coprólitos, excrementos petrificados. «Estudando-os ficamos com a ideia de como era a alimentação dos animais».

Galopim de Carvalho falou ainda dos diferentes processos de foslização, da conservação de animais inteiros em âmbar – resina fóssil com 44 milhões de anos – às diferentes formas de mineralização de conchas, ossos ou da madeira ao ponto de se tranformarem em pedras como gesso ou até opala. E de duas outras classificações: fósseis de fácies ou de idade. Os de fácies permitem perceber o ambiente em que uma rocha se formou. Os de idade são aqueles permitem datar as rochas, algo em que a ciência evoluiu no último no século, hoje servindo-se da radiotividade. 
«A partir do estudo da desintegração do núcleo atómico consegue-se ter uma noção do tempo: conseguimos perceber quando é que um feldspato deixou de ser magma, que um granito de Sintra tem 80 milhões de anos, um basalto de Lisboa tem 70 milhões de anos. Estudamos alguns dos isótopos nos elementos dos minerais dessas rochas e determinamos assim a idade». 

Se esta é a parte técnica de como a Geologia olha para o tempo, há a mais filosófica: «A unidade de tempo em geologia é o milhão de anos. Somos muito levianos a falar de milhões de anos porque não conseguimos ter uma noção exata», disse Galopim de Carvalho, recorrendo aos exemplos que costuma usar para pôr o tempo em perspectiva: para dar um milhão de badaladas, mesmo ao ritmo de uma por segundo, são precisos 11 dias, 13 horas, 46 minutos e 40 segundos.